Os queijos e as massas…

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O nosso queijo Canastra – depois de ter sido alçado à categoria de patrimônio cultural imaterial pelo Iphan – foi eleito o melhor queijo do mundo pelo site americano The Taste Atlas, que conta com a participação de viajantes de todo o mundo.

Apesar da vitória do meu (também) queijo predileto, essa eleição me deixou melancólico. Notem o nível de qualidade dos adversários: o famoso francês Mont d’Or ficou apenas com a quarta posição; os italianos Parmigiano Reggiano, Gorgonzola, Stracciata e Burrata ocuparam do sexto ao nono lugares; e o português Serra da Estrela ficou com a modesta vigésima colocação. Convenhamos, ninguém reclamaria se qualquer um desses tivesse sido eleito o vencedor, tamanha a paridade técnica que os une. Todos eles atendem muito bem a todos os critérios técnicos avaliados em uma eleição desse tipo, tais como aspecto global, cor, textura, aroma, consistência e sabor. Não deveriam todas as eleições ser feitas com base em metodologias objetivas e pragmáticas como essas, e entre competidores diferenciados como esses?

Tomemos nossos políticos como exemplo. É claro que o aroma não deveria ser critério de classificação (até por questões de salubridade dos avaliadores), mas a coerência certamente substituiria bem o quesito. Imagine que queij… ops, que político teria chance de reeleição caso tivesse sido flagrado permitindo o roubo de bilhões de estatais e fundos de pensão? Ou que entregasse o controle do seu governo justamente para os corruptos que jurou combater?

Se colocarmos o bom senso no lugar da consistência, a coisa fica ainda mais complexa. Um político que sabota propositalmente a campanha de vacinação mais importante dos últimos cem anos não poderia sequer participar de alguma eleição pelo resto da vida, a não ser – quem sabe – a de melhor queijo do presídio. O mesmo vale para aquele que defendeu e financiou ditaduras pelo mundo afora, e agora se apresenta como última esperança da democracia. Que tipo de queijo manteria sua textura em uma circunstância como essa?

No lugar da cor – item que certamente levaria a debates, textões e cancelamentos -, melhor seria se pudéssemos avaliar nossos políticos pelo caráter. Na primeira triagem, pouquíssimos candidatos continuariam na disputa, facilitando sobremaneira o trabalho dos eleitores. Político que defendesse tortura estaria, evidentemente, fora do páreo. O mesmo valeria para político que transforma o enterro da própria mulher em palanque eleitoral. Falem a verdade, quem faz isso não merece tempo de cura.

Infelizmente, nossas chances de assistir à vitória de um queijo Canastra na eleição de outubro estão cada vez mais remotas. Na verdade, diante das duas opções mais prováveis no preparo das massas, eu me daria por satisfeito se o eleito fosse o queijo caipira de Mato Grosso do Sul, o queijo novo de São Paulo, ou até o queijo coalho do Vale do Jaguaribe. Esses, pelo menos, ainda não tiveram a chance de azedar.

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O próximo dia nacional…

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A Câmara dos Deputados aprovou ontem um Projeto de Lei que institui o dia 8 de setembro como o Dia Nacional do Terço dos Homens, em homenagem a um movimento de oração. Apenas em 2022, foram criadas outras datas comemorativas de importância – no mínimo – controversa, como o Dia Nacional do Cristão e o Dia da Harmonização Facial. Esses e outros dias comemorativos não contribuem em nada com a saúde, a educação e a segurança da população, mas a maioria dos políticos brasileiros – tanto de direita quanto de esquerda – só tem capacidade de propor ações dessa, digamos, envergadura. São o retrato de uma sociedade composta – em boa parte – de adoradores de políticos que abdicaram de seu dever de cobrar e criticar seus representantes, uma vez eleitos.

Em homenagem a essa parcela expressiva da população brasileira, parece estar se aproximando mais uma data comemorativa que, certamente, irá merecer uma sessão solene em nosso congresso: o Dia Nacional da Inversão. Pelo andar da carruagem, o dia primeiro de janeiro de 2023 provocará uma colisão de neurônios, uma hecatombe cognitiva, uma retrolavagem cerebral. O Dia Nacional da Inversão irá inaugurar uma nova era nas cabecinhas atordoadas dos dois maiores fã-clubes de bandidos existentes em nossa sociedade.

