Crepúsculo…

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Tenho medo da noite. Não sei se pela falta ou pelo excesso das sombras. Talvez seja pelo silêncio lá de fora, tornando ensurdecedora a algazarra de tudo que vive aqui dentro. Quem sabe pela imprecisão das feições, pela indecifrabilidade dos olhares, por tudo que deixa-se desvendar quando a luz vai-se embora. É no escuro que os olhos se revelam, que os semblantes se denunciam. Não há como enxergá-los. Hoje, prefiro a hipocrisia da claridade, que ilumina apenas o que se permite ser visto. O sorriso falso da manhã não me apavora tanto quanto a sisudez da madrugada. Os disfarces existem a pedido da luz. A escuridão, ao contrário, insiste em delatar os que buscam se encobrir. Se o dia é mentira, a noite é a verdade que ninguém quer saber.

Tenho medo da noite. Talvez pelos ecos que insistem em me fazer companhia, ou pela corrente de vento que se esgueira entre as frestas da porta da varanda. É na quietude da noite que me inquieto com os estralos do piso de madeira recém-encerado, com as gotas de chuva tamborilando no peitoril da janela, com o zumbido de pernilongos tão sedentos quanto fui um dia. É sob o véu da noite que a lua pálida enxerga meus vícios, minhas frustrações, meus arrependimentos. É a noite que se compraz em me lembrar dos toques agora inacessíveis, da boca escura tão distante da minha, das mãos tingidas de breu. A noite me tortura tal qual minhas próprias escolhas.

Tenho medo da noite. Houve um tempo em que as trevas eram aliadas. Houve um tempo em que a visão dava – de bom grado – lugar ao tato, em que a língua acessava segredos inatingíveis a qualquer centelha do dia, em que gemidos e sussurros desafiavam os mais sagrados silêncios. Houve um tempo em que meu cansaço era saciado pelo aconchego, em que meu coração descompassado me embalava, em que o repouso de mãos sobrepostas era recompensa. Houve um tempo em que o luar também era cúmplice.

Tenho medo da noite. Talvez por sua irritante intimidade com a solidão, sua inexorável mudez diante de tantas lágrimas, sua arrogante indiferença às não tão silentes súplicas. Tenho medo da noite. Quisera eu ser capaz de fechar os olhos para não vê-la se insinuando, camuflada de entardecer. Pudera eu ter brilho próprio, e impedir que o lusco-fusco viesse para eclipsar o que resta do meu dia. Quisera eu que o horizonte fosse intransponível por um instante.

Tenho medo da noite, e o crepúsculo se aproxima…

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Ela…

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Hoje é o aniversário dela. Ela que, mesmo depois de tantos anos de convivência, não para de me surpreender pela sua inteligência, sua perspicácia, sua competência em tudo o que se dispõe a fazer. Ela que consegue ser firme sem perder a doçura, franca sem deixar de lado a compreensão, decidida sem ter que fingir não precisar de um carinho. Ela que é a amiga que todos gostariam de ter, pois não sabe ser parte, e só se entrega por inteiro. Ela que é mãe descolada, mas atenta a cada variação de semblante; companheira sem abrir mão da hierarquia; zelosa, mas sempre com respeito às individualidades de cada filho. Ela que é tão única e especial, que seu aniversário marca o início da mais acolhedora das estações. Ela que é, há mais de três décadas, a luz que ilumina meus caminhos. É minha mulher, minha amiga, minha amante. E que mulher, que amiga, que amante. É meu porto seguro, é o olhar que me acalma e que me assanha, é a mão forte o bastante para me sustentar, e singela a ponto de me pedir ajuda. É a maior das bênçãos que eu recebi na vida. Ao lado dela, dificuldades quase intransponíveis parecem pequenos desafios. Ela sempre sabe a hora certa de enxugar as minhas lágrimas, ou de se unir ao meu pranto. E quando ela sorri… ah, quando ela sorri tudo fica mais ameno, mais leve, mais pleno. Não foi por acaso que a ONU declarou, em 2013, que hoje é o Dia Mundial da Felicidade. Pois faz muito mais tempo que hoje é o dia da minha felicidade. Hoje é, acima de tudo, o dia do meu amor.

