Humoristas sem graça…

Tem gente que não admite ir a um show de humor sem se acabar de rir. Nada contra, muito pelo contrário, acho que esse deve ser mesmo o espírito de quem sai de casa com o intuito de se divertir.

Mas tem gente que exagera.

Sabe aquele sujeito que já começa a gargalhar quando o humorista aparece no palco? Cá entre nós, humorista que faz graça sem abrir a boca não existe desde os tempos de Golias e Costinha.

Particularmente, sempre fui um cara que sorri com facilidade. Mas, pra me fazer gargalhar de verdade, o humorista tem que estar muito inspirado ou, pelo menos, ter dado a sorte de me encontrar saindo de uma longa – e farta – degustação de vinhos.

Não me entendam mal, a minha dificuldade em gargalhar não tem necessariamente relação com a qualidade do humorista ou do espetáculo. Pra ser sincero, prefiro muito mais um texto inteligente, temperado com boas doses de ironia fina e algumas pitadas de sarcasmo, do que aqueles quadros no estilo pastelão em que o ator sempre faz coincidir o final de uma piada com o volume máximo de decibéis que sua voz histriônica é capaz de alcançar. Ainda que o segundo possa, breve e eventualmente, me fazer gargalhar, o primeiro será sempre merecedor de um perene e eloquente sorriso de admiração.

Mas nada me deixa mais avesso às gargalhadas do que me deparar com o humorista corporativo. Aquele que é contratado pra enaltecer (ou conceber) as qualidades de uma empresa e detonar as concorrentes. Aquele que busca sempre dosar as palavras para não ofender o contratante e abre mão da característica primordial do bom humor: a contestação. Aquele que finge satirizar um personagem pois, quando o faz, seu real objetivo é fazer com que os outros se sintam ridicularizados. Aquele que, na verdade, não passa de um baba-ovo.

Humoristas desse tipo me fazem sentir ainda mais saudades dos textos ricos e provocadores que muitos gênios desfilaram ao longo de tantos anos. Talvez eles sejam apenas reflexos dos nossos dias. Talvez os personagens atuais sejam tão toscos, tão caricatos, tão grotescos, que acabam por tolhir a capacidade criativa dos nossos humoristas. Pelo jeito, isso pouco importa. O que não falta é gente pra rir de piada sem graça…

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Fantasias de carnaval…

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Nunca fui muito afeito a pular carnaval na juventude. Confesso que as imagens idealizadas de alegria, bebidas, farras e mulheres me dando bola foram logo substituídas pelas ressacas, pelos foras e pelos cheiros de urina e desodorante vencido. Acabei por me juntar ao Bloco do Sossego, me filiar aos Acadêmicos do Sono Fácil e virar frequentador assíduo do Baile da Cachoeira Gelada. Dez anos atrás, motivado pelo aniversário de uma querida amiga, abri mão da minha tradicional e silenciosa folia anual e mergulhei em um rio de cores chamado Sapucaí. Atravessei aquela avenida representando uma entidade qualquer e cantei com vontade o samba que dizia que o Brasil era o país de todos os deuses, de paz, amor e união. Foi uma experiência única e, pelo menos até agora, não recebi reclamações por parte da tal entidade por tê-la representado sem o devido lugar de fala.

Há dez anos, o Brasil estava apenas começando a descobrir o intragável mundo do politicamente correto. Ninguém ainda questionava o uso de turbantes, cocares, seios postiços, lenços amarrados na cintura, e até as cores das maquiagens tinham pouca relevância. Hoje, até as escolas de samba – que sempre tiveram procuração reconhecida em cartório para representar deuses e minorias – deixam claro a seus carnavalescos que a criatividade, assim como a paciência, tem limites. Quem não obedece é sumariamente cancelado sem direito a apelação, e a pena passa a ser cumprida ainda na primeira instância. Cabem às celebridades canceladas, na tentativa de cancelar o cancelamento, jurarem que pediram autorização prévia ao deus ou à minoria representada. “Com consentimento pode”, dizem elas. Consentimento de quem, cara-pálida? Pergunto para, logo em seguida, perceber que não tenho lugar de fala para chamar alguém de cara-pálida.

