As mães da minha vida…

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Vivemos mais um dia histórico. O Dia das Mães de 2020 será lembrado pelo uso das máscaras. Hoje, não há como se interpretar os sorrisos, como se identificar o franzir dos lábios e até os discretos beicinhos de impaciência estarão encobertos. Há que se confiar apenas nos olhares.

Não que o uso de máscaras seja realmente uma novidade. A diferença agora está apenas em sua essência. As atuais são feitas de tecido. As de ontem primordialmente de hipocrisia e autocensura. Na verdade, as antigas máscaras eram muito mais desconfortáveis. Elas exigiam atenção constante para que não fossem reveladas, o que quase inevitavelmente acontecia à medida em que as taças se esvaziavam. A leitura dos olhos é bem mais difícil de ser feita e, por isso, inúmeras famílias certamente se sentirão mais à vontade quando se reunirem hoje às suas mesas.

Não é o caso da minha…

As mães da minha vida nunca usaram máscaras. Seus sorrisos sempre foram autênticos e espontâneos, suas insatisfações e desconfortos jamais deixaram de se manifestar, suas emoções sempre transbordaram sem restrições. Nem a máscara de hoje seria capaz de escondê-las.

Autênticas, honestas e sinceras como sempre foram, as mães da minha vida se completaram e se adoraram enquanto puderam conviver. Uma via na outra muito do que queria se tornar. Uma via na outra muito do que gostaria de ter sido. Suas diferenças foram sempre respeitadas, seus limites sempre obedecidos e nenhuma delas precisou lançar mão de máscaras para disfarçar dúvidas ou contrariedades. Assim, os abraços se mantiveram intensos e inteiros até o fim, assim como os olhares de carinho e admiração.

Hoje, tenho a exata noção do quanto meus filhos estão entre as pessoas mais privilegiadas deste mundo. Afinal, eles aprenderam com a avó que as máscaras de então, ao contrário das de hoje, não lhes trazem benefício algum. Eles aprendem diariamente com a mãe que nenhuma máscara é capaz de impedi-la de ler seus corações.

Quanto a mim, agradeço todos os dias à Vida pelo sorriso pleno que me acompanha a cada instante. O sorriso que prepara nossos filhos para as armadilhas que as máscaras do mundo teimam em esconder. Ao mesmo tempo, serei eternamente grato por aqueles lábios pródigos em transformar beijos em bálsamos, desde quando me aninhava e dormia em seus braços, até o dia em que fui eu que a beijei pela última vez.

Mães da minha Vida, sigo amando vocês mais a cada dia!

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Os cisnes rosados de Veneza…

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Eles vêm para tingir de carmim a superfície do canal,
Deixar enciumadas as cores do entardecer,
Interligar os canteiros de flores aos dos cursos d’água,
Motivar o sol a superar as proezas do amanhecer.
Ah, como são belos os cisnes rosados de Veneza…

As buzinas se misturam aos gritos e aos coros,
Agitam-se as bandeiras, na busca aflita por ar,
Como os rostos que abandonam suas máscaras,
Como as vozes que pedem que lhes venham calar.
Viva a ordem dos cisnes rosados de Veneza…

O ente onipresente é invocado a cada dia,
Seu nome repetido com fervor e devoção.
Não há hipocrisia que os faça abdicar
Da aliança entre o ente e os usurpadores da nação.
A lograda paz dos cisnes rosados de Veneza…

Eis que surge no horizonte o profeta anunciado,
Guia para o cego, voz para o quase lorpa.
Um toque infectante e a mancheia aclama
O mito que cospe tudo que o grei encorpa.
O cordato bando de cisnes rosados de Veneza…

Evidências descartadas, teorias são o novo grão,
Semeadas as discórdias, nutridas as desavenças.
De féretros pedregosos a amostras contaminadas,
Espalham-se delírios que atestem as suas crenças.
Palpáveis como os cisnes rosados de Veneza…

Pouco importa se a cor-de-rosa não lhes é viável.
Quem espera que nas águas fossem vistos seus reflexos?
Há apenas virtuosismo na uniformidade das posturas,
Pois nada há de macular tão arraigados complexos.
Confiem e creiam nos cisnes rosados de Veneza…

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Perfis enigmáticos…

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Quem gosta de jogar Perfil? Sabe aquele jogo em que cada participante tem 20 chances para identificar a que pessoa, objeto, lugar ou ano se referem as dicas? Nem sempre é fácil descobrir a resposta certa, mas tenho a impressão de que vai ficar ainda mais difícil daqui a alguns anos, quando o jogo tiver que ser atualizado. Então, vamos jogar?