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Veredito…

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O desafio literário colocou máquina e cronista frente a frente. Dália, Sol, Aqui, Calcinado e Anarquia foram as palavras convocadas para lhes fazer companhia. Escritos os textos, o que era uma “Noite de Carnaval” nas linhas do cronista transformou-se em “Dália da Anarquia” na visão da máquina. O veredito do experimento coube a quem tinha lugar de fala:

DÁLIA: Gente, pra mim não tem comparação. Notem a diferença de enfoque. Um descreveu um acontecimento pessoal, fortuito, e, cá entre nós, meio sem graça. A outra criou uma história inspiradora, cheia de aventura, simbolismo e significado.

ANARQUIA: Isso sem falar no tempo. O pobre do cronista ralou por horas, e quase não encontra lugar pra mim. A máquina demorou 20 segundos pra entregar o texto prontinho.

AQUI: Vocês dizem isso porque são protagonistas, né? Até no título foram citadas. O cronista pode ter sofrido, mas pelo menos não me ignorou.

SOL: Aqui, acredita que eu não havia reparado que você tinha ficado de fora?

AQUI: Pois é, parece que sou insignificante pra muita gente…

CALCINADO: Concordo, Aqui. Ela te ignorou completamente, e ainda me colocou no feminino. Não sou desses chatos com as questões de gênero, mas vocês hão de convir que eu sequer fui consultado. Se eu deixar acabo virando um “calcinade” na próxima.

ANARQUIA: Nossa, vocês são muito exigentes. O cara escreve há não sei quantos anos, a coitadinha começou há três meses.

SOL: Sei que você não é muito fã de regras, Anarquia, mas a gente não deve considerar histórias pregressas. O que vale é o resultado.

DÁLIA: Acho que você tem razão, Sol. Na sua opinião, quem se saiu melhor?

SOL: Estou realmente em dúvida, e olha que não sou de deixar problemas no escuro. Mas não quero correr o risco de ser injusto.

ANARQUIA: Assim fica difícil. Se tem uma coisa que me irrita é gente certinha e sem convicção.

CALCINADO: Calma, pessoal. Por que sempre sou eu que tenho que colocar panos quentes? Existe uma razão pra estarmos todos aqui.

AQUI: Falou comigo?

DÁLIA: Não, Aqui, ele quis dizer que nosso trabalho é avaliar duas crônicas das quais somos peças fundamentais.

AQUI: Fundamentais? Fale por você.

SOL: Aqui, esse seu complexo de inferioridade tá me deixando esquentado. Eu também só fui citado uma vez em cada texto.

ANARQUIA: Galera, por mais que eu adore uma bagunça, não vamos chegar a lugar algum assim. Todos estão ansiosos pela nossa decisão.

DÁLIA: Quer saber? A gente devia dizer logo a verdade.

CALCINADO: Será? Eles podem ficar magoados.

ANARQUIA: Bom, um deles é uma máquina.

AQUI: E é dela que eu tenho mais medo. Mas estou com vocês. Sol, os esclarecimentos são seus.

SOL: Pois bem. Informo que, depois de um longo e acalorado debate, chegamos à conclusão de que máquina e cronista são muito esforçados, têm um grande potencial, mas… sabe?… como é que eu vou dizer isso?… puxa, acho que preciso de ajuda… posso chamar o nosso amigo Talento?… ele vai conseguir explicar melhor…

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No baú de ferramentas (literárias)…

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1. Fecho os olhos. Tudo ao meu redor parece mais claro. Vejo o que se esconde na luz. Vejo o que se mostra nas sombras. Assombro. Assombração. Nada mais faz sentido. Nada mais a fazer. Nado. Nado contra o clichê da correnteza. Nado pra ganhar das ondas, e perder pra mim mesmo. A mesmice me assusta. Ou será que me assalta? Sobressalto-me. Salto pra longe. Pra próxima longitude. Atitude é agora. Quando chegar a hora, vou pular de cabeça.

2. Eu não tinha sede. Ela me trouxe um copo d’água. Agradeci, mais por instinto que educação. Pousou o copo ao lado do computador, atrás dos muitos livros abertos, das folhas de papel amassadas. Perguntou se eu tinha fome. Neguei, agora com um pouco mais de impaciência. Eram os prazos gritando por mim. Disse-me que deixaria a comida na geladeira. Dei de ombros. Ela acariciou meus cabelos, beijou-me a testa. “Deus te abençoe, filho”. Retribuí com um sorriso. Voltei ao escritório na semana seguinte, na tentativa de vencer o luto. O copo sobre a mesa estava vazio. Quanta sede eu sentia.

