Contrários quase idênticos…

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– Jairzinho, mais um zero na prova. Desse jeito vai ficar difícil passar de ano.

– Eu não tive tempo de estudar, professora.

– Deixa de ser mentiroso, menino. Você fica o dia inteiro à toa. Quando não está andando de bicicleta com aquela turma barulhenta, fica parado na beira da estrada acenando pros carros.

– Professora, são estudos antropolé… antropolít… estudos que eu faço com as pessoas. Ainda vou ser muito popular por conta disso.

– Só se for entre os trouxas. E a prova tava tão fácil, Jairzinho. Só sinônimos e antônimos. Como você conseguiu errar tudo?

– Mas eu respondi tudo certinho.

– Certinho? Sabia que o antônimo de comunismo é capitalismo?

– E o que eu escrevi?

– Intervenção militar.

– É a mesma coisa, professora. Sem os cabos e os soldados o comunismo deita e rola.

– E desde quando o contrário de direita é baderna?

– Essa tinha outras respostas também: fãs de mamadeira de piroca, destruidores da família, corja de gays e maconheiros. Acabei escolhendo a mais resumida.

– Não vou nem comentar. Olha essa aqui: sinônimo de conservar não é “pessoa de bem”. É preservar, manter.

– Ah, confundi com conservador. Foi mal.

– E confundiu auxílio com o quê?

– Com nada. Todo mundo sabe que auxílio é sinônimo de compra de votos.

– Engraçado, não é você que vive dando bala pro filho do pipoqueiro guardar seu lugar na fila da cantina?

– Esse é outro tipo de auxílio, professora. O sinônimo desse é ajuda aos mais carentes.

– Ô Jair, tu é pilantra mesmo, heim?

– Luizinho, se eu fosse você ficava calado. Você faz a mesma coisa que eu sei. Além do mais, sua prova também tá zerada.

– A minha, feszôra*? (*feszôra=professora, em língua presa)

– A sua sim. Antônimo de esquerda não é explorador-capitalista-heteronormativo-cis-patriarcal, sinônimo de detento não é preso político, e democracia é o contrário, não o mesmo que regime autocrático.

– Sei não. Ainda vou consultar as minhas bases.

– Pode consultar quem você quiser. O fato é que só um aluno aqui tirou 10 na prova.

– Quem foi, professora?

– O Aristides, é claro. Não é à toa que ele é o queridinho da classe toda…

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Folia contaminada…

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– Lá vem essa palhaçada de carnaval outra vez.

– Você não gosta de samba?

– Não é isso. É que foi assim que tudo começou.

– Foi, é?

– Ora, todo mundo tá cansado de saber. Governadores e prefeitos mantiveram o carnaval de 2020, apesar dos apelos do presidente. O vírus fez a festa.

– Quando foi que Bolsonaro pediu que aquele carnaval fosse cancelado?

– No início de fevereiro, quando decretou estado de emergência.

– Ele jamais sugeriu cancelamento algum. E não havia casos de Covid no Brasil.

– Pois o primeiro caso apareceu logo depois do carnaval.

– Sim. Em um brasileiro que tinha acabado de voltar da Itália.

– E quem garante que ninguém tenha se contaminado na folia?

– Ninguém garante nada. Mas as primeiras dezenas de casos confirmados por aqui eram de brasileiros que tinham chegado da Europa, ou de familiares destes. A contribuição daquele carnaval não foi determinante pra pandemia.

– Ah, você quer que o carnaval aconteça, né? Só pros casos explodirem de novo e você poder colocar a culpa no presidente.

– Cara, eu não quero que o carnaval do ano que vem aconteça. Mesmo com o avanço da vacinação, acho que ainda está cedo e podem surgir outras variantes. Mas também penso que toda grande aglomeração deveria ter sido postergada, isso inclui partidas de futebol com capacidade máxima, praias abarrotadas, e shows sem restrições.

– Pro país parar novamente? Já vi que você é da turminha do “fique em casa, a economia a gente vê depois”.

– Peraí, você tá me dizendo que liberar o carnaval do ano que vem é um absurdo, mas que outros grandes eventos podem acontecer numa boa?

– O país não pode parar. Além do mais, é tudo ao ar livre. Não tem risco nenhum.

