O lago…

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Ainda estávamos na estrada quando ele avistou o lago pela primeira vez. Não disse uma palavra. Seguimos em silêncio até um platô no alto da colina. O sol brilhava forte mas não era capaz de amainar o frio do inverno. Descemos do carro e ele caminhou até a mureta de pedra que servia de guarda-corpo. Lá parou para admirar aquela superfície azul cercada de montanhas e pequenas vilas. Eu estava ao seu lado e notei quando uma lágrima correu pelo seu rosto. Seu pensamento o sequestrara. Ele não estava mais ali…

Era uma cidade como tantas outras espalhadas pelo interior de Minas. Apenas as ruas e avenidas principais recebiam calçamento. As demais, com sorte, tinham mais terra que buracos. A rua de terra batida que ele percorria tinha sido danificada pelas recentes chuvas. Caminhava em ziguezague, na tentativa de se desviar das poças de lama. Não tinha mais do que quatorze anos de idade e estava prestes a deixar aquele lugar para sempre.

O salário que seu pai recebia como operário de fábrica mal dava para abastecer a casa. Sua mãe, sisuda como sempre, reclamava da labuta diária com a mesma frequência com que rezava o terço. Ainda assim, ele se afligia diante da perspectiva de ter que se virar sozinho. A capital seria a oportunidade de ampliar seus horizontes.

Com os sapatos encharcados, ele parou em frente ao portão de sua madrinha, a quem visitava todas as semanas. Era um sobrado quase tão simples quanto o dele, mas lá ele recebia um pouco do carinho maternal que lhe faltava em casa. Além do mais, sua madrinha tinha um rádio e, desde cedo, ele percebera que a música era capaz de deixar qualquer ambiente bem mais acolhedor.

Bateu palmas anunciando sua chegada e foi recebido com o sorriso de sempre. Deixou os sapatos na soleira da porta e entrou. Como de costume, o rádio estava ligado e o perfume da broa de fubá ainda quente se espalhava pela casa. Ele se sentia bem ali.

Sentaram-se junto ao fogão a lenha e dividiram alegrias e aflições. Entre uma conversa e outra, sua atenção se voltou para o som que vinha da sala. Era um solo de piano. Como ele amava aquele instrumento. A madrinha percebeu seu enlevo e permaneceu em silêncio até que a melodia terminasse.

– Essa música é linda, não é? – disse-lhe ao final.
– Nunca ouvi nada parecido. Qual é o nome?
– Se chama “Le Lac de Come”.
– O que é isso?
– É um lago que fica muito longe, fora do Brasil. Não sei direito onde.
– Se a música inspirada nele é tão bonita assim, como será esse lago?
– Não sei, querido. Um dia você vai descobrir.

“Le Lac de Come” tocava alto em suas lembranças. Eu quase podia ouvir seus acordes, envolto no silêncio daquele lugar. Nossas mãos se buscaram e se entrelaçaram. Não sei quanto tempo permanecemos assim. Provavelmente até que as notas finais ressoassem. Então ele se voltou para mim, me deu um beijo cheio de gratidão e disse num sorriso:

– Filho, o lago é tão lindo quanto a música!

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