Eu ainda sou frequentador e divulgador do Bloco do Sossego. Entretanto, se me dispusesse a sair fantasiado no carnaval de hoje, certamente tentaria ser mais discreto. Afinal, as pessoas se irritam com muita facilidade ao se verem representadas em uma fantasia, mesmo que o objetivo desta tenha sido uma homenagem, uma reflexão ou – como acontece na maioria das vezes – uma simples e irreverente brincadeira. Para evitar eventuais constrangimentos, eu buscaria temas abstratos tais como personagens fictícios, plantas e animais, sem nenhuma referência a quem quer que seja.

Poderia, por exemplo, me fantasiar de Transformer. Um herói do cinema jamais poderia se sentir ofendido, não é mesmo? O meu transformer de carnaval seria uma retroescavadeira que, ao assumir a forma humana, teria o curioso hábito de chamar os outros de babaca.

Outra opção seria me fantasiar de molusco. Como é carnaval, meu molusco seria um cachaceiro com mania de grandeza idolatrado por uma horda de águas-vivas, aquelas medusas acéfalas que costumam se queimar com todos que não fazem parte da mesma turba.

A própria água-viva daria uma ótima fantasia. Mas a minha água-viva seria daquelas que cospem, humilham e chamam suas colegas de gordas e velhas. Daquelas que ninguém tolera mas que nenhuma companheira água-viva aparece para criticar ou acusar de misoginia. Uma água-viva repleta do ódio do bem.

Passando do reino animal para o vegetal, poderia me fantasiar de laranja. Mas uma laranja especial, grande e coberta de calda de chocolate pra dar mais consistência e, principalmente, tentar esconder a fruta. Daquelas laranjas difíceis de serem encontradas mas que entornam o caldo facilmente quando são apertadas.

Uma outra fantasia politicamente correta seria a de uma planta frutífera qualquer. Digamos, uma bananeira. Não seria bacana sair pelas ruas distribuindo bananas pra todo mundo? Tem muita gente que acha.

Outro personagem cuja fantasia cairia como uma luva seria o burro falante. Mas um burro palhaço, não aquele sábio dos livros de Monteiro Lobato. Um burro que pode até falar mas não consegue ler. Um burro que se acha esperto mas só sabe trocar letras, botar banca e colocar nos outros a culpa pelos seus erros. Um impreCionante burro raiz.

Outra fantasia muito inocente e apropriada seria a de cavalo. Mas não um cavalo dócil e elegante. Minha fantasia seria daquele tipo de cavalo bem limitado, que só sabe relinchar e dar coices nos outros, e que não consegue conviver com os demais animais com exceção da grande boiada que o acompanha e o aplaude dia após dia.

Por falar em boiada, outra opção também seria me fantasiar de gado e… ah, pensando bem, não. De gado já é demais!

Viu como dá pra pular carnaval sem incomodar ninguém?

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Cancelamentos…

No consultório psiquiátrico…

– Doutor, o senhor tem que me ajudar. Tem meses que não consigo dormir mais do que duas horas por noite.

– A sua dificuldade é para pegar no sono?

– Não, doutor. Durmo com facilidade. Mas tenho pesadelos horríveis e acordo logo depois.

– Que tipo de pesadelos?

– Eles variam bastante, mas o final é sempre o mesmo.

– E o que acontece no final?

– Eu sou cancelado, doutor!

– Não entendi o que é cancelado no seu sonho. Sua inscrição, sua matrícula, seu CPF?

– Não, doutor. Eu mesmo é que sou cancelado.

– É normal sonharmos com situações impossíveis.

– Mas esse é justamente o meu medo, doutor: ser cancelado na vida real.

– Meu caro, nenhuma pessoa pode ser cancelada.

– Doutor, em que mundo o senhor vive? Pessoas são canceladas a todo instante.

– Que bobagem. O que faria uma pessoa ser cancelada?

– Aí é que está, doutor. Basta ter opinião própria sobre algum assunto. E muitas vezes ela nem precisa fazer nada. Tudo é imprevisível demais. Não consigo conviver com esse medo. Por favor, eu só lhe peço que me receite um sonífero bem forte.

– Olha só, não sou do tipo que prescreve remédios para dormir logo de cara. Vamos buscar uma solução mais saudável, mudar sua rotina. Você gosta de música?

– Só MPB, doutor.

