Gritos de dependência…

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E o 7 de setembro mais badalado dos últimos tempos finalmente chegou. Iniciamos hoje a contagem regressiva para os 200 anos da independência do Brasil. Há quase dois séculos, tornávamo-nos uma nação livre. Ao longo desses 199 anos, entretanto, nem sempre pudemos usufruir de nossa ansiada soberania. Vivemos muitas décadas de restrições, perseguições, cerceamentos e censuras nas mãos dos vários governos autocráticos que nos foram impostos. Mesmo assim, parte da sociedade brasileira insiste em deturpar e minimizar as ações dos líderes que calaram nossa voz. Os abusos cometidos por Getúlio Vargas (reverenciado há poucos dias por Lula, Ciro e outros setores da esquerda) e pelo regime militar (idolatrado incessantemente pelos adoradores de Bolsonaro), não foram suficientes para ensinar a esses brasileiros o conceito de liberdade. Infelizmente, nem todos aprendem com a história…

Hoje, parte desses brasileiros acha que vai conquistar uma independência para chamar de sua. Prometem sair às ruas vestidos de verde e amarelo, repetindo gritos de guerra patrióticos em defesa da liberdade e da democracia. Julgam-se defensores da família, da pátria, de Deus e da verdade. Acreditam ter sido ungidos pela luz divina e pela sabedoria humana. Assim, reivindicam para si a alcunha de “pessoas de bem”. Consideram-se os únicos e legítimos representantes do povo brasileiro e, como tal, pensam possuir procuração para “autorizar” o presidente a tomar as medidas necessárias – sejam elas quais forem – para aniquilar definitivamente quaisquer ameaças de comunismo, em especial aquelas em forma de pandemia, urnas eletrônicas, órgãos de imprensa, livros de educação sexual, movimentos sociais, partidos de oposição e membros do judiciário e do legislativo.

Hipócritas!

Vão, “brasileiros de bem”, invadam Brasília, tomem a Avenida Paulista, lotem a Praça da Liberdade. Disfarcem o quanto puderem a bolha em que vivem. Marchem, gritem, buzinem, mas saibam que o barulho de seus berros não produz eco. A “autorização” de vocês de nada vale. Na prática, seus esforços são tão inofensivos quanto as bravatas inconsequentes que seu ídolo costuma repetir todos os dias. Nenhuma ruptura ocorrerá.

O STF continuará praticando arbitrariedades, porque – ao contrário do que vocês pensam – não basta um cabo e um soldado para intimidá-lo. As duas únicas oportunidades viáveis e democráticas de renovação foram desperdiçadas pelo seu mito, que nomeou gente da mesma estirpe de muitos dos que lá estavam.

O congresso continuará a aprovar medidas irresponsáveis, sem se importar com a situação atual do país. E terão, como de costume, a bênção de um presidente fraco, populista, corporativista, e refém da distribuição de verbas, cargos e benesses. Sim, ele é parte do sistema. Sempre foi. Só vocês, nessa veneração cega e tonta, recusam-se a perceber.

As urnas eletrônicas serão utilizadas, como sempre, na eleição do ano que vem. Sim, haverá eleições, e qualquer ameaça de insurgência quanto ao resultado do pleito será rechaçado prontamente, não só pela polícia como pela sociedade. Acostumem-se à ideia.

O exército brasileiro não irá apoiar qualquer tentativa de ruptura institucional, mesmo porque – ao contrário de vocês – a imensa maioria da população brasileira repudia golpismos, principalmente quando o golpista é inepto, obtuso, incompetente, corrupto e sem nenhuma capacidade de liderança.

Governadores e prefeitos continuarão fazendo valer seu direito constitucional de determinar medidas de isolamento, e a CPI da Covid continuará apontando desvios de recursos, de conduta e de caráter, apesar de algumas figuras nefastas que a compõem.

Portanto, “brasileiros de bem”, fiquem à vontade para protestar. Gritem por uma democracia sem congresso, sem STF, com o executivo comandado indefinidamente por um incapaz. Peçam por uma liberdade que, no fundo, só quer calar a voz de muitos. Nada vai mudar, mas não desanimem. As manifestações de hoje irão mesmo entrar para a história. Afinal, sem elas, talvez jamais tivéssemos condições de identificar com exatidão quais de vocês apoiariam abertamente a implantação de uma nova ditadura militar no Brasil. Esse tipo de pensamento me dá nojo. Desse tipo de “patriotismo”, eu quero distância.