3. Tímido, ele não gostava de se mostrar. Vestia roupas discretas, e escondia seu rosto atrás de óculos que só serviam para disfarçar a miopia da alma. Dizia ser modesto, mas sabia que modéstia é apenas uma soberba que ainda não aprendeu a se olhar no espelho. Sonhava com o dia em que seria realmente livre. Às vezes, imaginava-se protagonista da vida, como se a vida tivesse roteiro e trilha sonora. Mas nunca se dispôs a escrever, tampouco a compor. Tomou para si os versos feitos por outro: “preste atenção, o mundo é um moinho, vai triturar teus sonhos, tão mesquinho, vai reduzir as ilusões a pó”. Jamais se arriscou a cantar.

4. A criança sorriu. A mãe não notou, entretida com os vídeos do Instagram. O pai só tinha olhos para o crepúsculo, e não se virou para apreciar a aurora. O gari que varria a praça também não viu, pois não via a hora de chegar em casa. Os pombos olhavam para o chão, em busca das migalhas jogadas pelo ancião. A idosa que o acompanhava tinha o olhar fixo no nada, e nada vira. Somente eu tinha visto o sorriso da criança. E, naquele momento, me senti a melhor pessoa do mundo.

5. – Sabia que você iria aparecer.
– Virou vidente agora?
– Nem precisava. Você sempre aparece.
– Posso ir embora, se quiser.
– Ui, ficou magoadinho, é?
– Só quando você dá bola demais pros outros.
– Nunca te prometi exclusividade.
– E quem é que tá te cobrando isso?
– Então deixa de ser ciumento.
– Ciumento? Confio no meu taco.
– Ih, lá vem. Conheço essa sua lábia.
– Conhece e gosta, né?
– …
– Sabe que esse seu sorriso me desmonta?
– Ah, para, vai…

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Um país elitizado…

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Um youtuber que ficou milionário aos 8 anos de idade. Uma influencer fitness que recebe rios de dinheiro dos fabricantes dos produtos divulgados em seu Instagram. Um coach de vida que desafia seus inúmeros seguidores a acordar de madrugada para se diferenciar de seus pares. Um adulto que passa os dias jogando dardos, cartas, e bolas de pingue-pongue em alvos móveis mirabolantes. Vídeos como esses se multiplicam nas telas dos celulares pelo país afora.

Josilene não chega em casa antes das 9 da noite. Vai à geladeira, pega um pedaço do pão da véspera, abre o pote de manteiga, e torce para que tenha sobrado um pouco de leite. Alimenta-se ali mesmo, em pé, como se lhe coubesse a opção de sentar-se à mesa. O pão não basta à fome, mas é o bastante para animá-la a abrir a porta do quarto. Luan – o filho mais velho – a recebe com a arrogância dos adolescentes, e mal tira os olhos do celular. Cauã, o mais novo, dorme encolhido no canto da cama que divide com a mãe. Exausta, ela adormece rapidamente, enquanto finge não notar o olhar de desaprovação iluminado pelo brilho da tela. Dali a poucas horas, Josilene irá se levantar, tomar um banho rápido, e caminhar muitas quadras no escuro até o primeiro dos muitos pontos de ônibus do dia.

O entrevistado do jornal da manhã é um conhecido homem de negócios. Suas empresas têm faturamentos expressivos desde que foram fundadas por seu avô. Como neto mais velho, foi o primeiro a estudar no exterior, onde acabou se formando. Quando jovem, chegou a sonhar em ser fisioterapeuta, mas a tradição empresarial da família se impôs. Para auxiliá-lo na tarefa de comandar o império herdado, ele não abre mão de assessores que conhecem a fundo o dia a dia das empresas. Dá mais entrevistas do que opiniões, e assim encontrou o equilíbrio para viver relativamente em paz consigo mesmo. Sua maior preocupação atual é com a filha, e sua irritante tendência de se relacionar com quem não tem nem berço nem futuro.

Rodney nasceu em uma família com poucos recursos. Como feirantes, seus pais trataram de garantir ao filho tempo suficiente para se dedicar aos estudos. O esforço da família rendeu frutos. Rodney desenvolveu um método de aprendizado que o fez ser aprovado na universidade mais disputada da época. Professor nato, fundou uma pequena escola que, poucos anos depois, tornou-se um dos maiores conglomerados de ensino do país. Hoje, Rodney participa de inúmeros projetos sociais em prol da educação em favelas e comunidades carentes de sua cidade natal.