– Ótimo, antes de dormir escute meia hora de música pra relaxar. Sugiro Chico, Caetano, Gil…

– Não posso, doutor. Todos eles foram cancelados.

– Cancelados por quem?

– Pela direita.

– Bom, então ouça alguém mais antigo. Gosta de Raul Seixas?

– Também foi cancelado, doutor. Só que pela esquerda.

– Mas Raul sempre foi de esquerda.

– Pois é, para o senhor ver o risco que todo mundo está correndo.

– Esquece a música, tenta ler um livro antes de dormir. Gosto dos livros do Karnal, do Cortella e do Pondé.

– Cancelado, cancelado e cancelado.

– Não é possível. Por quem?

– Ah, esquerda e direita disputam o cancelamento desses três à tapa. Depende do dia, do que dizem e de quem tirou foto com eles.

– Tá bom. Esquece o livro. Assista a um bom filme antes de dormir. Vai te fazer pensar em outras coisas. Você assina a Netflix?

– Foi cancelada, doutor.

– Então reative a sua assinatura.

– Não foi a minha assinatura. O canal foi cancelado.

– Por quê?

– Bom, entre outras coisas por chamar o impeachment da Dilma de golpe e por chamar o PT de corrupto.

– Mas esses motivos são antagonistas.

– Bem lembrado. O Antagonista já nasceu cancelado por um lado e agora está pelos dois. Se juntou a todos os outros jornais que estão na categoria “hors concours” do cancelamento.

– Ninguém foi “descancelado” até hoje?

– Impossível, doutor. Quando um lado “descancela” alguém, o outro o cancela imediatamente.

– Olha, você está falando só de gente famosa, de grandes empresas. Nós, pessoas comuns, não corremos nenhum risco de cancelamento.

– Doutor, o senhor já ouviu falar de Lucas, Tulla, Everton, Hadson?

– Não, nunca.

– Pois é, todos cancelados. Estou lhe dizendo, não vai sobrar ninguém.

– É, meu caro, acho que só rezando mesmo.

– Doutor, eu sou católico e nesta semana até o Papa foi cancelado.

– Aqui está a sua receita. Tem três soníferos aí. Tome todos juntos. Um só não vai fazer efeito algum…

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Volta às aulas…

E o primeiro mês de 2020 chegou ao fim. Um mês repleto de ameaças de conflitos internacionais, verdadeiros – e reais – conflitos familiares, recordes de chuvas e de mortes quebrados, contaminações letais descobertas – algumas no outro lado do mundo e outras no bar da esquina – e perdas de ídolos de forma abrupta.

Como toda circunstância desafiadora, o mês de janeiro deixou também muitos ensinamentos. Descobrimos que rios não deveriam ser confinados, que um simples vírus tem o poder de abalar toda a economia mundial, que processos produtivos sempre podem ser aperfeiçoados, que a tecnologia jamais será mais forte do que a Natureza e que tradições quebradas dão sempre mais notícia.

Mas janeiro deixou também outros tipos de ensinamentos. Não bastassem os trágicos eventos ocorridos no mês, o Brasil recebeu aulas de hipocrisia, de populismo, de atraso, de preconceito, de empáfia, de grosseria e de incompetência ministradas pelos mais diversos professores. Verdadeiros especialistas, nossos mestres estiveram particularmente inspirados no início do ano.

A aula de populismo avançado foi dada pelo prefeito de Belo Horizonte. Depois de três anos deixando de investir quase 70% dos recursos destinados à prevenção das recorrentes inundações, Alexandre Kalil afirmou que a chuva que provocou tantos prejuízos aos moradores da cidade foi uma resposta aos empresários gananciosos da construção civil. “Chegou na casa deles, no bairro chique e luxuoso”, afirmou o prefeito. Sendo ele mesmo um empresário da construção civil e também morador de um dos locais destruídos pela força das águas, tenho que admitir que o prefeito talvez tenha razão.

Damares Alves foi a responsável pela aula de retorno ao século passado ao insistir na campanha pela abstinência sexual dos adolescentes no intuito de se evitar a gravidez precoce. Se a ideia surtir efeito, o próximo passo provavelmente será sugerir às pessoas que não andem de carro para que os acidentes de trânsito diminuam, e que parem de ouvir rock para que a droga, o sexo, a indústria do aborto e o satanismo deixem de existir.