– Ah, claro, esqueci que os blocos carnavalescos desfilam pelos túneis do metrô…

– É diferente.

– Sei. Me diga uma coisa: você participou de alguma manifestação a favor do governo?

– De todas.

– E essas multidões conclamadas pelo presidente – no meio da pandemia e sem vacinação significativa, é bom lembrar – não contribuíram para o aumento dos casos?

– De jeito nenhum.

– Mas foi o carnaval de 2020 que espalhou o vírus pelo país.

– Sim. Mas Bolsonaro já disse que é contrário ao evento no ano que vem. Ainda bem que alguém se preocupa com a saúde da população.

– Bolsonaro?

– Sim.

– O cara que provocou aglomerações quase que diárias ao longo de toda a pandemia?

– É diferente.

– Você sabe o que eu realmente vejo de diferente nessa história toda?

– O quê?

– É que o bloco do “eu autorizo” tira zero em evolução e dez em hipocrisia.

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Papo de mesa…

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Vacinação avança, casos e mortes despencam, reencontros acontecem. O ansiado círculo virtuoso começa a girar, ainda que de forma tímida. Um alívio para a mesa de bar, que não via a hora de voltar a ser testemunha de abraços sinceros, aspirações compartilhadas, brindes ruidosos, e discussões acaloradas sobre futebol e política. Ah, a política…

As redes sociais tornaram-se o grande palco de aplausos e apupos por parte de apoiadores e detratores do governo. Ali, ofensas e atritos são cada vez mais comuns, principalmente entre os que escondem ignorância e limitação sob uma tela que chamam de coragem. Mas o fato é que, cara a cara, as verdades afloram. E é disso que a mesa gosta. Quieta (ou nem tanto), ela está sempre atenta aos argumentos, às incoerências, às hipocrisias. Vez ou outra – a depender do absurdo proferido por um dos incansáveis adoradores de político (sempre há um por perto, quando não vários) – ela se faz de manca só para dar um banho de cerveja nos mais exaltados. A loira gelada é até capaz de esfriar colos e trocar conversas por gargalhadas, mas a trégua não costuma durar muito. Em pouco tempo, a mesa percebe que, além do garçom, o que não falta é gente para passar pano.

Foi ela mesma quem me confidenciou tudo isso há poucos dias, quando sentei-me ao seu lado em um boteco copo-sujo perto do trabalho. Mesa simples, daquelas dobráveis de metal, rígida em seus princípios, e dona de uma personalidade marcante. Garantiu que nunca foi de fazer fofoca ou revelar segredos, mas – como a maioria de nós – andava assustada com o rumo que as prosas ao seu redor costumavam tomar. Pedi licença para pedir um chopp, enquanto a ouvia.

– O que me assusta são as inconsistências – disse-me, quando eu ensaiava o primeiro gole. Acenei com a cabeça, em concordância. Ela continuou:

– Ontem mesmo, dois amigos que há muito não se viam estiveram aqui. Tudo ia muito bem até que um deles manifestou seu descontentamento com o atual governo. Foi o bastante para que o semblante do outro mudasse. Debateram durante horas, mas não chegaram a se exaltar. A valentia das redes sociais quase sempre desaparece quando os interlocutores estão frente a frente.

– É verdade. Mas você falava das inconsistências…

– Ah, sim. É que eu já tinha visto esse mesmo defensor do governo lançar mão de argumentos idênticos aos usados pelo amigo. A diferença é que, na época, o alvo era o PT. Até as desculpas eram quase iguais às repetidas pelos defensores de Lula e Dilma.

– Quais desculpas?

– As de sempre: não há provas de que o presidente seja desonesto (deve ser normal político comprar imóvel com dinheiro vivo); os filhos são perseguidos pela imprensa (claro que o Queiroz ganhou todo aquele dinheiro vendendo carros); o ministro da economia é ótimo (dólar, juros e inflação nas alturas não têm nada a ver com irresponsabilidade fiscal); comprar votos através de auxílios nunca foi populismo; aliar-se aos maiores ladrões da política brasileira é governabilidade; calotes em despesas obrigatórias não são pedaladas; ditadura militar foi salvação (mas as ditaduras de esquerda não prestam); desestimular constantemente isolamento, uso de máscaras e vacinação da população, levantar caixa de remédio ineficaz como se fosse um troféu, promover aglomerações ao longo de toda a pandemia, nada disso contribuiu para as mais de 600 mil mortes no Brasil, pois a culpa foi toda dos prefeitos e governadores que liberaram o carnaval de 2020; a lista é interminável.