Feliz dia aos milhões de brasileiros que têm a mínima noção do significado da palavra independência!

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Planos para o feriado…

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Sete horas da manhã. Pressa, correria, afobação. Minha reunião iria começar em meia hora, e tudo levava a crer que – assim como eu – o trânsito acordara sem muita paciência. O elevador se abriu:

– Bom dia – saudou um dos meus vizinhos.

– Bom dia. Tudo bem?

– Tudo. Vamos pra batalha, né?

– É o jeito…

A conversa tinha tudo para terminar ali. Eu não estava com essa sorte toda.

– Mas batalha mesmo será no dia 7 – ele continuou.

Fingi-me de ascensorista de prédio comercial, e verifiquei quantos andares ainda restavam. Ele insistiu:

– Você vai na manifestação, não é?

Mordi os lábios. Graças às restrições da pandemia, apenas meus olhos revirados ficaram à mostra. Ele pareceu ter notado. Sua expressão de decepção foi tão evidente que nem sua máscara conseguiu esconder. Voltou-se para o mostrador na esperança de se livrar o mais rapidamente possível daquele discípulo de Marx, Che e Fidel. E nada do andar térreo chegar. Seu olhar de desprezo me irritou. De repente, minha urgência deu lugar à ânsia do debate. A pergunta feita ainda ecoava no ambiente. Eu tinha que respondê-la.

Pensei em lhe dizer que eu iria. Sim, eu iria, mas sob algumas condições.

Eu iria, mas o repúdio às arbitrariedades do STF deveria se repetir diante dos conchavos entre o presidente e o Ministro Dias Toffoli, que resultou no fim da “Lava Toga” e na paralisação das investigações das rachadinhas de Flávio Bolsonaro.

Eu iria, mas a revolta com a parcialidade do judiciário teria que se estender a um procurador geral nomeado (e agora, reconduzido) com o objetivo de desmontar a Operação Lava Jato, e blindar sistematicamente qualquer ameaça ao presidente.

Eu iria, mas as críticas a Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes, Lewandowski e tantos outros não poderiam poupar Nunes Marques, escolhido por Bolsonaro por possuir currículo e diretrizes semelhantes às de Augusto Aras.

Eu iria, se os gritos a favor da liberdade de expressão defendessem também os professores universitários amordaçados pela Controladoria-Geral da União, após terem cometido o “crime” de criticar o governo federal.

Eu iria, se a democracia exaltada pelos manifestantes repudiasse, com a mesma veemência, qualquer tentativa de golpe institucional, qualquer ameaça de cancelamento de eleições, qualquer insinuação de utilização do exército como força aliada na implantação de um governo autocrático.

Eu iria, se a aversão às ditaduras comunistas, tão enaltecidas por vários setores da esquerda, se estendesse a qualquer regime totalitário de direita.

Eu iria, se o asco provocado pela corrupção endêmica do PT se repetisse diante de uma família que desvia recursos públicos há décadas, que movimenta milhões em dinheiro vivo, e que usa a política como fonte de enriquecimento ilícito.

Eu iria, se a revolta contra o declarado controle da imprensa por parte de Lula se manifestasse também diante do financiamento público a órgãos de imprensa, blogueiros e jornalistas que se dispuseram a jogar por terra suas carreiras e reputações, em busca de dinheiro e do posto de ídolos de uma seita.

Eu iria, se a repulsa em relação aos bandidos que fazem parte da CPI da Covid não excluísse a revolta contra os desvios e omissões evidentes, contra o comportamento criminoso de um presidente que desestimula diariamente a vacinação de seu povo e boicota todas as medidas sanitárias preconizadas por seu próprio ministério da saúde.

Eu iria, se meus companheiros manifestantes se lembrassem do tempo em que marchávamos juntos por decência, ética, honestidade e competência. Quando entoávamos gritos contra o corporativismo, o presidencialismo de compadrio, a desinformação, a irresponsabilidade fiscal, a compra de votos disfarçada de bolsas e auxílios. Quando os gritos de “eu autorizo” – proferidos por outras vozes – eram sempre repudiados.