Uma manifestação em especial abriu espaço para duas aulas. O militante de esquerda e ex-auto-proclamado-presidente-do-país (também ator nas horas vagas) José de Abreu, proferiu ofensas machistas, misóginas e preconceituosas contra uma colega de profissão em uma das mais torpes aulas de grosseria dos últimos tempos. Por sua vez, quase nenhuma voz da esquerda se levantou para defender a mulher ou condenar o macho escroto, ministrando assim uma das mais eloquentes aulas de hipocrisia do início do ano.

O episódio do discurso de inspiração nazista feito pelo ex-Secretário de Cultura também deixou lições de hipocrisia. De um lado por afirmar que o “coitado” foi vítima de uma armação (como se fosse possível convencer alguém inocente a proferir um discurso no modo Hannibal Lecter). E de outro por manifestar tamanha (e justa) indignação num dia, enquanto homenageia um monstro genocida no outro.

Weintraub continuou dando aulas de incompetência ao minimizar os erros na correção de milhares de provas do Enem e ao chamá-los de “inconsistências”, “probleminhas já resolvidos” e “bom era na época do PT, né?”. As várias ações judiciais que pedem a revisão das provas ainda hão de fazê-lo encontrar novas denominações.

E ontem, no último dia do mês, Tati Bernardi publicou um texto que é uma verdadeira aula de empáfia afirmando que… ah, quer saber? Tati quem, mesmo?

Seja bem-vindo, fevereiro. As aulas já começaram…

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Evolução em risco…

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E no primeiro dia de aula…

– Bom dia, aluninhos queridos.

– Bom dia, professora.

– Todos animadinhos pra começar o ano?

– Sim, professora.

– Ah, que bom. Amo ver essa carinha de felicidade nas minhas crianças. Todos se sentaram nas cadeirinhas marcadas com seus nomezinhos?

– Sim, professora.

– Assim é que eu gosto de ver. Menininhos de um lado, uma fila vazia no meio e menininhas do outro. Qualquer descuido e a nossa sagrada abstinência sexual pode ir por água abaixo, não é mesmo?

– Sim, professora.

– Só você aí na segunda fila, queridinha, é que parece estar no lugar errado.

– Mas meu nome está escrito aqui e eu sou menino, professora.

– E está usando brinquinhos, cabelinhos longos e coloridos e tem as unhas pintadas? Não, não, querido. Sente-se aqui na primeira cadeira do meio, bem pertinho de mim. Já tenho muitas abstinências com que me preocupar.

– Sim, professora.

– Turma, quem gosta de ciências?

– Nós gostamos, professora.

– Eu sabia. Senão vocês não estariam aqui, não é mesmo? Alguém por favor me diga por que escolheu estudar ciências?

– Eu gosto da ciência porque ela me ajuda a entender de onde viemos e pra onde vamos, professora.

– Deus, querida! A gente veio de Deus e volta pra Deus. Essa questão é muito básica. Mais alguém?

– Através da ciência eu procuro entender como muitas coisas funcionam: o clima, as chuvas, os terremotos, os tsunamis…

– Pela vontade de Deus, queridinho! Tudo é regido pela vontade de Deus. Isso também é muito básico. Aqui veremos coisas muito mais complexas. Anotem as matérias que vamos estudar neste semestre: “Astronomia de verdade e a falácia da Terra redonda”, “Como Deus criou o Universo em sete dias”, “Noé e sua influência na fauna do planeta”, “Torre de Babel: como as diversas línguas surgiram”, “Vacinas ou preces? A verdadeira proteção vem sempre de Deus” e “Rock, sexo, aborto e satanismo – o que podemos fazer para evitar o Apocalipse”.

– Professora, não vamos estudar a Teoria da Evolução de Darwin?

