Hoje já é Natal, pai. Impressionante como o tempo voa, não é? Como acontece a cada ano, tem tanta coisa ainda a ser providenciada, você sabe. Muitos preparativos para a ceia, para a mesa. Presentes de última hora a serem comprados. A lista de todas as pessoas que a gente gostaria de ligar para desejar um feliz Natal. Nada muito diferente do que ocorre todos os anos nesta época. E parece que foi ontem o Natal passado, não é? O nosso primeiro Natal sem a mamãe. As rabanadas dela fizeram uma falta enorme, não foi? As castanhas portuguesas que ela gostava de comprar e que ninguém se lembrou. A preocupação com o ponto certo da carne, com aquele molho que só ela sabia fazer, com a textura do bacalhau que ela fazia questão de sempre colocar no cardápio da noite. Mas o que realmente fez falta foram o sorriso e a ternura dela. Faltaram as brincadeiras com os netos, o olhar emocionado no reencontro de todos os filhos, as orações preparadas para a meia noite, a mão sempre entrelaçada à sua, os abraços e os votos de saúde, de paz, de amor. Faltou ela!
Hoje já é Natal, pai. E, pela primeira vez, você não estará presente. Sei que ninguém vai sentir falta de algum prato que você costumava cozinhar e nem da sua supervisão dos preparativos para a festa. Essas tarefas nunca lhe couberam mesmo. Mas você não imagina a falta que a gente vai sentir quando formos brindar, ou a cada garrafa de vinho que eu abrir, ou a cada gargalhada que me fizer lembrar da sua. Você não imagina a falta que vamos sentir do seu silêncio, daquele olhar que observava tudo e que transbordava brilho e agradecimento pela união e pela alegria vivenciada. Aquele olhar que não precisava de palavras para transmitir sabedoria e mansidão. Mas as suas palavras farão mais falta ainda, pai. Vamos sentir falta das suas conversas com cada um de nós, das suas piadas, das suas brincadeiras, dos seus sorrisos suaves e desarmados, do seu carinho condescendente com cada neto. Vamos sentir falta de ouvir vozes de crianças chamando pelo Vovô Doce e pela Vovó Nilda. Vamos sentir falta das suas conversas tão divertidas com o Papai Noel, quando ele chegava cansado do Polo Norte e ainda tinha que distribuir todos os presentes. Vamos sentir falta das suas palavras nas orações da noite, e eu vou sentir uma saudade enorme de poder acariciar os seus cabelos enquanto você dizia, com imensa naturalidade, aquelas verdades que emocionavam a todos. Quantas e quantas vezes eu escutei cada uma dessas suas mensagens, e pedia silenciosamente ao meu Papai Noel, que me desse o presente de ter você mais uma vez conosco no Natal seguinte. E, durante muitos e muitos anos, o Papai Noel me concedeu esse presente. Até que chegou o momento em que essa opção não mais lhe cabia. Até que chegou o momento em que você mesmo entendia já ter dito tudo que precisava.
Hoje já é Natal, pai. E as palavras ditas por você ao longo de tantos anos ainda ecoam na minha mente, ainda aquecem o meu coração, ainda iluminam a minha alma. Há um ano, no nosso último Natal juntos, na última vez em que esteve na minha casa, você agradeceu a todos pelo amor e pediu a Deus que a gente continuasse sempre juntos, nos amando. “Nós somos amor, nós somos família” você disse. Nós somos mesmo tudo isso, pai. E hoje, um ano depois, se pudesse, eu gostaria de fazer apenas dois pedidos nesta noite de Natal. Um pedido a você e outro ao Papai Noel. Pediria a você que me transmitisse a sua capacidade de abrir caminhos, de guiar meus filhos, de tocar os corações das pessoas, de dizer verdades tão lindas a ponto de fazer, de cada Natal, um momento de redenção plena e coletiva. Ao Papai Noel, pediria apenas um breve e único instante.
Hoje já é Natal, pai. E sei que jamais serei capaz de tocar, com tamanha lucidez, os corações de tantas pessoas. E se, eventualmente, viesse a adquirir tal capacidade ao final da minha caminhada, sei que jamais poderia fazê-lo de uma forma tão doce e tão verdadeira quanto a sua. Restaria-me, portanto, apenas o pedido ao Papai Noel. Mas o instante que eu desejo é tão precioso, que sei perfeitamente que este é um presente que ele não teria como me dar. Um instante em que eu pudesse, mais uma vez, afagar os seus cabelos macios, mergulhar nos seus braços e sentir todo o calor que o seu amor transmite, olhar nos seus olhos doces e brilhantes e, lentamente, beijar-lhe a face. Não lhe diria nada, pai, pois tudo já estaria dito. Também não lhe pediria nada, apenas deixaria o instante passar, sorrindo, e segurando firme a sua mão. E esse instante seria eterno.
Hoje já é Natal, pai. E eu percebo agora que não sou capaz de contar os muitos instantes que estarão pra sempre comigo! E entendo agora o quanto o meu Papai Noel foi e é generoso a cada Natal. Afinal, ele me deu inúmeros e indescritíveis instantes com você. Por isso, o meu presente, deste e de todos os Natais que eu vier a comemorar, já foi recebido. E esse presente, pai, vai iluminar pra sempre todos os meus Natais, por toda a minha vida. Esse presente fará de cada Natal, um momento de felicidade plena, como todos aqueles que passamos juntos. E espero que assim seja, a cada ano, até o dia em que, finalmente, passe a ser a vez dos seus netos perceberem que o Papai Noel é muito mais real do que eles possam imaginar!