Acabei optando por não mencionar nada disso ao meu vizinho. Não tinha tempo, nem disposição e, principalmente, esperança de que alguns dos argumentos pudessem fazê-lo ter uma visão diferente sobre a atual situação do país. A porta do elevador se abriu e, antes de sair, eu lhe disse:

– Não vou nem a pau!

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Uma fábula tupiniquim…

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Brasilino acostumou-se às mudanças desde cedo. Avessos às raízes, seus pais estavam sempre dispostos a colocar o pé na estrada, na busca incessante do lugar ideal para se viver. Brasilino sabia que, por mais que estivessem felizes, e por melhor que fossem suas condições de vida, o desejo de morar em uma cidade ainda mais próspera e acolhedora os motivaria eternamente.

Nascido na segunda metade da década de 80, em um pacato vilarejo chamado Sarnéya, Brasilino não sabia o que era carestia. Os preços congelados dos produtos e os sorrisos estampados nos rostos das donas de casa – finalmente livres de uma inflação galopante – faziam parte de sua rotina. Sarnéya era um exemplo de engajamento comunitário, de espírito cívico, de união da população contra os malignos empresários que só pensavam em aumentar preços, numa afronta à harmonia vigente. Apesar de tudo, preços e harmonia se mantiveram, com bravura. As prateleiras ficaram vazias, é verdade, mas o povo – feliz – fez valer sua vontade.

Depois de rápidas passagens pelas vilas de Elba Collorida (lugar bem à frente de seu tempo, onde não existiam mais carroças e as pessoas não usavam mais dinheiro), e Topete Franco (em que o uso das roupas de baixo era facultativo), Brasilino e sua família viveram longos anos em duas cidades próximas. Em Formoso Horizonte do Cerrado, os pais de Brasilino começaram a empreender, animados com a estabilidade das moedas estrangeiras frente à local. Abriram uma pequena loja de equipamentos importados, mas não deram atenção aos alertas do prefeito sobre o iminente aumento do dólar. Os lucros cessaram. Mudaram-se, então, para o município vizinho: Cefalópolis. Arrojados, montaram ali uma empresa de limpezas residenciais. O negócio ia de vento em popa até que uma terrível escassez de mão de obra os desestabilizou. De um dia para o outro, as empregadas desapareceram. Soube-se depois que todas estavam de férias na Disney, mas, a essa altura, Brasilino já havia largado os estudos para socorrer seus pais. Em pouco tempo, deixaram tudo para trás e partiram, antes mesmo de verem concretizadas as melhorias prometidas pela companhia petrolífera da cidade, administrada como nunca antes na história daquela região.

Sem dúvida, o momento mais auspicioso de toda a família foi vivido em Sant’anta do Mandiocal. O lugarejo fervilhava com as inúmeras oportunidades, pleno emprego, inflação quase inexistente. Não faltava comida na mesa de ninguém, e as cooperativas regionais eram geridas com seriedade e competência. Àquela altura, Brasilino se virava sozinho e – apesar de ter herdado de seus pais a sede por novos desafios – chegou a pensar que viveria ali para sempre. Mas a região tornou-se destino de trilheiros de bicicross e, logo depois, apelidada de Meca das Pedaladas. A paz deu lugar à confusão. Entristecido, Brasilino partiu novamente. Sem rumo, ficou hospedado por um tempo na casa de parentes distantes, todos imigrantes da Transilvânia.

Há quase três anos, finalmente, Brasilino encontrou o que tanto procurava. Mora hoje na próspera e feliz cidadezinha de Mito do Ipiranga. Um local tão privilegiado, que passou incólume por uma epidemia devastadora. Talvez reflexo das medicações precoces só ali ministradas, que praticamente dispensaram o uso das onerosas vacinas que por pouco não comprometeram o orçamento municipal. Um lugar que cresce a olhos vistos, com inflação controlada, oportunidades de novos empregos a cada esquina, e cesta básica tão barata quanto qualquer fuzil na barraca da quermesse. Resultado da administração séria de um prefeito brilhante, democrático, conciliador, aberto ao diálogo e que pensa, única e exclusivamente, na liberdade de seu povo. De um secretário de economia que privatizou quase todas as empresas municipais, cortou verbas, acabou com os subsídios e encerrou o tempo das compras de voto disfarçadas de auxílios. Brasilino não poderia estar mais contente. Nada poderá abalar o progresso de Mito do Ipiranga.