– Querido, estamos em uma universidade séria, não trabalhamos com teorias aqui. Só com fatos cientificamente comprovados…

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Vespeiros de ano novo…

Minha mãe sempre me ensinou a manter distância dos vespeiros. “Não mexe com quem tá quieto”, dizia ela. Claro, isso foi bem antes do tempo das redes sociais. Naquela época era fácil manter distância da vizinha barraqueira, do padeiro falastrão e do doido que passava o dia oferecendo lotes no Céu a preços de ocasião. Hoje ninguém mais fica quieto, todo mundo opina sobre tudo e os vespeiros passaram a exercer sobre mim um enorme poder de sedução. Por isso aqui vou eu, mais uma vez, me embrenhar nesse ninho:

– não gostava do Glenn Greenwald. Gostava do Sérgio Moro. Greenwald afirmou que os diálogos divulgados de Moro comprovam ilicitudes. O Ministério Público afirmou que os diálogos divulgados de Greenwald comprovam ilicitudes. Vi comportamentos inadequados em ambos os casos. Não vi ilicitudes. Continuo não gostando do Greenwald. Continuo gostando do Moro…

– o nazistinha com mania de perseguição satânica foi defenestrado e vai morar fora do país. É um alívio. Pena que ainda permaneçam por aqui tantos outros adoradores de genocidas com mania de perseguição divina…

– Regina Duarte foi convidada a assumir a Secretaria de Cultura. Conheço Porcina, Malu, a marmiteira que ficou rica (qual era o nome dela mesmo?) e algumas outras. Não conheço a Regina. Mas que ela é bem melhor que o nazistinha eu não tenho dúvidas…

– Greta Thunberg disse, em Davos, que diminuir as emissões de carbono é insuficiente, temos que zerá-las imediatamente. Foi aplaudida. Paulo Guedes disse, no mesmo fórum, que o pior inimigo do meio ambiente é a pobreza. Foi massacrado. Utopia por utopia, fico com aquela que não leva a humanidade de volta à Idade da Pedra…

– Abraham Weintraub se gabou no ano passado de ter feito o melhor Enem da história. Deu nota 10 a uma prova que ele mesmo não tinha finalizado. Não é de hoje que o nosso ministro anda errando nas correções…

– um lado faz piada com vítima de assassinato, o outro quer símbolos cortados à faca na testa de quem pensa de forma diferente. Não é à toa que a psicologia é considerada a profissão do momento…

– um dos filhos do Príncipe Charles anunciou que vai deixar a família real e se mudar para o Canadá. Torço para que isso se torne uma tendência e que outros filhos de outros governantes também façam o mesmo…

– não assisto a nada referente ao BBB. O último vencedor de que me lembro era um sujeito que tinha apelido de Alemão. Se você assiste, bom divertimento…

– “Democracia em Vertigem” vai concorrer ao Oscar. Estou torcendo para que ganhe. E que a Dilma esteja lá. E que suba no palco. E que discurse… em inglês…

Está na hora de ir embora pois já estou sentindo as ferroadas.

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Juntos…

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Juntos!

Assim encerramos mais um ano e iniciamos o seguinte.

Juntos como não estivemos durante alguns meses de 2019.

Juntos como não estaremos na maior parte de 2020.

Mas isso não importa.

2019 nos mostrou que estarmos juntos não tem nada a ver com a proximidade física.

Na verdade, neste ano aprendemos que a distância pode até nos aproximar.

E ela nos aproximou.

Nossos olhares nunca guardaram tanto significado nem foram tão duradouros.

Mesmo quando nossas palavras se tornaram desnecessárias, jamais nos falamos tanto.

Nossa admiração mútua, sempre presente, jamais havia alcançado tamanho grau de intensidade e de devoção.

Sentimentos corriqueiros e pequenas atitudes adquiriram um inédito senso de importância e passaram a ser compartilhados com uma frequência muito maior.

Aprendemos a nos ouvir com mais atenção e a valorizar ainda mais os nossos sorrisos.

Nossas dúvidas e incertezas não mais se camuflaram e se dissiparam mais facilmente.

Assim, próximos ou distantes, estivemos juntos como nunca no ano que hoje se encerra.

Assim, próximos ou distantes, estaremos ainda mais juntos no ano que se inicia.

Porque nem mesmo o tempo e a distância são capazes de afastar o que, em essência, só pode existir em comunhão.

Por tudo isso, sou especialmente grato ao ano de 2019.

O ano que me mostrou, na prática, que não há nada mais importante e mais poderoso do que o amor.

O ano que me relembrou das pontes que continuam interligando continentes.

O ano em que meu filho se tornou meu ídolo.

Que 2020 venha repleto de paz, de harmonia, de crescimento, de sucesso, de amizade, de encontros, de sorrisos e especialmente de gratidão.