Como num passe de mágica, uma das seitas irá despertar naquele domingo com a consciência de que os problemas econômicos do país são de responsabilidade do governo federal. Não haverá mais desculpas ou atenuantes, e os governadores e prefeitos deixarão de ser os culpados pela inflação, pelo desemprego, pela miséria, pela fome. A partir de janeiro, os gastos com o cartão corporativo passarão a ser investigados, e qualquer dado não revelado será considerado falta de transparência, e não mais uma questão de segurança nacional. Cada aliado do governo passará por rigorosa averiguação, e todos os seus malfeitos serão lembrados incessantemente. A palavra “governabilidade” passará a ser eufemismo de submissão e entrega. Por falar em palavras, as rachadinhas voltarão a ser consideradas criminosas, as passeatas serão desperdício de dinheiro público, e qualquer tempo ocioso do presidente fará dele um vadio, não mais um “homem do povo”. A política externa será alvo de críticas, principalmente quando o país se aproximar de países comunistas como a Rússia, a China e os Estados Unidos comandados pelos democratas. Subsídios fiscais voltarão a ser paliativos ineficazes, e a reforma tributária será novamente cobrada. As emendas do relator serão tão repugnantes quanto as intervenções na Petrobrás e na Polícia Federal. Deixar de cumprir o teto de gastos será inadmissível, e as pedaladas fiscais – mesmo legalizadas – serão condenadas com incomum veemência. A redução das tarifas por decreto será um crime quase tão grave quanto o congelamento de preços. Toda morte provocada por enfermidades será decorrente do descaso do governo com a saúde, qualquer agressão à imprensa será tratada como intolerância, todo corte de recursos da educação sofrerá as mais duras e indignadas críticas, e qualquer árvore derrubada na Amazônia irá representar um risco à sobrevivência humana no planeta. Naquele domingo, muitos amigos e ex-amigos voltarão a concordar – mesmo que jamais admitam – com muitas das mesmas críticas que tenho feito nos últimos quatro anos.

Enquanto isso, naquele mesmo domingo, os membros da outra seita acordarão com uma venda de tecido vermelho nos olhos, e contemplarão um novo, iluminado e imaculado Brasil. E assim seguirão – vendados – até que um novo dia da inversão amanheça.

Que o primeiro dia de 2023 não seja eternizado como o dia da inversão, e muito menos como o dia da continuidade. Façamos dele o Dia Nacional da Esperança.

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Teorias inverossímeis…

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“Eu não tenho provas, mas acho que, entre o primeiro e o segundo turno, o partido político (que vocês devem saber qual é) contratou hackers. Quando não pagou a parcela adiantada do segundo turno, os hackers não alteraram o resultado do segundo turno e aí aconteceu a minha vitória”, afirmou Bolsonaro ontem à noite sobre as urnas eletrônicas, que impediram sua incontestável vitória já no primeiro turno de 2018.

Lamento informá-los, caros bolsonaristas, que Bolsonaro mentiu. Mas não se preocupem, como todo mito que se preza, ele mentiu para preservá-los. Sim, Bolsonaro sabe que o povo brasileiro não está preparado para conhecer todos os detalhes de uma guerra sem fim entre o bem e o mal. Acha que, assim como os gastos do cartão corporativo, seu histórico de vacinação, e as visitas dos pastores corruptos ao Palácio do Planalto, algumas ações a favor da democracia devem ser mantidas como segredo de estado por, pelo menos, 100 anos.

Eu – ao contrário – penso que grandes atos de heroísmo devem ser revelados, até para que todos os brasileiros saibam o quanto os membros deste governo têm lutado para livrar o país da ameaça do comunismo.

Eu também não tenho provas do que vou dizer, mas a verdade é que Rosa Weber, então presidente do STE nas eleições de 2018, teve que ser sequestrada logo após o primeiro turno para que a democracia pudesse finalmente triunfar. Damares Alves foi colocada em seu lugar, fazendo uso da mesma tecnologia de máscaras vista nos filmes de Tom Cruise (simpático aos nossos governantes desde que perdeu o papel de Jack Dawson para o comunista Leonardo di Caprio). Foi Damares quem fez a contagem dos votos, um a um. A verdadeira Rosa Weber jamais disse algo a respeito porque Daniel Silveira tem vídeos comprometedores de uma orgia da qual participaram, além da Ministra, Janja, Manuela d’Ávila e – pasmem! – o Zé Gotinha (e ainda tem gente que acredita nas vacinas).