Talvez seja só trauma, mas Brasilino parece preocupado com o número cada vez maior de trilheiros que andam circulando pela cidade…

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Atributos superfaturados…

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– Senhoras e senhores, atenção. A entrevista coletiva já vai começar e, desta vez, será organizada por temas. O presidente vai respond…

– Ex-presidente…

– Como?

– Ele não é mais presidente.

– Meu caro, pra quem foi o melhor da história – e vai voltar a ser -, o título sempre vale, entendeu?

– Entendi. Então posso chamá-lo de presidiário?

– Seguranças, por favor. Um a menos pra fazer perguntas por aqui. Mais alguém aí metido a engraçadinho?

– …

– Ótimo. Vamos começar. O primeiro tema será inflação.

– Bom dia, presidente. Estão dizendo por aí que a Dilma foi condenada mas quem pedalava era o senhor. Alguma dica pro fortalecimento das pernas?

– Meu filho, a pergunta era sobre inflação.

– E ele não anda inflacionando o mercado com aquelas coxas?

– Ele não é personal trainer, e é claro que não vai responder a uma pergunta idiota dessas. Próximo.

– Presidente, o que o senhor acha da tese que associa o crescimento do seu diâmetro femoral com o aumento da ferrugem nos pedalinhos de Atibaia?

– Que palhaçada é essa? Quem veio aqui pra fazer perguntas sérias? Você aí.

– Posso perguntar sobre eleições?

– Claro. Finalmente. Prossiga.

– Presidente, o senhor é a favor do uso das urnas eletrônicas no concurso das pernas mais bonitas da terceira idade?

– Ah, minha paciência acabou. Se ninguém for perguntar algo relevante, vou acabar com essa entrevista antes que ela comece. Maldita hora em que essa foto foi divulgada. Próximo.

– Presidente, como o senhor pretende fazer o eleitorado se esquecer dos roubos bilionários, do apoio às ditaduras, das propostas de controle da imprensa, das evidências de favorecimento ilícito, das conden…

– Pessoal, o presidente também tem muito a dizer sobre as vantagens das próteses penianas sobre o Viagra. Fiquem à vontade pra perguntar…

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Tem quem acredite…

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– Bom dia, sejam bem vindos ao “Mundo Repaginado”, o programa que entrevista os grandes líderes mundiais. Nosso convidado de hoje é o novo líder do Afeganistão, o mulá Habituallah Torthurah. Bom dia, mulá.

– Bom dia a você e a todos os afegãos, finalmente livres da opressão imperialista.

– Mulá, muito tem se falado sobre um novo Talibã. O povo afegão verá isso na prática?

– Já está vendo. Antigamente, jamais permitiríamos que cidadãos insatisfeitos embarcassem livremente nos trens de pouso ou nas asas dos aviões imperialistas.

– Isso é verdade. E quanto aos direitos das mulheres? Elas poderão continuar trabalhando?

– É evidente que sim. Agora sob a luz da lei islâmica.

– Que ótima notícia. E o que diz essa lei?

– Que mulheres não podem trabalhar.

– Nas duas últimas décadas, as mulheres também puderam frequentar escolas e universidades. Vocês vão mudar isso?

– Claro que não. Elas serão muito bem recebidas quando forem deixar e buscar seus filhos homens.

– Mas sempre usando burca, não é?

– Não estamos mais no século passado. As mulheres podem usar o que quiserem.

– Que bom.

– Claro que, se algum homem casado tiver pensamentos impuros ao vê-las, teremos que matá-las. A família está acima de tudo.

– Entendo. Falando de violência, vocês costumavam cortar as mãos de quem roubava. Essa prática será mantida?

– De forma alguma. Quem cometer crimes terá direito a um julgamento imparcial e a uma punição justa.

– Então será criado um novo departamento de justiça?

– Sim. Será presidido por mim, tendo eu como juíz e eu como examinador de quaisquer recursos. Um sistema moderno que vem sendo adotado até por alguns países ocidentais.

– O futuro do Afeganistão parece bem promissor.

– A felicidade do nosso povo é a nossa maior preocupação.

– Bom saber que essa é a sua grande meta.

– É… tá mais pra preocupação mesmo.