Pobres de nós que nos deixamos inspirar pelo conceito contemporâneo de meritocracia. Pobres de nós que – muitas vezes sem perceber – julgamos fracos os milhões de anônimos que não conseguiram romper os grilhões que os impediam de dar o primeiro passo. Pobres de nós que nos permitimos acreditar que os raros exemplos de ascensão social podem ser divulgados como receitas de um sucesso acessível a todos. Pobres de nós que valorizamos apenas os que pertencem a uma elite que aparenta ignorar a limitação intelectual de seus membros cativos, que incentiva os Luans a terem vergonha de suas mães, que equipara os méritos dos atiradores de bolinhas aos dos Rodneys que melhoram o mundo à sua volta, que jamais permitiria que as Josilenes da vida fossem reverenciadas pela fé, pela força e pela coragem com as quais se armam para sobreviver.

Quão pobres somos nós?

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Reencontros…

20230218_231535Foram décadas de uma relação intensa, quase rotineira. Ao longo dos anos, aprendi a me encantar por seus murmúrios introvertidos, seus monólogos inflamados, seus brados incontidos. Em contrapartida, ela jamais revelou os segredos sussurrados na volúpia de suas carícias, tampouco deixou de abençoar as orações que sucediam o êxtase de cada encontro. O tempo tratou de consolidar aquela união. Devido a circunstâncias imponderáveis, entretanto, vi-me obrigado a lhe dizer adeus. Nossa despedida foi silente, embora muito houvesse a ser dito. Não fossem as lágrimas a me denunciar, talvez ela jamais tivesse notado que nossa rotina chegara ao fim. Ela aquiesceu, pesarosa, e – uma vez mais – me abençoou.

Os mais de 5 anos de abstinência não bastaram para que nos tornássemos amantes de primeira viagem. Atentas a quaisquer variações de textura, minhas mãos partem em busca do conhecido vão que serve de impulso para o próximo movimento. Elas sabem bem onde encontrá-lo. Agarram-se a ele com o ardor que o momento exige, com a força necessária para suportar o vigoroso fluxo que me empurra de volta para a placidez da contemplação. Não, hoje não. Hoje preciso voltar a sentir toda aquela energia sobre meu corpo. Controlo a respiração ofegante antes do próximo rompante. Preparo-me para o salto no escuro que precede o clímax. Os olhos, cegos pelo turbilhão à minha frente, deixam as ações a cargo das pernas. Impulsão feita, deslizo para vencer a correnteza. Cabe agora às mãos encontrar o porto seguro escondido sob o vórtice que acaricia meu semblante. Sim, ainda somos capazes de nos reconhecer, de nos desvendar. Nenhuma artimanha foi criada durante a minha ausência. Os meandros da sedução são os mesmos, e a comunhão de corpo e água, finalmente, acontece.

Levanto-me para a oração final de cada encontro, e me deparo com a trilha vazia. Ela nota as sombras no meu olhar, e – como de praxe – me abençoa. Agradecido e emocionado, ergo novamente meus olhos em direção à trilha, e sorrio, entre lágrimas. A vida é mesmo a maior das bênçãos.

