O descontentamento com o governo Dilma é quase unânime hoje. Apenas dez por cento da população aprova as suas decisões e sua forma de governar. Cada vez menos gente confia na presidente e quase ninguém acredita que ela será capaz de tirar o país da recessão profunda em que nos encontramos. Não vou perder meu tempo tentando entender por que motivo alguém ainda consegue aprovar um governo tão desastroso como esse. Mas, como dizem que toda unanimidade é burra, deixemos que esses poucos remanescentes sirvam para manter a percepção da sociedade brasileira inserida, pelo menos, em uma esfera estatística de inteligência. Além do mais, a análise que quero fazer é outra.
Mais da metade do eleitorado brasileiro já estava insatisfeito com o governo Dilma desde o ano passado. Tanto isso é verdade, que essa maioria não se mostrou favorável à sua reeleição. É bom lembrar que a quantidade de votos obtidos por ela foi menor do que o número de votos obtidos pelo Aécio somados aos nulos e brancos. E aqui se trata apenas de uma observação, pois esse fato, obviamente, não desmerece a eleição da presidente. Assim são as regras eleitorais e essas devem ser respeitadas. Minha atenção se volta agora para aqueles que se juntaram ao grupo dos insatisfeitos somente após a reeleição ter sido alcançada. Aqueles que deixaram de gostar da presidente a partir do momento em que ela passou, sempre de forma tímida e ineficaz, a tentar consertar as bobagens feitas desde o início do seu governo. Aqueles que se sentiram traídos, pois a então candidata havia prometido um Brasil próspero, com inflação baixa, com pleno emprego. Aqueles que acreditam ter sido justamente essa mudança de postura do governo a causa da imensa crise que estamos vivenciando. Aqueles que, enfim, esperam que a presidente volte a aplicar a política econômica do primeiro mandato e que abandone de vez a busca pelo ajuste das contas públicas.
Será que essas pessoas não percebem que foi justamente o conjunto de medidas tomadas nos primeiros quatro anos de governo o grande responsável pela crise de hoje? A inflação explodiu porque estava artificialmente contida. Os juros subiram ainda mais porque não deveriam ter sido reduzidos no princípio do primeiro mandato (na primeira das muitas interferências diretas do executivo nas decisões do Banco Central). A conta de luz disparou porque não deveria ter sido baixada por decreto, principalmente em um momento de crise hídrica. Os recursos desapareceram porque o governo aumentou seus gastos ano após ano, a ponto de ter que lançar mão de empréstimos ilegais junto a bancos públicos. As agências internacionais rebaixaram seguidamente a nota do país porque o descaso com o controle fiscal só aumentou desde o início do primeiro governo. E a situação piorou ainda mais no ano passado porque, ao invés de mudar de rumo, o governo aprofundou seus gastos e mascarou, deliberadamente, grande parte dos graves problemas enfrentados, com o único intuito de ganhar as eleições, no maior estelionato eleitoral já visto na história deste país.
Outro ponto que me chama a atenção, é que hoje se tornou lugar comum imputar ao congresso a maior parte das dificuldades que enfrentamos. Os defensores do governo Dilma afirmam que o comportamento da oposição apenas ajuda a aumentar a instabilidade econômica do país. Que as manobras indefensáveis do presidente Eduardo Cunha também contribuem, e muito, para a paralisia do governo neste momento de crise. Que a debandada de parlamentares do PMDB e de outros partidos da base aliada está deixando o governo cada vez mais isolado, em um momento em que precisava de apoio para promover as reformas necessárias. Que o atual congresso é o mais conservador e retrógrado dos últimos anos. E que a verdadeira responsabilidade pelo caos brasileiro é do congresso, e não das ações do governo.
Pois bem, apesar de concordar inteiramente com as críticas ao nosso legislativo, composto realmente de políticos que só sabem defender seus próprios interesses, faço duas ponderações para contra-argumentar essa última afirmação tão simplista e que busca apenas, e mais uma vez, reduzir o protagonismo do governo e da presidente na crise instaurada.
Em primeiro lugar, é bom lembrar que o governo hoje depende do congresso para a aprovação de medidas que visam corrigir decisões tomadas no passado. O estrago maior foi feito lá atrás, nos dois últimos anos do governo Lula e ao longo dos quatro primeiros anos do governo Dilma. Portanto, culpar o legislativo pela atual crise é esquecer que, em economia, as consequências de um conjunto de ações raramente são imediatas. Poderemos até vir a imputar ao legislativo a responsabilidade pelas dificuldades que enfrentaremos daqui a alguns anos. Mas jamais pelas de hoje.
Em segundo lugar, será que a rebeldia do congresso não se trata, na verdade, de mais uma grande incompetência deste governo? Estamos no primeiro ano do novo mandato e o executivo não conseguiu sequer eleger seu candidato para a presidência da câmara, logo após ter tomado posse. Não conseguiu, em nenhum momento, controlar e reorganizar sua base aliada. As poucas vitórias que conquistou foram graças à distribuição de mais cargos e poder, ou à custa de chantagens feitas aos deputados, tais como o condicionamento da liberação de verbas parlamentares à aprovação da flexibilização da meta fiscal votada no final do ano passado. E hoje, ironicamente, a presidente se coloca como vítima indefesa diante da chantagem explícita de outro cafajeste. E eu fico me perguntando quem é santo nessa história…
Não sei quais serão os desdobramentos do processo de impeachment recém instaurado. Apesar de considerar esta hipótese ainda improvável, estaria sendo hipócrita se dissesse que não torço para que a presidente seja afastada, pois não acredito que ela reúna a mínima capacidade de reconduzir o país ao caminho do crescimento e da prosperidade. Confesso que não tenho conhecimento jurídico e, portanto, não me considero apto a opinar se as muitas irregularidades praticadas são suficientes para impedí-la de continuar no comando do Brasil. Mas já li pareceres de grandes juristas defendendo tanto um quanto outro entendimento. Portanto, imagino que não seja uma decisão tão óbvia como os partidários de ambos os lados nos fazem crer. Além do mais, é sempre bom lembrar que a justificativa para o impeachment de Fernando Collor foi uma Fiat Elba. Justificativa essa que, muitos anos depois, foi derrubada pelo STF. Assim, fica claro que um impeachment não se restringe à análise de argumentos técnicos e jurídicos. É uma decisão de âmbito político. Sempre foi e sempre será. Ou paramos com a hipocrisia de chamar o processo atual de golpe, ou assim deveremos nomear todos os pedidos anteriores, invariavelmente comandados pelo PT!
Para o bem do Brasil, espero apenas que, independentemente do resultado do processo de impeachment, toda a sucessão de acontecimentos e debates vistos a cada dia sirva para promover uma verdadeira limpeza nos nomes e, principalmente, nas práticas adotadas pelos políticos deste país. Quem sabe, superado todo esse turbilhão, possamos finalmente nos reencontrar como uma nação mais madura, mais justa, mais honesta e mais democrática. Posso estar sendo até otimista demais, mas esse é o único cenário no qual reside a minha esperança. Mais do que isso, uma mudança no comportamento da nossa classe política é, na minha opinião, o único cenário que pode vir a reservar um futuro melhor para todo o povo brasileiro. Que façamos a nossa parte para que isso aconteça!