Sou uma pessoa.

1) Fui eleito presidente do Brasil no segundo turno;

2) Tive uma militância numerosa e roboticamente ativa nas redes sociais;

3) Fiquei famoso pelos meus discursos populistas repletos de frases polêmicas;

4) Um renomado jurista de Curitiba fez de tudo para acabar com a minha carreira política;

5) Meus filhos foram investigados por corrupção;

6) Muita gente me abandonou ao longo do caminho. Chamei a todos de ingratos e traíras;

7) Apesar de passar décadas nos corredores do poder em Brasília, fui eleito com a promessa de fim da velha política;

8) Em algum momento do meu governo, Roberto Jefferson foi um aliado muito próximo;

9) Apesar das críticas públicas e contundentes que fiz, acabei comprando o Centrão;

10) Enalteci ditaduras e ditadores mas só uma parcela da sociedade me criticou por isso;

11) Fui chamado de honesto e autêntico quando manifestei minha completa ignorância sobre diversos assuntos;

12) Apoiei muitos impeachments na minha vida política, mas sempre chamei de golpe quando o alvo era o meu próprio governo;

13) Perca a sua vez;

14) Enfrentei uma pandemia e não dei a menor importância a ela;

15) Sempre afirmei que a Globo e a maioria da imprensa me odiava;

16) Meus adoradores fiéis aplaudiam tudo (tudo mesmo) que eu fazia;

17) Muita gente dizia que eu era um enviado de Deus. Sim, essa gente realmente acreditava nisso;

18) Meus defensores adoravam agredir meus detratores na rua, mas sempre juravam que tinham sido provocados primeiro;

19) Fiz absolutamente tudo o que estava ao meu alcance para aumentar a polarização da sociedade brasileira;

20) Volte 10 anos… ops, espaços.

E aí? Tá fácil?

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Tiros pela culatra…

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– Pelo amor de Deus, não vá repetir a merda que fez o seu antecessor, heim?

– Imagina, chefe. Sou estudante de publicidade. Jamais cometeria um erro tão básico.

– O outro também dizia que era professor de português. Agora deve estar pedindo emprego pra turma da Joice. Imagina quando ele tiver que escrever Hasselmann!

– Deve ter sido apenas uma pequena falta de atenção. Afinal, são milhares de disparos diferentes todos os dias.

– Essa “pequena” falta de atenção fez com que a gente chegasse ao topo dos Trending Topics com um nome errado.

– Eu vi. Todo mundo está comentando. Mas daqui a pouco ninguém se lembra mais disso.

– Como não se lembra? Todos os nossos perfis falsos poderão ser identificados e rastreados. Nem se todos eles tivessem nomes de robôs famosos do cinema, a coisa teria ficado tão evidente.

– Entendo. Mas pode ficar tranquilo. Acabei de conferir aqui: B O L S O N A R O. Sem nenhum L a mais.

– Beleza, pode disparar. Não esquece das maiúsculas em cada palavra. Vamos bater os cem mil agora.

– Deixa comigo…

#FexadoComBolsonaro

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Cores em conflito…

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Enquanto isso, numa velha caixa de “War” guardada no alto do armário…

– Presidente Verde-oliva, estamos prestes a enfrentar uma emergência catastrófica.

– Qual é o problema, ministro Verde-escuro?

– Senhor, a camada que envolve o nosso mundo está se deteriorando rapidamente.

– Não diga bobagens, ministro. Estou olhando aqui pra cima e continuamos bem protegidos como sempre.

– Senhor, o problema vem de fora. As nossas camadas de papel-ozônio estão sendo destruídas.

– Quem lhe disse isso?

– O ministro do Exterior, o Branco.

– Verde-claro, você quer dizer. Não se esqueça de que todos no meu governo são verdes. Você mesmo achava que era o Preto.

– Eu sou o Preto, presidente.