“E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”. Nunca o mantra do nosso grande presidente fez tanto sentido.

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Concreto…

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“Antes cair das nuvens que de um terceiro andar.” (Machado de Assis)

Não era tarefa fácil subir aquelas escadas. Os degraus – incompatíveis com minhas pernas curtas – insistiam em me empurrar de volta. Agarrava-me ao corrimão de minha mãe. “Só mais dois lances e estaremos lá em cima”. A subida nos levou a um chão ainda úmido. Laje nova que se estendia feito planície diante dos meus olhos. O horizonte era, pela primeira vez, uma reta. Meus passos vacilantes notaram a dureza do pavimento, disposto a tolerar todos os fardos. Do alto do colo que me servia de guarda-corpo, pude acompanhar o desfile de formas geométricas nos telhados das casas vizinhas. Encantei-me por aquele piso que flutuava.

Não precisei de auxílio para subir as escadas seguintes. Cresci, mas o maciço projetado sobre o vazio continuava a me fascinar. Aproximei-me, ainda tímido. Cerimônia tentava – em vão – disfarçar o flerte. Buscava a intimidade que me permitisse descobrir essências, conjurar balanços, desvendar fissuras. A densidade de sua leveza me intrigava. Jurei um dia também ser capaz de aprisioná-lo ao solo e libertar seu voo.

Tocou meu coração perceber sua alma frágil, encarnada em aço. Dali vinha sua força. Deixei-me seduzir pelas possibilidades das formas, impossíveis de serem domadas. Passamos a permear entendimentos, confidenciar patologias, dividir esforços. Moldados na inflexibilidade do mundo, reconhecemo-nos esqueletos em construção. Ainda não conhecia suas minudências e individualidades. Receava não ter medo de descobri-las. Os altos e baixos acabaram por me retrair. Aprendi na marra a respeitar seus momentos.

Pedi ajuda aos livros, na tentativa de desvendar os segredos da levitação. Encontrei apenas rascunhos. Ávido pelo conhecimento, desviei os olhos das mais elementares lições. O grande aprendizado veio quando retirei as escoras que me sustentavam. Deformei-me. Longe de atribuir autoridade, o capacete parecia me distanciar da promessa feita. Juntei-me à matéria bruta. Indaguei polímeros, ouvi silicatos, provei a consistência das misturas. Aprumei-me. O tempo da cura se aproximava.

Subi os degraus mais uma vez. Despido de certezas, toquei a forma nua. A madeira me desafiava a acompanhar desníveis e reentrâncias. Confrontei-a. Cético, testemunhei a alma invadir um corpo em formação. Uma tela de esperança surgiu sob meus pés. Jatos viscosos logo a esconderam. O milagre havia se consumado. Contemplei o horizonte, outra vez plano. Enxuguei o suor dos olhos. Meu sonho era concreto.

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Distúrbio constrangedor…

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– Boa tarde, doutor.

– Sente-se. Como posso ajudá-la?

– Vim aqui porque estou muito preocupada com o meu marido.

– E por que ele não veio pessoalmente?

– Ele não acha que precisa de tratamento, doutor. Diz que é assim mesmo.

– É assim mesmo o quê?

– … ele não consegue segurar… ai, fico tão constrangida de falar.

– Fique tranquila, o sigilo médico é inviolável.

– É uma coisa muito íntima, sabe?

– Entendo perfeitamente. E posso lhe garantir que muitos homens vivem o mesmo problema, mas também têm vergonha de admitir.

– Verdade? Não sabia. Meu marido se satisfaz, mas eu fico a ver navios. Não entendo o porquê da pressa.

– A culpa pode não ser só dele.

– O senhor acha, doutor?

– Claro. Os dias estão cada vez mais estressantes, são muitas informações a serem absorvidas. Essas anomalias são comuns.

– Anomalias? Isso é grave?

– Depende. Se ele não começar a perceber que existe um problema, isso pode afetar até a relação de vocês.

– Já está afetando, doutor. Eu tento conversar, mas ele não me ouve. Peço pra ele não ir com tanta sede ao pote, pra ponderar, mas ele quer resolver tudo rápido. Eu tenho meu tempo, o senhor entende, né?

– Claro, trabalho com isso há anos.