– Que cara doido.

– Na distopia chamada Brasil, tem muita gente achando tudo isso bem normal.

– O grande problema do brasileiro é a idolatria cega.

– Eu diria que o maior problema do ser humano é a hipocrisia, mas, como mesa, não tenho lugar de fala.

– Olha, o papo está ótimo, mas meus amigos estão chegando. Melhor parar de falar com você, senão vão me chamar de maluco.

– Pensa bem: boa parte da população brasileira chama de Deus um cara que compara a democracia da Alemanha com o autoritarismo da Nicarágua. E outra parte significativa enche as ruas para autorizar um psicopata a passar por cima de todas as instituições democráticas. Você realmente acha que o louco é você?

– Bom, como você estava dizendo…

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Provas incontestáveis…

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– Mas, presidente, tá muito em cima da hora. O exame acontece no domingo.

– Não quero saber. Pergunta comunista não entra em prova minha.

– As provas não são do senhor, presidente. Além do mais, a imprensa vai cair de pau.

– Mais? Convivo com injustiças todos os dias. Me acusam de ser antivacina, só porque prefiro cloroquina e água benta; de promover desmatamento (vou acabar proibindo os satélites de sobrevoarem aquele matagal); de destruir a economia (na época do PT, nem existia esse tal de teto); de ser incoerente (qual é o problema do Centrão e do bolsa-família serem do bem agora?); de adorar uma rachadinha (até a Michele sabe que isso é mentira); de…

– Mas, presidente, agora podem acusá-lo de interferência e censura.

– Censura? Tô só defendendo a liberdade dos jovens terem uma boa educação, e não serem obrigados a responder pergunta petista, artista ou gayzista, talquei?

– Mas o ministério já barrou um monte de questões. Não tem nada de errado com a prova.

– Sou bem mais rigoroso. Fui eleito pra isso.

– Mas o senhor nem poderia ter tido acesso às provas. É ilegal.

– E quem disse que eu vi as provas? Ninguém tem prova disso.

– Então por que o senhor resolveu intervir?

– Um dos seus colegas na preparação das provas acabou abrindo o bico pra um coronel amigo meu. Ele sabe ser bem convincente quando preciso.

– Quais são as questões que estão incomodando o senhor?

– A 30, por exemplo.

– Uma questão de química? Qual é o problema dela?

– Apologia à comunidade LGBTI e aquele monte de letrinhas.

– Presidente, a pergunta se refere aos elementos Lítio, Germânio, Berílio e Titânio, entre outros.

– Que coincidência, né? Reconheço de longe essas mensagens sublimitad… sublimimad… subentendidas. Essa tá fora.

– Mais alguma?

– Tem a 64, que fala mal da revolução que salvou o Brasil do comunismo.

– Presidente, a pergunta é sobre mecânica dos fluidos. Fala do golpe de aríete.

– Ah, claro, outra coincidência. Me engana que eu gosto. Também tá fora.

– Acabou?

– Não. Troca o tema da redação. Não quero ninguém escrevendo sobre fake news e sua influência na democracia.

– Ué? Por qu… Bobagem, deixa pra lá. Mais alguma coisa?

– Exclui a 13 também. Não gosto do número.

– Ok, presidente, vou ver o que consigo fazer. Não pegou bem pra mim ter acatado a censura daquela questão da Mafalda, lembra?

– Desenho esquerdista vai ser sempre proibido no meu governo.

– Pois eu achei que o senhor fosse reclamar da questão que fala da sexualidade de Leonardo da Vinci.

– Sou um cara sensato. Não reclamo da sexualidade de ninguém. Só da homossexualidade.

– …

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Debates atuais…

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– Bom dia, caro ouvinte da Atualíssima, a rádio que coloca em debate os temas mais importantes do país. Hoje, dia em que comemoramos a proclamação da República, queremos dar voz a duas vertentes de um Brasil polarizado. Para isso, convidamos duas pessoas de ideologias antagônicas. Podemos começar com a senhora, D. Ilma?