– Desde que entrou aqui é o Verde-escuro. Se não fosse verde não entrava. Fui eleito democraticamente pra defender essa plataforma. Respeite a decisão do nosso povo, talquei?

– Como queira, senhor. Mas o caso é urgente. Estamos sob ataque de uma praga que corrói a nossa tampa de proteção.

– Eu não estou vendo nenhum buraco na tampa.

– A praga está corroendo as camadas externas primeiro. Só depois chegará aqui. Então será tarde demais.

– Que praga é essa?

– Ainda não sabemos ao certo. Mas aqui no ministério estamos chamando de Traça-19. Precisamos decretar estado de calamidade, senhor.

– Eu não vou alarmar o nosso povo à toa, ministro Verde-escuro. Isso não vai passar de um arranhãozinho ou machucadinho. A nossa tampa é velha mas vai aguentar.

– Presidente, o caso é muito sério. E está se espalhando com rapidez.

– Ministro, já enfrentamos problemas do tipo antes. Todo mundo sabe que traças são facilmente combatidas com hidroxinaftalina.

– Mas, senhor, essas traças já sofreram mutações. São bem mais resistentes. Ainda não há comprovação de que a hidroxinaftalina funcione. Precisamos alertar a população.

– Olha só, os vermelhos que governaram este tabuleiro por tanto tempo nunca se preocuparam em proteger as nossas camadas de papel-ozônio. E ninguém reclamou de nada. Por que a culpa é sempre minha?

– Presidente, um erro não justifica o outro. Nós não podemos pecar pela omissão.

– Você está me chamando de omisso, ministro Verde-escuro? Me respeite. Minha caneta pode agir a qualquer momento, talquei? E o povo está comigo.

– Senhor, existem pesquisas recentes indicando que até os amarelos o abandonaram depois que o senhor brigou com o ministro Azul. Só os verdes apoiam o senhor incondicionalmente. Mas estes sempre foram meio daltônicos mesmo.

– Nem me fale do ministro Verde-mar-do-caribe. Tô com ele por aqui. Aquele de verde não tinha nada. Sempre foi vermelho.

– Vermelho, presidente? Ele foi o grande responsável pela derrocada dos vermelhos.

– Tudo enganação, ministro. Traidor de uma figa. Chega de falar dele. Chega também de falar de uma diversidade que não existe. Pra mim, ou o cara é verde ou é vermelho. Essa é que é a verdade.

– Mas, senhor…

– Não quero ouvir mais nenhuma palavra. Pode ir. Aproveite e peça pra chamar o Verde 01, Verde 02 e o Verde 03. Nessas horas eu preciso consultar meu núcleo mais técnico e preparado…

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Instruções de urgência…

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Na produtora de fak… de verdades alternativas:

– E aí, pessoal? Tem que ser rápido!

– Calma, a gente tá se desdobrando aqui. Já estamos editando.

– Editando? Vocês estão de palhaçada comigo! Tinha que estar tudo pronto.

– Mas a gente nunca pensou que teria que procurar alguma coisa pra falar mal dele. Tem mais de três mil postagens só chamando o cara de herói nacional.

– Vocês parecem amadores. Temos que estar preparados pra tudo. O chefe deu a senha ontem à noite. Ninguem prestou atenção?

– Nós nunca tivemos que detratar uma pessoa tão poderosa.

– Fizemos isso na semana passada e deu certo pra caramba. Ninguém se lembra mais daquele comunista.

– Não é por nada não, mas esse agora é bem mais forte. Aliás, acho que não tem ninguém mais forte do que ele no Brasil hoje.

– Como é que é?

– Desculpa, tirando o chefe, é claro!

– Pois nossa missão é colocar um fim nessa fortaleza toda. O que temos até agora?

– Ah, pouca coisa. Análises comportamentais do discurso, avaliações da fala com indícios de mentiras, coisas assim…

– Tem áudios de especialistas na área?

– Especialistas? Hahaha. Foi o porteiro aqui do prédio que se dispôs a gravar. Mas não se preocupe. Ele fala bem e passa uma segurança danada.

– Bom, nossa turma não confere nada mesmo. O que mais?

– Até agora é só.

– Não é possível. O cara é odiado por toda a esquerda. Procura alguma coisa com eles.

– Se a gente concordar com a esquerda vai pegar mal, não acha?