Gratidão por estarmos juntos.

Gratidão por sermos cada vez mais próximos.

Gratidão pela consciência da importância de cada abraço, de cada beijo, de cada afago.

Gratidão pela plena compreensão de que só o aqui e o agora realmente importam.

Gratidão pela Vida.

Um 2020 abençoado a todos!!

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As pontes de amor e seus legados…

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Os tempos eram outros. As formas de comunicação praticamente se restringiam às cartas e aos telefones fixos e seus custos astronômicos. Não havia ligação gratuita e imediata para qualquer parte do planeta. Também não havia tecnologia que permitisse às pessoas ficarem “online” e as redes de televisão pagavam verdadeiras fortunas para que suas transmissões pudessem ostentar a tarja “ao vivo” na parte inferior da tela. Assim, o mundo acabara de testemunhar a queda de um muro em Berlim. Assim, a última seleção alemã acrescida de um ponto cardeal fora vista erguendo a Copa de 1990. Assim, acompanhávamos a poderosa União Soviética se desintegrando diante dos nossos olhos. Tempos em que meros mortais não podiam ser rastreados. Tempos, portanto, bem mais propícios para que uma viagem surpresa pudesse ser feita com a devida discrição.

Dirigindo meu carro em direção a Ouro Preto, custava-me acreditar que partira de Londres apenas algumas horas antes. Minha volta ao Brasil só deveria acontecer dali a dois meses e ninguém poderia imaginar que o desejo de passar o ano novo em família seria capaz de me fazer cruzar o oceano duas vezes em um intervalo de quatro dias. Aquela com quem me casaria 7 anos depois foi a primeira “vítima” da minha aparição, tão improvável que a deixara em dúvida se o autor da surpresa era alguém de carne e osso ou uma alma penada que dela se despedia, ao som da trilha sonora de “Ghost”.

O hotel em Ouro Preto possuía chalés espalhados pela propriedade e, poucos minutos após a minha chegada, já me encontrava escondido no andar superior de um deles. Lembro-me perfeitamente do meu coração palpitar ao ouvir as vozes dos meus pais se aproximando da porta de entrada. Com meus pais e meus irmãos no andar térreo – entre eles, o que fora meu cúmplice em toda a história – meu plano começava a ser colocado em prática.

Minha futura esposa os chamara com o argumento de que leria uma carta minha, recebida naquele dia, com instruções expressas para que fosse entregue a eles antes do ano novo. A carta era breve e falava basicamente do amor que nos unia e do quanto sempre foi importante estarmos juntos nas festas de fim de ano. Falava também de um sonho. O sonho de que uma ponte de amor entre Londres e o Brasil iria me permitir estar com eles na noite daquele Réveillon.

Desta vez, entretanto, minha aparição não deveria ser tão dramática. Eu não poderia correr o risco de ser confundido com um fantasma por alguém cujo coração já inspirava cuidados. Por isso, encerrei a carta com uma dica que me pareceu definitiva. Ao ouvi-la, meus pais certamente entenderiam que eu estava por perto. E assim aguardei, ansioso, que as últimas frases escritas naquele papel fossem pronunciadas: “…mas foi só um sonho… ou será que não foi? Só há uma maneira de vocês descobrirem: me chamem! Quem sabe eu não estou aí? Quem sabe eu não estou no andar de cima?”

Praticamente não houve intervalo de tempo até que eu ouvisse a voz da minha mãe, embargada pela emoção, gritar a plenos pulmões:
– Fernaandooo!
Ela sabe – pensei eu – todos eles sabem. Então gritei de volta:
– Ooiêêê – e desci rapidamente aqueles degraus.

As expressões que encontrei ali embaixo, entretanto, foram muito diferentes das que imaginara. Estavam todos estupefatos. Não, eles não tinham a menor ideia de que eu voltara. Minha dica infalível não valera de nada. Meu pai se aproximou de mim e parou por um momento, como se certificasse de que aquela pessoa era realmente eu, antes de mergulhar nos meus braços. Minha mãe, quase em choque, repetia frases desconexas e me abraçava em prantos. Meus irmãos se juntaram a eles naquele abraço, e aquele Réveillon se tornou o mais especial que trago na lembrança. Mais tarde, quis saber da minha mãe o porquê do seu grito, mesmo estando certa de que eu me encontrava a milhares de quilômetros dali. Sua resposta, desde então, faz parte da minha alma:
– Ora, filho, porque você me pediu.

