Capadócia…

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A solenidade estava prestes a começar. A lua, como de praxe, foi a primeira a adentrar o salão. Desfilava, soberana, feito guardiã dos segredos da noite, concubina da claridade. Resplandecia, certa de que – no breu – convidado algum seria capaz de ofuscá-la. Nem a corte de estrelas – poeira de lume na cúpula da madrugada –, nem o temido alvorecer – prisioneiro dos caprichos do horizonte –, nem os olhares que já se aglomeravam nas encostas – peregrinos em busca de policromia. Raios de desdém impediam qualquer aproximação. A lua valsava no vazio.

A convocação veio em forma de labaredas. O primeiro lampejo, embora tímido, foi o bastante para que o luar voltasse sua atenção para outras crateras. Novos fulgores vindos do picadeiro entre os rochedos fizeram com que o brilho empalidecesse. A lua aprendera, depois de um sem-número de rituais, a pressagiar seus últimos instantes de protagonismo. Os feixes de soberba despediram-se, cabisbaixos. Foram-se também as estrelas, antes mesmo que a alvorada conseguisse libertar o sol. As cores ainda espreguiçavam quando o azul se vestiu de céu.

O silêncio havia sido rompido. A brisa, nomeada maestrina de uma orquestra de suspiros, fez das rajadas de calor seu coral. Centenas de vozes puseram-se a inflar egos, a elevar espíritos, a tonalizar expectativas, a conjurar epifanias. A aurora se desdobrava para tingir o vórtice que envolvia o firmamento. Embevecidos, os romeiros bailavam pelo salão, agora despido de véus. Uns arriscavam-se em movimentos bruscos. Outros – ainda mais ousados – trocavam breves carícias antes de seguirem direções opostas. Alheio a tudo, o sol fazia do relevo sua tela, e das sombras suas tintas. A coreografia continuou até que a nuvem de gotas em brasa se desfez em forma de garoa, acrescentando pinceladas multicoloridas a uma obra que o luar jamais seria capaz de conceber. Findava-se a festa.

As cores desapareceram quase tão rapidamente quanto foram formadas. Lá no alto, resignada diante de sua monocromia, a lua recolheu-se, disposta a retornar ainda mais cintilante na próxima cerimônia. Cessaram-se os suspiros, e o silêncio voltou a fazer companhia aos rochedos. O sol, revivendo seus tempos de menino, passou o restante do dia a desenhar sombras na areia.

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