– Mas ele vazou conversas privadas. Mandou provas das conversas pra Globo. Mete o pau nisso.

– Sim, mas vazar conversa privada e mandar provas da conversa pra Globo foi o que fez dele um herói. Será que vai colar?

– Claro que vai colar. Nosso rebanho tá atordoado sem saber o que dizer. Qualquer coisa serve.

– Eu achei que precisava de um mínimo de coerência.

– Coerência pra quê? Manda qualquer merda. Mas tem que ser rápido. Enquanto a gente não começar a disparar eles não vão saber o que dizer.

– Mas eles continuam do nosso lado, né?

– Claro. Mas a gente tem que dar argumentos pra eles. Senão ficam perdidos e, pior, em silêncio.

– Puxa, essa turma bem que podia começar a pensar um pouquinho por conta própr… bom, deixa pra lá, bobagem minha.

– Já verificaram todas as gravações dos dois juntos?

– Sim.

– Não acharam nenhum olhar traiçoeiro, nenhuma careta comprometedora, nada?

– Achei o tal do vídeo do encontro no aeroporto. Posso colocar?

– Claro. Que bom que alguém filmou.

– Na verdade foi a gente mesmo, lembra? Na época, a ideia era fazer uma média com a popularidade dele.

– Verdade, então edita dando ênfase à falta de empatia. Dá um zoom na expressão de desapontamento e coloca uma musiquinha triste de fundo.

– Deixa comigo.

– Nossos blogueiros já estão a postos?

– Sim, já estão todos orientados a chamar o homem de ingrato e traidor.

– Ótimo. Mas agiliza, temos que começar os disparos agora mesmo.

– Ok. Quer que eu trabalhe em algum caso novo em seguida?

– Sim. Pode começar a espalhar que o combustível do posto Ipiranga está com a octanagem meio baixa…

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Desejos reprimidos…

Eu sei, ninguém aguenta mais essa quarentena. Mas você já pensou no que vai fazer assim que serviços e lojas reabrirem? Com o que vai gastar primeiro? Aqui vão algumas sugestões:

1) Um corte de cabelo – você até tentou cortar seu próprio cabelo mas só então se deu conta de que ainda existe uma coisa chamada franja. E que, a não ser que você tenha 8 anos de idade, ela só serve pra atrapalhar;

2) Um jantar em um bom restaurante – nem é a comida o que mais lhe faz falta. Você só quer não ter que lavar os pratos depois;

3) Uma plástica facial – depois de se ver em dezenas de lives semanais você identificou, até agora, vinte e oito pontos que precisam de reparos. E jura que nunca mais vai fazer uma ligação de vídeo na vida;

4) Um pijama novo – vamos combinar, né? Todo mundo já conhece todos os seus pijamas agora;

5) Um projeto de decoração – depois de ver tantas salas bem decoradas nas lives com seus amigos, você finalmente percebeu que a sua é um lixo;

6) Um show de rock ao vivo – depois de esgotadas as playlists do Spotify e revistos todos os festivais do YouTube, tudo o que você quer é não saber qual será a próxima música;

7) Um novo colchão – não importa o quão recente era o seu, depois desta quarentena sua validade já era;

8) Um fim de semana acampando – tudo que você não quer é um teto em cima da sua cabeça por alguns dias. E nem as formigas, pernilongos e abelhas o farão mudar de ideia;

9) Uma sessão de cinema – tela grande, 3D, som surround, um balde de pipoca, uma poltrona reclinável e, principalmente, um filme que você ainda não tenha visto;

10) Um servidor de internet com o triplo da velocidade – você nunca havia se dado conta do quanto é irritante a live travar justamente na sua música favorita;

11) Uma TV 4K – você nunca tinha pensado em comprar uma, mas só nela as ondas do canal Off parecem mesmo de verdade;

12) Um Happy Hour em um bar sem hora pra acabar – sei o que você está pensando: esse tinha que ser o primeiro da lista. Mas, vai por mim, se começar por ele pode esquecer todos os outros.

A escolha é sua…

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Ao artista, com carinho…

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Dizem que o planeta Terra jamais será o mesmo depois que esta pandemia estiver superada. Os mais otimistas falam de um mundo mais humano e solidário. Os pessimistas apostam em sociedades ainda mais segregacionistas. Outros esperam apenas que a nossa comprovada impotência diante de variáveis que pensávamos controlar nos torne menos arrogantes. Sinceramente, não sei o que esperar.