Como filho, aqueles foram alguns dos momentos mais marcantes e mais gratificantes de toda a minha vida. E hoje, como pai, percebo o quanto a minha surpresa deixou marcas profundas nos corações daqueles que passaram suas vidas ensinando ao mundo a arte de construir pontes de amor. Queria tanto que eles fossem capazes de construir mais uma agora…

Hoje, é a minha vez de fazer o papel de cúmplice, para que meu filho possa vivenciar a emoção indescritível que experimentei há quase vinte e nove anos. Hoje, é a vez da minha esposa gritar o nome dele e chorar de alegria pela sua volta inesperada. E hoje, em algum lugar deste universo, sei que dois dos maiores construtores de pontes de amor que por aqui passaram estão sorrindo, felizes com o legado que deixaram!

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Vagas natalinas…

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– Bom dia, vim para o Natal deste ano.

– O nome do senhor, por favor?

– Jesus Cristo.

– Sim, mas qual deles?

– Não entendi.

– Estou me referindo às suas experiências como Jesus, seu currículo, onde o senhor nasceu…

– Nasci em Nazaré, é claro.

– O senhor poderia aguardar naquela sala junto com os outros candidatos?

– Outros candidatos? Candidatos a que?

– À vaga de Jesus Cristo, naturalmente.

– Mas eu sou Jesus Cristo.

– Querido, todos ali também são.

– Deus do céu!

– Perdão, as vagas para Deus do céu ainda não foram abertas.

– É só força de expressão. Mas deve estar havendo algum engano. Eu sou único.

– Que veio de Nazaré, pelo menos até agora, o senhor é o único mesmo. Ainda assim a concorrência está muito acirrada.

– Tem quantos candidatos?

– Deixe-me ver. Até agora tem dez, incluindo o senhor.

– Dez? Virgem santa!

– As vagas pra virgem santa já foram preenchidas. Se bem que a virgindade não foi usada nem como critério de desempate.

– Deixa pra lá. É que eu nunca tive que passar por uma seleção deste tipo antes.

– Os Natais estão acompanhando a diversidade do mundo moderno. Todos querem se sentir representados.

– Diversidade? Não estou entendendo mais nada.

– Vieram candidatos de todas as épocas e de todas as manifestações artísticas. Está vendo aquele baixinho de cabelo curto e sem barba?

– Sim.

– É o mais velho que apareceu por aqui. Veio do século IV depois de… bom, do senhor. Essas representações foram banidas a partir do século VI, quando o cristianismo adotou a imagem de Cristo com barba e cabelos compridos.

– E ele quer ser Jesus neste Natal, dezessete séculos depois?

– Tem gente que acha que aquela é a verdadeira imagem de Cristo.

– E aquele ali todo coberto com um pano preto?

– Aquele é do carnaval de 1989. Criação de Joãosinho Trinta. Foi censurado pela igreja do Rio de Janeiro.

– Censurado? Por quê?

– Porque mostrava Cristo vestido como mendigo.

– E o que há de mal nisso?

– Não sei lhe dizer, senhor. Mas outros ali também enfrentaram problemas do tipo.

– Quais?

– Bom, os dois Cristos americanos são de filmes condenados pelo Vaticano, aquele com vários braços estava em uma exposição que foi fechada no ano passado, os representados por pessoas negras e homossexuais foram perseguidos e aquele do fundo foi proibido por ser considerado “humano demais”.

– Não acredito.

– O último a chegar antes do senhor foi o Cristo que estava no filme de um grupo de humoristas. Muita gente está tentando tirar o filme do ar porque aquele Jesus foi seduzido por um Lúcifer gay.

– Todas essas versões minhas foram censuradas de alguma forma?

– Parece que sim.

– Mas nenhuma delas sou eu de verdade. As pessoas não entendem isso?

– Elas dizem que estão zelando pela sua imagem.

– Elas deveriam se preocupar mais com a minha palavra.

– Elas alegam que a sua palavra também está sendo deturpada.