– Bom, chegamos ao final de mais uma entrevista. Na próxima semana, receberemos dois dos grandes líderes brasileiros. Lula paz e amor falará sobre como a roubalheira do PT é coisa do passado. Em seguida, será a vez de Bolsonaro discorrer todo o seu conhecimento sobre democracia, bons modos e a importância da ciência. Não percam.

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Amizades desvirtuadas…

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– Adélia, que cara é essa?

– Marlene, tô muito preocupada com você.

– Gente, por quê?

– Você não para de falar sozinha.

– O quê? Eu não falo sozinha.

– Fala sim, e muito.

– Você bebeu, só pode.

– Ah, é? Você começou falando sozinha no corredor dos cereais, depois ficou tagarelando um tempão em frente às carnes e agora na fila do caixa voltou a falar com o além. Não vem tentar me enganar.

– Amiga, agora quem tá preocupada sou eu. Eu só parei pra conversar com outras pessoas.

– Eu tava te vendo aqui de fora, Marlene. Não tinha ninguém do seu lado.

– Olha só, Adélia, primeiro eu cumprimentei a Ana Tainá, mas foi rapidinho.

– Nossa, aquela falsa? Vê se eu ia deixar de enxergar aquele entojo.

– Você não deve ter reconhecido. Depois fiquei conversando com a Rihana, que era nossa colega de academia.

– Nunca mais vi.

– Pois é, e agora no caixa tava falando com a Graça, lembra dela?

– Claro. A maior maria-vai-com-as-outras que eu conheço.

– Ela mesma.

– Só tem um probleminha, Marlene. Eu tava aqui fora o tempo todo. Nenhuma delas passou por aqui e eu vi que você tava falando sozinha.

– Adélia, rápido, abre seu Facebook.

– Por quê?

– Entra nas páginas das três.

– Calma…

– …

– Meu Deus, todas elas me bloquearam.

– Sabia. É por isso que elas não aparecem pra você.

– Mesmo aqui fora?

– Sim, lembra do Marquinhos, aquele babaca do meu vizinho de porta?

– Lembro.

– Bloqueei o sujeito. Nunca mais vi a cara dele.

– Menina, tô passada.

– Amiga, encare como um livramento.

– Será que mais alguém me bloqueou?

– Qualquer hora você acaba descobrindo.

– Marlene, não olha agora mas tem um cara ali atrás que não tira os olhos de você.

– Ah, é o Clóvis, um rolo que eu tive no mês passado.

– Ué, se vocês se conhecem, por que ele não vem falar com você?

– É que eu coloquei ele como restrito…

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As Olimpíadas nossas do dia-a-dia…

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As Olimpíadas mal terminaram e já tem muita gente sofrendo com síndrome de abstinência. Tolinhos. Nossas madrugadas têm tudo para continuar insones, graças às performances de nossos representantes nas mais diversas modalidades cotidianas. Preparem-se para vibrar com nossos ginastas, que prometem não poupar emendas e conchavos na busca das ansiadas medalhas de ouro, dólar e bitcoin.

As saudades do ciclismo ficarão para trás quando nosso ministro da economia (outrora conhecido como posto Ipiranga) começar a pedalar precatórios com uma energia de fazer inveja à antiga recordista mundial da prova, aposentada em 2016. Afinal, o turbinado bolsa-família (um dia chamado de bolsa-farelo) tem que dar as caras em ano eleitoral. Quem será páreo para o populismo?

Nossos bravos atletas da economia também prometem vir com tudo em busca do ouro no salto sobre o teto de gastos. O teto, na verdade, nem existe mais, mas vai virar pó mesmo no ano que vem, quando as verbas já empenhadas voarão bem mais alto do que as manobras do surf e do skate.

As competições do tiro serão tratadas com a seriedade que merecem. Depois de uma participação pouco inspirada em Tóquio, nossos representantes vêm com força total na prova do disparo de fakenews. Novas lives bombásticas garantem deixar até os adversários – muitas vezes campeões – parecendo iniciantes na modalidade.

A ginástica artística, novo xodó de todo brasileiro, manterá sua alta performance. Os contorcionismos prometem alcançar notas inéditas, e o lugar mais alto do pódio certamente será disputado entre aqueles que reclamam do autoritarismo enquanto apoiam suas ditaduras “do bem”, e aqueles que se dizem favoráveis à liberdade mas vão para a frente dos quartéis gritar: “eu autorizo”.