– O que o senhor me aconselha a fazer?

– Primeiro preciso de algumas informações adicionais para o diagnóstico.

– Pois não.

– Há quanto tempo começaram os sintomas?

– Desde o ano passado. Mas piorou muito nos últimos meses.

– Piorou como?

– Antigamente ele ainda dizia que estava aberto a novas ideias. Agora fica irritado toda vez que eu toco no assunto.

– Uh-hum… e a senhora continua insistindo?

– Cada vez menos, doutor. E, ainda por cima, ninguém ajuda. Ando tão desanimada…

– Você não está sozinha. Muitos sentem-se assim diante dessa doença.

– O senhor já sabe o que o meu marido tem?

– Sufrágio precoce. Ele está tratando o primeiro turno da eleição como se fosse o único. Estamos vivendo uma verdadeira epidemia dessa praga aqui no Brasil.

– E tem solução?

– Tem, mas o grande obstáculo são aqueles que morrem de medo da cura. Fazem o maior terrorismo com quem ainda acredita nela. Aí o povo – que já anda com a imunidade baixa – acaba se contaminando.

– E não há nada que a gente possa fazer?

– Apenas não desista. É tudo que eles querem que você faça.

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Endividamento compulsório…

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– Já estamos terminando, ok?

– Finalmente. Esse questionário é mais longo do que eu me lembrava.

– É porque passou muito tempo desde o último censo. Mas não tenho mais perguntas. Só estou calculando o valor a pagar.

– Não sabia que o censo seria cobrado.

– E não é mesmo. A cobrança é referente à dívida.

– Que dívida?

– Dívida histórica, é óbvio.

– Que bobagem é essa?

– Bobagem? Já vi que, além de branco, hétero e de classe média, o senhor é bem preconceituoso. Sua conta tá só aumentando.

– Minha filha, eu não vou pagar nada. Nunca fiz mal a ninguém na vida.

– Lá vem o papinho de santo de todo racista.

– Não me ofenda dentro da minha casa. Não sou racista.

– Ah, é? Se o seu filho chegasse com uma namorada negra, o que o senhor faria?

– Nada. A cor da pele não faz a menor diferença pra mim.

– E se fosse um namorado negro?

– De novo, a única coisa que importa é que meu filho seja feliz.

– E se fosse um namorado negro, trans, descendente de indígenas e portador de deficiência?

– Aí eu jogaria na loteria, porque a chance disso acontecer é bem menor do que a de acertar na mega-sena.

– Tá vendo? Sei reconhecer um racista de longe.

– Vamos esclarecer uma coisa aqui…

– Escurecer. Não venha com essa branquitude opressora pra cima de mim.

– Escurecida está ficando é a minha paciência. Não fiz nada de errado e não vou pagar por dívida histórica nenhuma.

– Seus ancestrais escravizaram negros, torturaram índios, exploraram pobres.

– Mesmo que fosse verdade, e eu com isso?

– A sua condição privilegiada é decorrente desses crimes.

– Você tem noção do quanto eu tenho que trabalhar todos os dias pra dar um mínimo de conforto pra minha família?

– E o senhor tem noção de quantas pessoas negras passam fome no mundo? De quantos índios morrem sem recursos nas reservas? De quantas mulheres são mutiladas no Oriente Médio?

– Eu sinto muitíssimo por todas as tragédias do planeta, mas se eu ficasse pensando em cada injustiça que existe, acabaria metendo uma bala na cabeça.

– À vontade, mas não sem antes pagar a sua cota da dívida.

– Eu já pago impostos altíssimos e ainda contribuo com muitas instituições sérias. Evidentemente não é o seu caso.

– O senhor está se comportando como um moleque.

– Sabia que a palavra moleque chegou ao Brasil através dos escravos angolanos? Você está sendo racista.

– Que mentira cabeluda.

– E ainda tem preconceito contra os calvos.

– O senhor não tem o direito de falar assim comigo.

– Direito? Discriminação contra o esquerdo. Vou ter que denunciá-la por racismo estrutural incompatível com o cargo que ocupa.

– Vamos fazer uma coisa? Vou abrir uma exceção para o senhor e dar como quitada sua dívida histórica.