Não tenho dúvidas, entretanto, de que a arte jamais será vista da mesma forma. Não somente pela importância adquirida nestas semanas de isolamento – nas quais assumiu seu papel de língua universal – mas principalmente pela oportunidade de que cada um possa se colocar no lugar do artista.

Desde que Fernando Brant revelou que todo artista tem de ir aonde o povo está, jamais a arte esteve tão presente na rotina das pessoas. Nunca houve tão fácil acesso a livros, poesias e crônicas. Acervos de quase todos os museus do mundo estão liberados para visitação virtual. Peças de teatro inéditas podem agora ser assistidas de casa. E as apresentações de cantores, concertos, óperas e musicais encontram-se disponíveis a todos. Pela primeira vez, a humanidade entende a arte como intérprete de suas próprias angústias, alegrias e incertezas. Pela primeira vez, a humanidade enxerga a arte como um fiel reflexo de si mesma.

Estávamos todos unidos quando Andrea Bocelli interpretou “Amazing Grace” em frente à Duomo de Milão. Juntos, nos rendemos às palavras de um lindo poema que fala sobre redenção. Juntos, assistimos também às imagens de uma cidade deserta cuja quietude não se alterou ao final daquela performance memorável. O mundo inteiro aplaudia, mas ninguém era capaz de ver. E, assim, Andrea Bocelli nos pareceu bem mais próximo.

A humanidade também se uniu aos músicos da Orquestra Filarmônica de Roterdã na apresentação via web da Nona Sinfonia de Beethoven. Depois de uma revigorante Ode à Alegria, todos ouvimos o profundo silêncio que sucedeu ao último acorde de uma das maiores obras-primas da história da música. O mundo inteiro aplaudia, mas ninguém era capaz de ouvir. E, assim, Beethoven nos pareceu bem mais próximo.

O mesmo silêncio seguiu as performances dos músicos da Orquestra Sinfônica de Minas Gerais, dos artistas internacionais que têm se apresentado para o mundo de suas casas, dos corais líricos e populares cujos naipes foram unidos pela tecnologia, dos solitários cantores que deram voz aos nossos mais diversos sentimentos. O silêncio não importava pois nós os aplaudíamos. E, assim, o artista nos pareceu bem mais próximo.

Ao longo destas últimas semanas, estivemos bem mais próximos de artistas famosos e desconhecidos, profissionais e amadores, capazes de levar sua arte aos quatro cantos do mundo ou somente aos seus vizinhos de porta, sempre de forma generosa e abnegada. Quando o mundo mais necessita de união e solidariedade, é na arte que encontra seu mais seguro refúgio. Porque a essência do artista é se doar, sem compensações, sem dívidas, sem contrapartidas. Porque os verdadeiros artistas seguem, pelo amor à arte, em busca do caminho que vai dar no sol, sem se darem conta de que, a cada dia, mais pessoas os reverenciam e os aplaudem de pé!

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Guia prático contra fake news…

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– Bom dia, falo com a Central de Fake News?

– Bom dia. Não, nós somos da Central de Auxílio às Pessoas na Autoavaliação de Reportagens. Nosso objetivo é reduzir a disseminação das fake news.

– Então por que a sigla CFN?

– Senhora, a sigla exata do nosso nome não seria apropriada.

– Entendo. Eu gostaria de saber se uma notícia que recebi é verdadeira.

– Não é exatamente esse tipo de serviço que priorizamos aqui, senhora. Nosso trabalho é desenvolver o pensamento crítico de cada cliente para que ele mesmo possa ter condições de analisar com maior critério todas as informações dali por diante.

– Mas não dá pra falar só se é falsa ou não?

– Dá, mas vai sair muito mais caro.

– Vocês cobram mais caro por uma resposta de dois segundos do que por uma análise completa que leva muito mais tempo?

– Sim e não. É que, para essas respostas tipo fato ou fake, fechamos um pacote mínimo de 100 notícias por mês.

– Nossa, mas é muita coisa.

– Não é não. A maioria dos nossos clientes usa o pacote inteiro em menos de uma semana.

– Bom, acho que vou pelo método mais longo mesmo.