– Pode ser.

– D. Ilma, como a senhora avalia o atual governo nas áreas política e econômica?

– Ah, meu filho, um desastre, não é? Veja o preço das coisas. A inflação tá fora de controle. Mais de 10%. Cada vez que eu vou no supermercado pago mais e levo menos. Os juros não param de subir, o país não cresce. Minha cidade tá cheia de mendigos pelas ruas, o povo passando fome, muita gente desempregada, e…

– E a senhora acha que a culpa é do governo federal, né?

– Sr. Messias, o senhor também terá chance de expor seus argumentos. Peço-lhe que não interrompa sua colega.

– Obrigada. Aproveito pra dizer que a culpa é do governo sim. Só aumenta os gastos e a dívida pública, e ainda por cima empurra com a barriga despesas que seriam obrigatórias – as tais pedaladas que todo mundo tá comentando.

– Tudo invenção dessa imprensa vendida, D. Ilma. Não tem nada de errado nisso.

– Sr. Messias, se o senhor continuar interrompendo sua colega, vou ser obrigado a cortar seu microfone.

– Obrigada, mais uma vez. E tem mais: esse governo só pensa na eleição. Não falta dinheiro pra compra de votos no congresso e nem pra compra de votos do próprio povo, disfarçada de bolsa-isso, bolsa-aquilo.

– A senhora quer que a população morra de fom…

– Prossiga, D. Ilma, o microfone do Sr. Messias foi cortado.

– Basta ver com quem esse governo está alinhado. Todas as figuras mais nefastas e corruptas da política brasileira estão ao lado dele. E disseram que fariam diferente. Tem que ser muito burro pra acreditar.

– Sr. Messias, agora é sua vez de falar.

– Eu acho que a D. Ilma não diria tantas bobagens se parasse de assistir à Globolixo e ler esses jornalecos que só olham o lado ruim da coisa.

– E qual é o lado bom, Sr. Messias?

– O lado bom é que o país mudou, que o governo está trabalhando muito, apesar do período complicado que o mundo enfrenta, que tem gente honesta comandando o país, que…

– Honesta?? O que não faltam são denúncias de corrupção.

– D. Ilma, agora peço que a senhora também respeite a fala do seu colega.

– Para de se informar pela imprensa, D. Ilma. Só falam mentiras. Querem acabar com um governo eleito democraticamente. Não respeitam a decisão das urnas e não deixam ninguém governar. Depois ainda reclamam.

– Bom, nosso tempo já se esgotou. Quero agradecer aos nossos debatedores do dia, e a você ouvinte, sempre ligado na nossa programação. E, lembre-se, no ano que vem acompanhe conosco a cobertura completa das Olimpíadas Rio2016. Quem sabe esse grande evento não será prenúncio de anos melhores, mais prósperos, e de mais sensatez e coerência para todos os brasileiros. Será que estou sonhando demais?

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Segredos e encontros…

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O homem é um ser curioso por natureza. Não fosse assim, jamais saberíamos que é a gravidade que nos prende à superfície da Terra, é a respiração das árvores que nos permite respirar, é o espaço sideral o local que irá substituir Londres no ranking dos mais caros destinos turísticos.

Mas nem todos são tão curiosos assim. Eu, por exemplo, jamais pensaria em colher algumas frutas, para depois secá-las, torrá-las, moê-las, e dissolvê-las em água (quente, ainda por cima). Assim, meu desinteresse inato teria jogado a humanidade em uma rotina de trabalho sem pausas para o cafezinho. Um caos inimaginável.

Meus lampejos de curiosidade – pobres coitados – sequer conseguem compreender como há tanta gente que dorme de meia, não gosta de jabuticaba, e não pensa em se vacinar em plena pandemia. Diante desses insucessos, é meu dever delegar qualquer tarefa relacionada à sobrevivência da raça humana a pessoas com noções de psicologia, ciência e alquimia bem mais apuradas.

Confesso, entretanto, que os últimos fins de semana têm me deixado atento a uma das mais revigorantes experiências comportamentais: os encontros. É verdade que o isolamento a que fomos submetidos pode ter contribuído para meus impulsos antropológicos, até agora pouco frequentes. Afinal, a demanda acumulada é inquestionável. Mas entendo ter sido o recente aumento na oferta – tanto em variedade quanto em intensidade – o grande culpado por esse novo, digamos, “eu” mais vigilante. Fato é que os segredos escondidos nos encontros e reencontros têm me intrigado.