– Quitada? Sou mineiro, minha filha. Minha terra foi explorada e meus ancestrais decapitados por portugueses. Aceito meu pagamento em euros…

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O que Aleijadinho nos ensina…

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Acabo de sair da antiga Vila Rica, capital das Minas Gerais. Acabo de testemunhar os feitos e as agruras de Antônio Francisco Lisboa, o grande mestre do barroco brasileiro. Acabo de me emocionar com uma produção impecável, solistas fabulosos, e música arrebatadora. Acabo de vivenciar parte da minha própria história.

A ópera Aleijadinho é uma obra-prima. E é uma obra-prima não apenas cênica e musical. Aleijadinho é uma obra-prima por mostrar os conceitos de arte e liberdade a uma sociedade pouco acostumada a ambos. Ali – no palco – está a arte em sua essência. A arte como expressão de inquietação e inconformismo, como força propulsora de mudanças, como artimanha para se driblar a censura e a tirania. Em tempos em que parte significativa da população brasileira acredita que a arte deve manter-se alheia aos acontecimentos sócio-políticos do país (a não ser, é claro, quando o artista partilha de sua ideologia), assistir a Aleijadinho chega a ser um bálsamo.

Da mesma forma, a liberdade exaltada no espetáculo é plena. Não se trata da busca seletiva que vemos hoje em dia, em que o esforço para que muitos se calem é chamado de soberania por aqueles que gritam, em que muitos se acham no direito de autorizar alguém a trocar a democracia pelo autoritarismo.

Assistam a Aleijadinho. E que a arte não permita que nossa liberdade nos falte, ainda que tardia.

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Meditations…

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“Seja bem-vindo. Quem quer que seja, estou muito feliz por você estar aqui. É difícil descrever o quão animado estou para compartilhar tudo isso com você. Este é talvez o mais introspectivo de todos os meus trabalhos. Alguns dos pensamentos encontrados aqui foram escritos em meu diário pessoal ao longo de mais de meia década, desde que eu era apenas um menino com muito mais perguntas do que respostas, não muito diferente de agora, para ser bem sincero”.

Assim começa o livro “The Many Meditations of a Young Man’s Mind”, escrito pelo meu filho Arthur Viegas, e que acaba de ser lançado pela Amazon. Arthur ainda não completou 21 anos de idade, mas seu espírito certamente é bem mais velho. Somente uma alma antiga é capaz de explicar tamanha maturidade em alguém tão jovem. Somente uma alma antiga conseguiria lidar tão bem com a solidão, com a saudade, com a distância daqueles que sempre foram seu porto seguro. Somente uma alma antiga teria tanta certeza de seus sonhos e do que é preciso fazer para alcançá-los. Somente uma alma antiga é capaz de inspirar, de ensinar, e de jamais deixar de aprender. A jornada do Arthur está apenas começando, mas seus primeiros passos me fazem acreditar que, se existem bons caminhos ao longo da vida, um deles é o que meu filho está construindo para si. E meu orgulho só não é maior do que o meu amor por ele.

Esta é a segunda vez que um livro escrito por uma alma antiga é dedicado a mim. Que bênção!

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Preferências…

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Gosto dos conservadores. Mas daqueles conservadores que não precisam bater no peito com orgulho ao assim se definirem. Daqueles que não se autonomeiam “pessoas de bem” porque o bem está no caráter, na lisura, na humildade, e não na forma como alguém se posiciona diante dos mais diversos costumes. Daqueles que respeitam a opinião alheia e, pelo menos, esforçam-se para entender os contextos que levam o outro a pensar de forma diferente. Daqueles que defendem seus valores sem buscar impô-los a toda a sociedade. Daqueles que não são hipócritas a ponto de pedir a condenação de um viciado depois de se drogarem na festa do fim de semana, ou a ponto de se revoltarem contra uma mulher que escolheu não levar adiante sua gestação depois de pagarem pelo aborto da empregada que o filho adolescente engravidou. Daqueles que consideram a família como uma espécie de célula-tronco, capaz de – se bem cuidada – ajudar a criar uma comunidade mais justa e fraternal.