– Ótima decisão, senhora.

– Como funciona?

– Bom, vamos analisar juntos uma notícia, informação ou reportagem à sua escolha e vou lhe passar todas as dicas para identificação de notícias falsas. Podemos começar?

– Sim. Li ontem uma manchete que saiu no jorn…

– Desculpe interrompê-la, mas a senhora tocou em dois pontos que são básicos para o nosso pequeno curso.

– Quais são?

– Não fique restrita às manchetes. Leia toda a notícia.

– Por quê?

– Porque manchetes são escritas para chamar a atenção da forma mais sensacionalista possível. A reportagem contextualiza e, com muita frequência, até contradiz o que a própria manchete afirmava.

– Ah, boa dica. Qual é o segundo ponto?

– Não dê tanta importância ao jornal que divulgou a notícia. Analise o que está lendo, não onde leu. As pessoas tendem a acreditar em tudo o que vem de um veículo em quem confiam. O oposto ocorre quando já existe uma desconfiança prévia. Em suma, analise o fato, não o autor.

– Muito bom. Posso continuar?

– Por favor.

– A reportagem afirma que uma pesquisa com Cloroquina em Manaus foi sabotada por um médico petista que aplicou propositalmente altas dosagens do medicamento matando 11 pessoas. Então, isso é verdade?

– Senhora, já se esqueceu de como funciona o nosso método?

– Ah, sim. Perdão. Como analisamos essa reportagem?

– Bom, vamos fazer a nós mesmos algumas perguntas, e buscar juntos as respostas. Primeiro, essa pesquisa é verdadeira?

– É sim, olhei no site da própria Fiocruz, incentivadora da pesquisa. Foi feita com 81 pacientes internados. Metade recebeu doses maiores e a outra metade doses menores de Cloroquina.

– Excelente! Procedimento perfeito. É fundamental que as informações sejam verificadas também em outras fontes. Notícias de fonte única tendem a ser falsas. Parabéns. Mais alguma informação sobre a pesquisa?

– Sim, dos 11 pacientes que faleceram, 7 estavam no grupo que recebeu uma dose maior.

– Certo, e quantos médicos participaram da pesquisa?

– Não sei dizer mas era uma equipe bem numerosa. Foi realizada em um grande hospital de Manaus. O médico que está sendo acusado na reportagem é o coordenador e tem muitos anos de experiência.

– Vamos agora à questão da orientação política do médico. Ela é relevante no contexto?

– Bom, a reportagem insinua que o médico matou as pessoas propositalmente para desacreditar a eficácia do remédio e prejudicar a imagem do presidente.

– Mais uma dica antes de continuarmos: insinuações normalmente não são bons sinais. Fique atenta a esse tipo de conduta, ok?

– Anotado.

– A senhora sabe me dizer se o médico é filiado ao PT?

– Não, a reportagem usa como prova uma foto de perfil da sua rede social com a logo do Haddad.

– Na época da eleição?

– Sim.

– Bom, vamos juntar todas as evidências agora. Temos uma pesquisa financiada pela sociedade médica e por hospitais credenciados, atendendo a critérios técnicos preestabelecidos. Uma equipe médica composta de muitos profissionais da saúde. Um coordenador com currículo e experiência na área e que seguiu à risca todos os procedimentos. Um número de 70 pacientes curados, ou seja, mais de 86% deles. As 11 mortes ocorreram tanto entre os pacientes que tomaram dose maior quanto os que receberam dose menor do medicamento. E uma foto do coordenador da pesquisa divulgando seu voto no Haddad em 2018. Acho que não precisamos pedir a opinião de nenhum Sherlock Holmes aqui, não é?

– Tem razão. Muito obrigada. Você tem muita didática.

– Obrigado. É só uma questão de raciocínio lógico, senhora.

– Posso tirar dúvidas sobre mais uma notícia?

– Normalmente nosso trabalho se limita a uma análise. Mas vou abrir uma exceção para a senhora. Qual é?

– Um astrólogo da Virgínia disse em um vídeo que a pandemia de Coronavirus é uma farsa. O que você acha?