Tomemos o último fim de semana como exemplo. Muitos encontros ansiados depois, e minha energia parece ter sido renovada. Como foi que isso aconteceu? Talvez tenha sido o cheiro gostoso que recebi da Gloria, o chamego da Evlyn – dona do colo mais doce do mundo -, a aura ensolarada da Graci, o sorriso da Josély, a alegria da Fernanda e da Mônica (maiores especialistas em encontros felizes da turma). Quem sabe não foram os planos holandeses traçados com uma pirralha chamada Marília, ou os longos e deliciosos papos com a Teresa, a Paula, a Adriana. A atenção do Oren, o beijo do meu irmão Paulo, o carinho maternal da Claudia Batocchio, o aconchego dos olhos da Fabíola, a serenidade da Nereida, a sensatez do Cesar. Talvez a alegria da Alana, a suavidade da Claudia Azeredo, a voz inesquecível da Cássia, a elegância da Dulce, as dedicatórias da Ana Cotovio, da Maria Moraes, da Luivana e da Maria Anita. O sabor de um Irish Coffee adoçado pela companhia da Marianna, da Regina, do Eduardo Carvalho, do Luis Carlos, da Karine. Os olhares de cumplicidade da minha luz Daniela, e de felicidade do mestre Eduardo Affonso.

Querem saber? Acho que foram os abraços. Sim, os abraços que troquei com cada um deles são os responsáveis pela minha alma leve desta segunda-feira. Abraços carregados de carinho, amizade, admiração, gratidão. Abraços postergados pela pandemia, pela distância, pela vida. Abraços que se somaram aos muitos já trocados com a Daniella, a Calu, a Cecília, a Patrícia, a Tatiana, a Laïs, o André, o Ronaldo. Que se somarão aos inúmeros que ainda hei de trocar com a Roberta, a Renata, a Zoraya, a Vanessa, o Toni, a Marta, a Daiana, a Ane, o Guido, a Deborah, o Max, a Zeni e tantos outros que me inspiram e me motivam.

Mistério desvendado, agora vou me dedicar a descobrir a razão de não ter emagrecido um grama sequer, mesmo depois de ter dado 28.395 passos em apenas 3 dias…

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O teto…

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– … como você pode ver, todos os ambientes tem ventilação cruzada e janelas generosas que valorizam a vista.

– Nossa, tá muito bom. E como vai ficar o teto?

– Reparou como a cozinha gourmet se integra com a área de lazer?

– Sim, entendi o projeto todo, só estou curiosa pra saber do te…

– E o gradil frontal ficou do jeito que a gente combinou, você viu?

– Claro, você já passou por ele. Dá pra me mostrar o teto agora?

– Que preocupação é essa com o teto?

– Como assim? É uma parte muito importante. Como vai ser o telhado? E a iluminação? O forro vai ser de gesso ou de madeira?

– Gente, eu acho o teto tão secundário. Pra que limitar a luminosidade, a vista da copa das árvores?

– Eu acho que não tô entend…

– Imagine o luar refletido no piso de mármore, que espetáculo.

– Peraí, você tá propondo que a casa não tenha teto?

– Veja bem, proponho um novo olhar sobre essa valorização exacerbada do teto, sabe?

– Isso é pegadinha, né?

– Não. Todo mundo dá uma importância pro teto que ele não deveria ter. Como se a falta de teto fosse um problema enorme.

– E é! Eu não vou construir uma casa pra dormir ao relento.

– Você só tá olhando pro lado negativo da coisa.

– Lado negativo? Acho que você não bate bem não.

– Olha, além de oprimir nossa liberdade, tetos vivem dando dor de cabeça. Toda hora é um vazamento, uma infiltração, uma telha quebrada. Vamos evitar que isso aconteça de uma vez.

– Evitar deixando um enorme buraco na casa toda? Escuta, você tem certeza de que é arquiteto?

– Claro que sou. E das notas mais altas da minha turma de Chicago.