Gosto dos progressistas. Mas daqueles progressistas que não precisam bater no peito com orgulho ao assim se apresentarem. Daqueles que não se consideram “fonte de todas as virtudes” porque as verdadeiras virtudes são o caráter, a lisura, a humildade, e não a forma como alguém se posiciona diante dos mais diversos costumes. Daqueles que respeitam a opinião alheia e, pelo menos, esforçam-se para entender os contextos que levam o outro a pensar de forma diferente. Daqueles que defendem seus valores sem buscar impô-los a toda a sociedade. Daqueles que não são hipócritas a ponto de amaldiçoar os privilégios apenas até que os alcancem, ou a ponto de se engajar em uma causa coletiva somente em busca de projeção individual. Daqueles que consideram a família como a célula-tronco do amor, cientes de que o amor não admite regras, dogmas ou preconceitos.

Gosto dos moderados. Mas daqueles moderados que não precisam bater no peito com orgulho ao assim se nomearem. Daqueles que entendem que o equilíbrio que têm como princípio não os impede de se posicionarem diante dos mais diversos dilemas. Daqueles que não se calam frente às injustiças, mesmo que sua índole valorize mais o silêncio do que a palavra. Daqueles que funcionam como contraponto de tolerância em uma sociedade dominada pelo radicalismo. Daqueles que entendem que o diálogo e a diplomacia sempre serão as mais eficientes e poderosas armas com as quais a humanidade pode contar.

Gosto dos radicais. Mas daqueles radicais que não precisam bater no peito com orgulho ao assim se identificarem. Daqueles que são radicalmente contrários a toda forma de violência, de discriminação, de crueldade. Daqueles que sabem que a indignação que têm como princípio não os impede de lançar mão da ponderação e da livre troca de ideias. Daqueles que não se tornam porta-vozes de toda e qualquer questão, mesmo que sua índole valorize mais a palavra do que o silêncio. Daqueles que agem como contraponto de metamorfose em uma sociedade dominada pela acomodação. Daqueles que entendem que o debate em busca do bem comum sempre será a mais eficiente e poderosa arma com a qual a humanidade pode contar.

Gosto dos seres humanos. Ainda…

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Bola de cristal…

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– Bárbara, você sabe que eu não acredito nessas coisas.

– Entra logo, Nicolas. A mulher é fera. Já se esqueceu de tudo que ela acertou quando a gente esteve aqui em 2014? A reeleição da Dilma, as manifestações, o impeachment.

– Mas ela não previu nada sobre o mito.

– Ainda tava longe do mito aparecer. Mas hoje ela vai nos dizer se ele ganha ou se vamos virar um país comunista.

– Tá bom, mas você faz as perguntas. Não gosto de papo com essa gente.

– Sentem-se. Vocês vieram por causa da eleição, não é?

– Ah, Madame Zohara, a senhora sempre sabe de tudo. É isso mesmo. Quem será nosso próximo presidente? Bolsonaro ou Haddad?

– Meus filhos, minha bola de cristal não mostra nomes. Mas vejo que o próximo governo será transformador.

– Graças a Deus! Transformação é a cara do mito. Será um governo de reformas, de privatizações, de crescimento, né?

– Não vejo nada disso aqui. A transformação acontecerá em outros setores.

– Na relação com o congresso? Já estava na hora do toma-lá-dá-cá acabar.

– Na verdade aqui marca um governo totalmente entregue ao Centrão, cheio de mensaleiros, inclusive nos ministérios.

– Virgem santa! A senhora está dizendo que o PT vai ganhar? Não dá pra confiar nessas urnas eletrônicas mesmo.

– Tem mais: inflação, juros, dólar e desemprego vão explodir.

– É claro que vão. É só pra isso que esse bando de corruptos presta. Que tristeza.

– (Bárbara, acho que tá na hora da gente ir.)

– (Espera, Nicolas.) Fale mais, Madame Zohara.

– O desmatamento vai bater recordes, a educação vai retroceder como nunca, e a responsabilidade fiscal será coisa do passado.

– Que Deus tenha piedade de nós. A tal transformação que a senhora mencionou é o comunismo, né?

– As maiores transformações virão na área da saúde, da política externa, e dos auxílios sociais.

– Tenho até medo de perguntar…

– O novo presidente será abertamente contrário à vacinação, o Brasil se tornará um dos maiores aliados da Rússia, e os gastos com o bolsa-família vão mais que dobrar.

– (Bárbara, chega de ouvir bobagem. Nem um governo petista seria tão ruim assim. Vamos embora.)

– (Cala a boca, Nicolas.) Madame Zohara, e nós, pessoas de bem, vamos ficar quietas?

– Claro que não. Vocês vão aplaudir…

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