As patacoadas do VAR japonês também prometem continuar. Outros bandidos serão inocentados, provas contundentes e inquestionáveis serão anuladas, tréguas, acordos e almoços serão realizados, tudo para garantir mais um ciclo olímpico de muita impunidade e roubalheira.

O espírito olímpico de união e fraternidade parece não ter futuro em nossa competição nacional. Haverá gente capaz de torcer escancaradamente contra o sucesso de uma vacina, apenas para que seu possível adversário político não se beneficie; gente que finge se indignar com qualquer indício de corrupção, depois de minimizar as falcatruas bilionárias de seus ídolos; gente que se gaba de lutar por um país honesto, mas faz de conta que não existem provas de rachadinha e enriquecimento ilícito por parte daqueles a quem juraram adoração eterna.

A medalha de ouro na prova de fanatismo sincronizado é a única que já tem donos garantidos: irão para as claques que batem palmas da mesma forma, reclamam da imprensa com a mesma intensidade, passam pano para qualquer absurdo com a mesma cara de pau, e – pasmem – acham que são antagonistas. Nem irmãs siamesas seriam tão idênticas.

Portanto, amantes do esporte, não sofram com a falta da pira olímpica (tem muita gente por aqui com vocação para incendiário), com saudades dos desfiles das delegações (amanhã mesmo teremos uma parada de tanques que promete deixar pasmo até o democrático presidente da Coréia do Norte), com a ausência de grandes disputas que exigem o máximo do ser humano (lembrem-se do que nós, brasileiros, enfrentamos a cada dia).

Que as equipes entrem em campo. Mas, convenhamos, o duro será mantê-las dentro daquelas famosas quatro linhas…

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Carta ao mar…

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Belo Horizonte, 8 de agosto de 2021

Fernando,

Há quanto tempo não lhe escrevo. Há quanto tempo não lhe encaminho meus textos, ansioso por saber se as reações viriam em forma de palavras, sorrisos ou lágrimas. Há quanto tempo não compartilho com você minhas aflições, minhas alegrias, meus medos.

Tenho escrito muito, Fernando. Bem mais do que a última vez em que nos vimos. Como não poderia deixar de ser, muitos dos textos falam de você e do seu “Caminho para o mar…”. Quero muito que você os leia, um dia. Tenha certeza de que o legado da sua obra é rico, e, tantos anos depois, segue inspirando muita gente. Meu filho Arthur, por exemplo – lembra-se dele? –, tem um exemplar em sua mesa de cabeceira lá em Orlando. Sim, ele mora nos Estados Unidos agora, você não sabia? Partiu há dois anos em busca do sonho de se tornar cineasta. Quando se sente sozinho, ele abre seu livro aleatoriamente e lê o que você escreveu ali. Mesmo sabendo cada frase de cor, é como se estivesse lhe perguntando o que deveria ouvir naquele momento. E você sempre responde.

Quero ser capaz de escrever como você, Fernando. Quero que minhas páginas perdurem, e possam tocar corações indefinidamente, como se fosse eu a ditá-las a cada leitura. Quero saber traduzir o que existe de essencial no tilintar das taças, no entrelaçamento das mãos, no rumor incômodo do silêncio. Quero encontrar palavras que possam descrever o seu olhar. Leio e releio sua obra em busca de aprendizado. Hei de descobrir – um dia – a dar mais valor ao espírito da floresta, ao calor do sol, ao cheiro da terra e, principalmente, à paz que se respira na plenitude. Hei de aprender a contornar obstáculos, ao invés de confrontá-los. Hei de me tornar rio, Fernando.

Você tem ideia do quanto a sua obra marcou a minha vida? Tem noção de como suas palavras ainda me guiam? Seu livro permanece. Creio que você ficaria feliz ao saber disso. Posso lhe pedir que continue escrevendo? O mundo necessita tanto de sabedoria, de bom senso, de serenidade. Esquece, bobagem minha, essa é uma tarefa que não mais lhe cabe. É que os dias passam, e percebo que sei cada vez menos. É assim mesmo, Fernando? Ou ando fazendo tudo errado? É assim mesmo, pai?