– Ah, tá explicado…

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Cenas de uma noite inesquecível…

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Cena 1: o ocaso

Depois de mais de uma semana de chuvas, o sol decidiu que já era hora de reaprender a marcar a silhueta das montanhas. As mesmas montanhas que ajudam a transformar uma cidade bela em maravilhosa. O horizonte abriu o espetáculo. O olhar da criança agradeceu.

Cena 2: os encontros e reencontros

Talvez tenham sido as cores do crepúsculo, que a lagoa tomou emprestadas. Quem sabe a brisa leve que amainou uma temperarura já agradável. Ou teriam sido mesmo as pessoas? Só sei que o clima de harmonia, de amizade e admiração sinceras, de confraternização e de entendimento contagiou a todos que lá estavam. Contagiou a noite que, intrigada, mandou a lua como testemunha.

Cena 3: real e virtual se confundem

As palavras possuem a mágica de nos seduzir e nos aproximar. Concordâncias transformam-se em admiração. Admiração gera engajamento. Engajamento pede por proximidade. Mas o sublime acontece quando tudo isso culmina em abraços acompanhados de agradecimentos do tipo olho-no-olho. Sim, as telas e aplicativos podem ser agregadores, basta que saibamos usá-los.

Cena 4: os corações que tocamos

As verdadeiras amizades não se dissipam com a distância. Ao contrário, cada breve encontro apenas as fortalecem. Assim, toda oportunidade deve ser aproveitada. Cada chance de estar perto não pode ser postergada. É quando generosidade e gentileza se misturam, nos cobrem de aconchego, e nos fazem um bem danado.

Cena 5: a família

O que dizer de um tio que, prestes a completar 90 anos de idade, veio me benzer com lágrimas de orgulho e alegria? De um primo distante que sempre foi tão próximo quanto um irmão? De um irmão que escolheu a arte como ofício, e que insiste em me chamar de artista? De uma cunhada, linda por fora e por dentro, que acolhe pelo sorriso? Muita gente chama isso de sorte. Prefiro chamar de bênçãos.

Cena 6: a escritora

Ela é a melhor das minhas escolhas. Aquela que me permitiu todas as demais. É a musa que sempre me inspira, é o olhar ao qual recorro para saber se estou na direção correta, é a mão que me apoia e, tantas vezes, enxuga minhas lágrimas. Ela é artista com as mãos e com as palavras, mas sua maior arte está no coração. É minha companheira em tudo e nossos sonhos individuais nos são comuns. Ela está sempre ao meu lado, mesmo quando o verde – sua cor favorita – é a que me envolve. Tudo bem, ela também fica linda de azul.

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Passos no tempo…

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Houve um tempo em que eu aguardava – ansioso – pela sua chegada. Seu colo era fonte de aconchego, suas mãos eram guias para meus passos trôpegos, nossos sorrisos revelavam a cumplicidade que insistíamos em compartilhar.

Houve um tempo em que seus ombros eram minha melhor brincadeira. Neles, eu me sentia mais alto, mais forte, quase invencível. Muitos dos gols históricos que presenciei foram vistos lá de cima. Foi ali também que aprendi a afagar seus cabelos, ainda livres dos primeiros fios brancos. Afagos que se repetiram pela vida afora.

Houve um tempo em que nossas mãos sobrepostas prometiam amizade eterna; em que suas palavras suscitavam reflexões e questionamentos; em que sua confiança em mim era a única esperança de que, um dia, eu não mais duvidaria da minha própria capacidade.

Houve um tempo em que o medo de perdê-lo me dominou; em que amaldiçoei a criptonita que machucava o coração do meu herói imbatível; em que sua presença, tão rotineira, transformou-se em bênção a ser celebrada a cada dia.

Houve um tempo em que me emocionei ao vê-lo sentado no chão da minha sala, ensinando outra criança a brincar; em que admirei sua mão voltar a ser esteio de novos e indecisos passos; em que testemunhei – comovido – seus conselhos lhe abrindo caminhos que eu jamais seria capaz de apontar.

Houve um tempo em que nos acostumamos a ouvir juntos o som do silêncio; em que nossas taças teimavam em se encontrar; em que mergulhar nos seus braços era prenúncio de longas conversas noite adentro; em que o amor era tão explícito que nos bastava um olhar.

