Narciso e seu espelho…

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A chamada no portal de notícias era impactante: “Caetano Veloso largou o liberalismo após conhecer Jones Manoel”. Confesso que fiquei intrigado. Quem seria Jones Manoel e que métodos de convencimento teriam sido capazes de fazer um dos grandes ícones do liberalismo brasileiro abandonar suas mais arraigadas crenças? Que segredos estariam agora guardados sob os muitos cabelos brancos na fronte do artista?

Pensei em quantas frases de Caetano a favor do livre mercado, do Estado mínimo e das garantias às liberdades individuais deixariam de ser pronunciadas daqui por diante. Pensei no que seria de Felipe Neto, Greta Thunberg, Chico Buarque e outros liberais em formação vendo seu mestre desertar. Pensei na população brasileira – quase toda adepta do liberalismo – a também se questionar: “por que não? Por que não?”

Não tive outra escolha a não ser assistir àquele vídeo. Li, em seguida, todas as informações que encontrei na tentativa de entender como alguém tão intrinsecamente liberal como Caetano pôde ser cooptado por uma ideologia tão distante de seus valores mais caros. Os argumentos do jovem youtuber teriam sido suficientes ou haveria alguma força estranha no ar?

Descobri que Jones Manoel é um militante comunista do Recife que cresceu com o peito cheio de amores vãos. Seu discurso inovador, capaz de arrastar olhares como um ímã, o transformou em referência para muitos. Humilde, ele se autodeclara um intelectual-marxista-leninista, fã de Che, Fidel, Cuba e Coreia do Norte. Nada poderia ser mais moderno. Seus posicionamentos em relação a Stalin também surpreendem, e sua admiração não o impede de fazer corajosas ressalvas aos pequenos equívocos cometidos. Um verdadeiro bálsamo benigno, um guru, um porto seguro em tempos de trevas.

Convenhamos, diante de tamanha lucidez, não é de se espantar que Caetano tenha aberto sua dura cabeça liberal. Eles, que a princípio se conheceram de forma virtual, tornaram-se grandes amigos. Quando Caetano convidou Jones para seu programa de entrevistas na plataforma Mídia Ninja – a Meca dos liberais brasileiros – a relação se estreitou. Ali, ambos viram, um no outro, o avesso do avesso do avesso do avesso. Ali, diante das câmeras, Caetano se transformou. Ali, tudo ficou claro como o sol sobre a estrada é o sol sobre a estrada é o sol.

Agora, Caetano e Jones são uma só voz. Ambos querem cantar que é pro mundo ficar odara. Ambos querem que os homens parem de exercer seus podres poderes. Ambos querem que todos vivam sem lenço e sem documento, nada no bolso ou nas mãos. Ambos querem que, um dia, o ideal comunista possa ser colocado em prática, e todos possamos cantar juntos nosso novo hino: “Felicidade foi-se embora e a saudade no meu peito ainda mora…”

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