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Meditação…

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Inspira… segura o ar… expira… você é uma pessoa tranquila, equilibrada, em paz com tudo e com todos… isso, concentra… não liga pro latido do cachorro… deve ser a vizinha chegando… essa gosta de bater perna por aí… oferecida, que só ela… cuidado pra não se distrair… inspira… relaxa… imagina uma luz muito forte bem ao seu lado… calma, ninguém do além tá vindo te buscar… melhor deixar a luz pra lá… expira… lembra de alguma sensação boa… tipo quando o falso do seu cunhado levou um chifre… Jesus, esse raio de cachorro não vai parar de latir? Também, a infeliz deixa o coitado preso o dia inteirinho… olha só, presta atenção… se acalma… senão essa meditação não vai fazer efeito e você vai ficar com mais ódio ainda da Malu… ela vive falando que você é desorientada demais pra conseguir se concentrar… vadia… tá vendo? Seu coração disparou só de lembrar daquela entojada… respira fundo… pensa numa paisagem bonita, numa praia deserta… sem a parte do calor escaldante e da areia entrando no seu maiô… ah, e sem água-viva, você morre de medo de água-viva… quer saber? Esquece a praia… pensa num bosque… perto de um riacho tranquilo… cheio de passarinho cantando… cachorro latindo… já vi que a excomungada da vizinha não vai fazer esse miserável calar a boca… e lá vai você se distraindo de novo… enche o pulmão de ar… vai dar razão pra Malu?… depois vai ter que aguentar ela se gabando de sempre conseguir entrar em “estado alfa”…ou será que era gama? Tanto faz, aquela ali é mentirosa que só vendo… e nada de você relaxar… pior que daqui a pouco o porteiro vai interfonar pra avisar que o carteiro chegou… você já cansou de dizer pra ele que não precisa, que pega tudo depois, mas o sujeito é mais burro que uma porta… respira… aí você reclama e o povo te chama de grossa… como se essa gentinha que mora no seu prédio soubesse diferenciar grosseria de autenticidade… conta até dez… onde é que você estava mesmo? Ah, no riacho… desde quando um riacho te acalma?… melhor pensar em nada mesmo… nada é nada, ué… respira fundo… não importa o que dizem por aí, você é paciente, tolerante, quase uma monja budista… não, budista não que você é temente a Deus… você é zen, é isso… e autêntica… se as pessoas não sabem reconhecer, o problema é delas… a invejosa da sua irmã que o diga… inspira… e você, boba, ainda liga todo ano no aniversário dela… seu problema é ser boa demais… tem gente que aproveita e monta em cima mesmo… segura o ar… mas você está muito acima dela… muito acima de todos… nossa, como meditar faz bem… é epifania que fala, né?… epifania de gente evoluída… duvido que a Malu tenha tido uma revelação dessas… estado alfa, sei… ai dela se me chamar de neurótica mais uma vez…expira…

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Crivo…

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Não sou saudosista. Saudosista é uma espécie de coach do tempo com tempo de sobra. Quem em sã consciência sente falta de ficha de telefone, blazer com ombreiras, ou do risco de vida que se corria por uma bala Soft? Com exceção do jogo do bicho e da linguagem neutra, o mundo evoluiu. Não troco a Netflix por uma Sessão da Tarde dublada, muito menos meus reais por um Plano Cruzado II. A impressora colorida não me permite suspirar por nenhuma máquina de datilografia, e o ar-condicionado do meu carro é bem mais eficiente do que a janela aberta do Corcel que me levava para a escola toda manhã. Só tenho saudades de quem o dirigia.

Saudade é contemplar as folhas caídas de um bosque no outono.

As ruas que percorríamos em nosso trajeto diário não são mais as mesmas. Calçamentos transmutaram-se em asfalto, mãos duplas têm agora sentidos obrigatórios, casas e lotes vagos deram lugar a lojas e edifícios. O colégio ainda está lá, até mais bonito graças a uma reforma feita há pouco. As árvores em frente às janelas das salas de aula também continuam de pé. Lembro-me de olhar para o verde daquelas copas, e torcer para que um dia eu fosse menos insignificante do que os insetos que habitavam seus galhos.

Insignificância é um eco que não precisa responder.

O estridente sinal que anunciava a hora de ir para casa soava como o acorde de uma sinfonia. Lembro-me da sensação de alívio aliada ao medo de ser importunado entre as portas da sala e do Corcel. Não sei se andava cabisbaixo por questões de segurança, ou por nunca ter aprendido a levantar meus olhos. Quantas vezes escolhi o percurso mais longo apenas para evitar proximidade com quem pudesse me machucar. Possibilidade que – na minha cabeça – estava aberta a todos, a começar dos muitos que sequer me notavam. Mesmo cercado de gente, acostumei-me a caminhar sozinho.

Solidão é soprar as velas sob as palmas do silêncio.

Aos poucos, aprendi a fazer as pazes com quem mais me detestava. Durante vários anos – mesmo após a trégua –, encará-lo no espelho a cada manhã foi sempre a tarefa mais árdua do dia. Daquele semblante eu jamais consegui me esconder. Ali, frente a frente, não havia disfarce capaz de simular qualquer centelha de altivez. Não saberia dizer qual de nós dois sorriu primeiro. Sei, entretanto, que fui eu o primeiro a querer abraçá-lo.

Abraço é um aperto de mão que perdeu a vergonha.