Houve um tempo em que você não tinha mais forças para retribuir meus abraços; em que entendeu ter dito todas as palavras que eu precisava ouvir; em que o adeus tornou-se inevitável; em que eu jurei fazer tudo que estivesse ao meu alcance para me aproximar da sua grandeza, da sua clarividência, da naturalidade com a qual você tocava os corações das pessoas, do seu dom de ser – tão e simplesmente – inesquecível.

Sei que ainda estou longe de tudo isso, pai. Mas você também me ensinou a não ter pressa, lembra-se? “Um passo de cada vez, filho” – quantas vezes me disse. Pois é assim – a passos bem lentos – que sigo em busca do grande objetivo da minha vida: conseguir me tornar uma fração do ser humano extraordinário que você foi, é, e sempre será.

E hoje, meu querido, meu ídolo, meu pai, um pequeno novo passo foi dado…

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O álbum…

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Ele folheia as páginas esmaecidas pelos anos. Como carícias, seus dedos tocam rostos estranhos de olhos familiares. Detém-se por um momento diante de uma foto. São crianças postadas à frente de um pano claro, provavelmente estendido apenas para gerar contraste. De pé, cinco irmãos circundam a mais nova, sentada em uma cadeira. Não há sorrisos nos semblantes. Tampouco amargor…

– Quem são estes, papai?

– A pequenina é a sua avó. Tinha sete meses de idade.

– Que fofinha! A vovó já foi um bebê?

– Todos fomos, filho.

– E os outros?

– São todos irmãos. Você chegou a conhecer um deles, mas acho que não se lembra. Ele morreu um ano antes dela.

– Qual deles?

– O menor dos três que estão atrás na foto. Chamava-se Hélio. Era meu padrinho.

– Ele parece sério. Será que estava preocupado?

– Pode ser, querido. Pode ser…

O trabalho do fotógrafo estava finalizado. Hélio pegou Nilda no colo antes que ela caísse da cadeira. Prestativo por natureza, era sempre o primeiro a ser convocado para ajudar nas tarefas domésticas. Bilí, a madrasta, ocupava-se cada vez mais com a enfermidade do marido. Hélio sabia o que estava por vir. Conhecera a dor do desenlace bem cedo, quando a mesma tuberculose levou sua mãe. Aos 3 anos de idade, sem conseguir dormir, aninhou-se junto ao corpo inerte que seria velado na manhã seguinte. Encontrara ali seu último acalanto.

Bilí veio para lhe dar o aconchego de que tanto precisava. Sentia a ternura de seus gestos nos passeios de mãos dadas, nas histórias contadas à luz do lampião, na interposição diante da taca de couro cru que brandia das mãos encolerizadas do austero patriarca. Ao ver o pai definhando, culpou-se por rezar com mais fervor pela saúde de Bilí. Deus haveria de entender.

Órfão, Hélio viu-se obrigado a deixar o Serro para estudar em Diamantina. Seu tio paterno, comandante do Terceiro Batalhão da Polícia Militar, tornou-se seu tutor. Com lágrimas nos olhos, despediu-se dos três irmãos menores e daquela que transformara seu próprio nome em sinônimo de mãe. “Deus lhe pague, Bilí” – balbuciou, antes de partir.

– Eles foram amigos a vida toda, papai?

– Sim. Sua avó sempre foi a irmã mais querida, e vice-versa.

– Mas eles não cresceram separados?

– Só por um tempo. Mas a distância nunca é páreo para o amor.

– Tem mais fotos deles juntos?

– Claro. Esta aqui é do casamento dos seus avós. Os dois com a outra irmã, Clélia. Na época, os demais irmãos já tinham falecido.

– E cadê minha bisavó?

– Olha ela aqui, assinando como testemunha.

– Você tem saudade deles, papai?

– …

A igreja estava quase vazia. O noivo e seus pais posavam para as últimas fotos. Hélio, Clélia e Nilda conversavam sobre a cerimônia, o carinho dos amigos, os parentes distantes que há muito não viam. Bilí os observava, com os olhos marejados. Abraçaram-se. De mãos dadas, lembraram-se do dia em que a foto dos irmãos foi tirada. A última antes que a vida cismasse em espalhá-los pelo mundo afora. Sorrindo, despediram-se, mais uma vez.

E cada um se encarregou de construir suas próprias lembranças…

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