– Sempre transmiti uma mensagem de paz e tolerância. E é bom que o meu nome esteja sendo usado para reflexões e questionamentos, para que uma pessoa possa sorrir ou simplesmente para que alguém se sinta representado. Muito melhor do que usá-lo para justificar conflitos e guerras.

– Muitos consideram algumas manifestações ofensivas à fé das pessoas.

– A verdadeira fé não deveria se importar com manifestações artísticas e opiniões alheias. Nunca exigi que todos cressem em mim.

– Bom, vou acompanhar o senhor até a sala.

– Não é necessário. Estou de saída.

– Por quê? Não vai mais participar da seleção? Acho que o senhor iria ganhar de lavada.

– Não preciso mais, filha. Já vi que estou muito bem representado.

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Conceitos deturpados…

O português é reconhecidamente uma língua complexa por suas variações verbais, temporais e de gênero quanto a substantivos, adjetivos e pronomes. É também uma língua, assim como tantas outras, repleta de palavras formais e sofisticadas. Por isso, em um país com escolaridade tão baixa quanto o Brasil, não é de se espantar que a maioria das pessoas ignore o significado de grande parte delas.

Existem muitas palavras, entretanto, sobre as quais não paira – ou, pelo menos, não deveria pairar – nenhuma dúvida. Ninguém deveria, por exemplo, se autoproclamar democrata num dia e defender ditaduras no outro. Ou condenar a censura numa situação para, minutos depois, aplaudir a apreensão de livros. Ou ainda exigir respeito no trato com seus interlocutores enquanto se permite sorrir quando alguém é xingado de égua sarnenta e desdentada. Atitudes como essas são tomadas apenas quando seus autores desconhecem o verdadeiro significado de palavras tais como democracia, liberdade e compostura.

Hoje, existe outra palavra ainda mais corriqueira que tem sido frequentemente usada de forma leviana: oposto. Sim, o mesmo que contrário, inverso, contraditório. Para os dois grupos mais barulhentos da atual sociedade brasileira, basta-lhes a alcunha de “opostos”. Como se um comportamento contrário a A fizesse de Z a opção correta, e vice-versa. Não faz! E o pior é que ambos não percebem que estão longe de serem realmente antagônicos. Na verdade, o entendimento que esses grupos têm de muitas das palavras da língua portuguesa é deturpado e assustadoramente semelhante.

Para A e Z, por exemplo, o oposto de ditadura é a “autocracia do bem”, não a democracia. O oposto de mentira é a visão ideológica do fato, não a verdade. O oposto de injustiça é a idolatria cega, não a lisura. O oposto de preconceito é a seletividade, nunca a igualdade. O oposto de cerceamento de opinião é a liberdade de elogios, não de críticas. O oposto de submissão é a libertinagem, não a inconformidade. O oposto de incompetência é a contemporização, não a eficiência. O oposto do politicamente correto é a truculência, não a ponderação. O oposto de erro pontual é a generalização, nunca a correção de rota. O oposto de estupidez é a própria estupidez duplicada, jamais a sabedoria.

Vivemos tempos em que a ignorância é tão comum que passou a ser tratada com desdém. Tempos em que ofensas passaram a ser usadas como argumentos, com direito a réplicas, tréplicas, memes, aplausos e troféus em forma de óculos escuros. Tempos em que o populismo justificou e banalizou até as agressões físicas de parte a parte. Tempos em que grosseria e ausência de bom senso se tornaram qualidades a serem destacadas nos currículos. Resultado de duas décadas de exemplos vindos de criminosos portadores de complexos de superioridade, pessoas com severas e irreversíveis deficiências cognitivas e fundamentalistas lunáticos com manias de perseguição. Todos glorificados, ungidos e santificados por aqueles que também desconhecem o conceito de civismo.

Enquanto isso, a maioria silenciosa da população brasileira continua torcendo para que A e Z consigam adquirir um conhecimento um pouco mais amplo da língua portuguesa. Mesmo que isso não seja capaz de alterar seus já viciados comportamentos, poderá servir para que, pelo menos, estes passem a ser chamados daquilo que realmente são, sem atenuantes ou disfarces. Quem sabe assim, com um mínimo de autenticidade, adoradores de A e de Z possam perceber que, durante muito tempo, estiveram simplesmente se mirando no espelho!

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