Não sou saudosista. Saudosista é um para-brisa embaçado que se guia pelo retrovisor. Quero viver o presente, ansiar pelo futuro, agradecer ao passado. Procuro não guardar mágoas. Mágoas são como véus finos que, somados, turvam definitivamente a visão. Tampouco me empolgo a cada obstáculo superado. Empolgação não passa de uma alegria sem memórias. Acredito que, de tanto me esforçar, acabei por gostar até das minhas frequentes dúvidas. Também, pudera, dúvida é só um sonho que tem medo de acordar.

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Círculo vicioso…

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Quase tão nocivos quanto os populistas que se revezam na cadeira da presidência, são os puxa-sacos que os orbitam. Não satisfeitos em se omitir diante de qualquer posicionamento do chefe (por mais imbecil que seja), não se envergonham em apresentar argumentos irreais, descabidos e patéticos que corroborem a bobagem original proferida. É o que estamos assistindo agora na fritura a que o presidente do Banco Central está sendo submetido, e nos ataques a uma instituição independente que está, simplesmente, cumprindo seu papel constitucional, como outrora o fizeram a Anvisa, a Petrobrás, e outros “inimigos” eleitos pelos próprios populistas na tentativa de disfarçar suas limitações, incapacidades e incompetências.

Saem Bia Kicis, Carla Zambelli, Nikolas Ferreira, entram Gleisi Hoffmann, Guilherme Boulos, Randolfe Rodrigues. Saem Rodrigo Constantino e Alexandre Garcia, entram Kennedy Alencar e Leonardo Sakamoto. Quem antes criticava a transferência de responsabilidade de seu inimigo, agora aplaude e endossa a de seu aliado (e vice-versa). Todos hipócritas da pior espécie: aquela que se camufla de defensora da democracia e de suas instituições. Como é de praxe, a mesma hipocrisia é compartilhada pelas duas seitas de adoradores de bandidos, que – por sua vez – alternam-se nos papéis de críticos ferrenhos das ações governamentais (quando oposição) e passadores de pano (quando situação).

E, assim, seguimos, presos a esse carcomido círculo vicioso, e torcendo para que – quem sabe um longínquo dia – a maioria do nosso povo canse de se guiar por idiotas.

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Conversa de crônica…

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– “O sol, debruçado sobre as brumas da fria manhã, era incapaz de aquecer o pequeno sobrado. Persistente, a claridade penetrava pelas frestas da janela. Acordei.” Você acha que está muito lírico?

– Depende.

– Depende do quê?

– Do que quer contar, de como quer contar…

– Você deveria saber.

– Eu? Não, meu caro. Essa parte é sua, não tenho nada a ver com isso.

– Fico com receio de parecer alguém que não sou.

– Será que seu maior medo não é se revelar demais?

– …

– Às vezes o silêncio também pode ser eloquente.

– Estava tentando elaborar a resposta certa.

– Ela existe?

– Você acha que não?

– O que eu acho pouco importa.

– Pensei que estivesse aqui pra me ajudar.

– De forma alguma. Vim pra desafiá-lo.

– Ando meio cansado de desafios.

– Prefere o vazio?

– …

– Ainda em busca da resposta certa?

– Você me intimida, sabia?

– Que bom. Agora estamos progredindo.

– Você age assim com todo mundo?

– Assim como?

– Saindo pela tangente.

– Só porque não lhe digo as palavras que você gostaria de ouvir?

– Talvez eu não saiba o que esperar.

– E não é melhor assim?

– Se não fosse por este medo de errar…

– O medo estimula. O problema é que você me vê como inspiração.

– E não é?

– Não. Sou consequência.

– …

– …

– Acho que não vou mais usar a palavra “fria” pra adjetivar “manhã”. Está implícito.

– São decisões que lhe cabem.

– Tanto faz pra você?

– Pelo contrário. A excelência mora nos detalhes. Mas prefiro focar no que vem depois do “acordei”.

– Você devia ser terapeuta.

– Quem disse que não sou?

– Mais algum conselho?

– Não lhe dei conselho algum, nem poderia.

– Parece que terei de aprender sozinho.

– Os mestres serão importantes. As experiências, imprescindíveis.

– Você está me dizendo que não existe receita de bolo?

– Onde já se viu receita sem limite de ingredientes?

– Queria saber, pelo menos, como vou terminar.

– Essa é uma questão bastante filosófica.

– Não me refiro à vida. Falo de você.

– Na maioria das vezes – assim como a vida –, sou eu que vou acabar te guiando.

– Será?

– Chegamos ao final e você nem percebeu.

– Chegamos?

– Sim. Estou pronta. Feliz com o resultado?

– …nunca.

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