– Uma farsa?! Tem coisas que… ah, quer saber? Talvez seja melhor a senhora comprar o nosso pacote mesmo. Faço pela metade do preço…

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Mesa de bar…

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Era fim de uma tarde de abril de 2020 e três amigos batiam um bom papo em uma mesa de bar. Bom, três mesas na verdade, duas nas cozinhas e outra na varanda de seus respectivos apartamentos. Cada um degustava sua própria cerveja: uma Stella, uma Heineken e uma Wäls.

Se estivessem juntos, como acontecia toda terça-feira, estariam dividindo algumas garrafas de Original estupidamente geladas. O Aderbal, dono de um boteco copo-sujo localizado em uma esquina próxima ao trabalho dos três, já sabia que a primeira garrafa deveria estar na mesa antes do cardápio, mesmo que apenas um deles estivesse presente. Com a chegada dos demais, fariam a costumeira disputa sobre qual chefe, colega ou cliente tinha sido mais irritante e passariam aos assuntos aleatórios do dia. Futebol, filmes, família, política, nada era proibido e todos os temas mesclavam toques de bom humor com piadas sucessivamente engraçadas à medida em que os cascos vazios se acumulavam. Muitas vezes era difícil parar de rir. Os tira-gostos quase sempre se repetiam: carne de sol com mandioca frita, joelho de porco, linguiça caseira e as clássicas almôndegas assadas com parmesão que o Aderbal dizia ser variação de uma receita secreta da sua falecida sogra, italiana que havia fugido para o Brasil no início da Segunda Guerra.

O som e a imagem das ligações via whatsapp eram bem nítidos mas o papo não conseguia fluir com a mesma espontaneidade. Nenhum dos três conseguia determinar se o que faltava era o despojamento das mesas de metal e dos copos lagoinha, a iluminação meio lusco-fusco resultante de uma gambiarra elétrica de fios, boquilhas e algumas lâmpadas incandescentes dependuradas aleatoriamente, ou o som ambiente que misturava as conversas das mesas ao redor com o repertório eclético do Aderbal, capaz de ouvir com a mesma desenvoltura desde o sertanejo raiz até o rock progressivo. Quando o gosto dos três coincidia – o que acontecia com relativa frequência – as conversas entravam em modo de espera até que o refrão fosse cantado em uníssono, com a confiança de um coral lírico e a afinação de um calouro de programa de auditório. Ninguém se importava.

Pelo whatsapp, o vazio dos cômodos em que se encontravam fazia com que as palavras ecoassem e ali permanecessem. No bar, as palavras perdiam-se rapidamente no ambiente e, nem mesmo quem as havia pronunciado, era capaz de se lembrar com exatidão do que dissera. O boteco era cúmplice das palavras e a cumplicidade fazia falta. Talvez faltasse também a cerimônia do bar, que de cerimonioso nada tinha. Ou, quem sabe, uma subconsciente sensação de refúgio, embora nenhum deles tivesse do que escapar. Definitivamente, faltava algo.

– Pessoal, tá na hora de desligar – disse o primeiro.
– Já? Mas nós nem falamos de futebol ainda.
– É melhor não falar mesmo – argumentou o terceiro, desesperançoso com o seu time.
– Tenho que guardar as compras que entregaram aqui. Não aguento mais dar banho de álcool em cada embalagem de leite.
– Imagina eu que nunca lavei uma fruta antes de comer.
– É, amigos, os tempos são outros.
– Ainda tenho que ligar para o meu pai. Tem mais de um mês que não o vejo pessoalmente.
– Vai lá. Pelo jeito, de nós três eu sou o único que já lavou a louça, né? Vou ter tempo de tomar a minha cerveja em paz.
– Calma, a louça do jantar vai aparecer já, já.
Os três riram.
– Então, terça no mesmo horário?
– Opa!
– Claro, marcado.
– Beijos nas famílias.

A ligação terminou e cada um foi cuidar de seus afazeres.

Mais tarde, entretanto, ao ouvirem o eco das palavras pronunciadas naquela tarde, finalmente entenderam o que mais lhes fazia falta: a fuga da rotina, o constante ajustar da mesa ao desnível do piso, a oportunidade de falar das mulheres bonitas que circulavam, os conhecidos que reviam e cumprimentavam a caminho do banheiro, o tilintar dos copos a cada brinde, os abraços na chegada e os beijos nos rostos na partida.

E os três juraram, em silêncio, que voltariam a viver tudo aquilo novamente…

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