Foi bom escrever para você. Tenho muito ainda a lhe dizer, mas vou deixar para as próximas cartas. Sim, prepare-se para receber muitas delas. Quem sabe uma resposta? Só uma, dizendo que o mar existe e é realmente pleno. Eu sei, perdoe-me, estou forçando a barra novamente. Fui inconveniente o bastante quando, naquela noite, lhe pedi para ficar. Não vou repetir o erro.

Até qualquer dia, Fernando. Mandarei notícias em breve.

Um grande e carinhoso abraço do seu xará.

P.S. Acho que você já sabe, mas jamais deixarei de ser seu fã!

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Queiroz olímpico…

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– Pai, você viu?

– Vi o quê?

– O Queiroz.

– Claro que não. Por quê? Apareceu alguma foto nossa juntos? É montagem daquela imprensa comunista, com certeza.

– Não, pai. Não é aquel…

– Aliás, você também tinha que manter distância. Vai brincando com fogo, vai…

– Não me encontrei com ninguém, pai.

– Então quem foi?

– Quem foi o quê?

– Que viu o Queiroz, porra.

– Pai, eu só vim te dizer que ele ganhou o ouro.

– Tô sabendo. Tive que dispor de uma barrinha que eu tinha no cofre. O cara deu umas indiretas no Twitter, sabe como é. Tenho que manter aquela boca fechada.

– Você não tá entendendo. Tô falando de medalhas.

– Ah, só faltava essa. Fala pra ele que não posso dar medalha pra mais ninguém, talquei? Gastei tudo com a Michele.

– Pai, o Queiroz tá no Japão.

– Ufa, que alívio. Agora ninguém acha ele mais. Sabia que aquele almoço ia me abrir algumas portas.

– É melhor você ligar a TV. Ainda dá tempo de ouvir o hino.

– No SBT ou na TV Brasil?

– É, pai… deixa pra lá. Amanhã alguém te manda o vídeo pelo zap.

– Outro vídeo? Ah, agora o filho da p#%@ do Barroso tá ferrado comigo…

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Um grande passo…

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Meu filho, mais uma etapa do seu caminho acaba de ser concluída. Ao decidir partir, lá atrás, você tinha pouca consciência do que iria enfrentar. Lágrimas rolaram, mas você soube transformá-las em sorrisos. Questionamentos foram feitos, mas você aprendeu a encontrar suas próprias respostas, a conviver com as incertezas. O medo da solidão o assustou, mas você se abriu para novos amores e amizades. Uma pandemia limitou suas opções, mas você soube fazer as melhores escolhas. Hoje, as privações que lhe foram impostas apenas dão sabor especial à sua vitória.

Olho para você, meu filho, e assisto ao mais inspirador dos filmes. Um filme difícil de ser classificado, mistura bem costurada de drama, aventura, comédia e até romance. Um filme feito por quem entende de cinema, e se recusa a ser espectador da própria vida. Um filme de superação, daqueles que saímos da sessão motivados a buscar nossos sonhos, por mais distantes que pareçam; daqueles em que o protagonista não se acomoda e segue à caça de novos desafios, ao mesmo tempo em que se descobre, se reconhece, se aceita; daqueles repletos de reviravoltas, de despedidas, de reencontros; daqueles em que o roteirista adiciona obstáculos, dando maior significado a cada conquista; daqueles em que o protagonista é tão carismático, que seu bom senso, sua bondade e seu sorriso são suficientes para lhe abrir as mais improváveis portas.

Quais serão seus próximos filmes, meu filho?

A tela à sua frente está em branco. Cabe a você inundá-la de imagens, sons, cores e texturas. Novos sonhos querem ser projetados, novas histórias esperam ser contadas, novas aventuras aguardam – ansiosas – o momento de tocar inúmeros corações mundo afora. Chegou a hora de revelar o seu olhar, Arthur.

O que você enxerga pela sua lente, meu filho?

Se forem dúvidas, permita que venham sempre acompanhadas de esperança. Se for ansiedade, deixe que a confiança e o otimismo lhe façam companhia. Se for saudade, lembre-se de que o nosso amor e nosso orgulho desconhecem o conceito de distância. Se forem arrependimentos pelas decisões tomadas, olhe em volta e veja o quão longe sua vocação o levou. Se forem receios em relação aos próximos passos, confie em seu coração. E, se for temor por não saber o que vem pela frente, meu amor, enfrente-o, e bem vindo à vida!

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