Um dia qualquer, há vários séculos, em alguma monarquia pós-medieval recém-implantada…
– Com licença, Majestade. Permita-me cumprimentá-lo pelo estrondoso sucesso de ontem no Parlamento.
– O que houve ontem no Parlamento, Primeiro-Grão?
– Imperador Nazareno, o senhor não acompanhou a votação?
– Não tive tempo, PG. Estava tratando de assuntos mais importantes.
– Mas, Majestade, a lei votada ontem é a mais importante do seu governo até agora. Só com ela nosso reino poderá crescer e gerar riquezas daqui por diante.
– PG, nosso reino vai crescer de qualquer jeito sem aqueles eslavos vermelhuxus que emporcalharam essas terras por décadas.
– Sim, Majestade, mas lembre-se de que foram as promessas de melhoria da vida dos súditos que nos garantiram o apoio popular para a expulsão dos vermelhuxus.
– E como foi a votação?
– A lei foi aprovada por larga margem, Majestade. Agora ninguém mais recebe o bolsa-velhice antes dos 35 anos de idade.
– Ótimo. Acabou a vagabundagem. Mas os meus guardas ficaram fora disso daí, não é PG?
– Claro, Majestade. Como o senhor ordenou.
– Boas notícias. Agora posso voltar aos assuntos que realmente me preocupam.
– Fique à vontade, Majestade.
– PG, tem coisa errada demais nesse reino. Vou precisar de muitos anos pra consertar tudo isso daí.
– Se eu puder ajudar, Majestade.
– São problemas muito complexos, PG. Não acho que você tenha competência pra isso.
– De qualquer forma, estou ao seu dispor.
– Você acredita que o nosso reino cobra diárias de dez moedas de ouro de quem visita a Ilha Fernão de Norius?
– Sim, Majestade. Mas o dinheiro ajuda na preservação da ilha, não é mesmo? Acho que um dia esse negócio de preservação ainda terá grande importância.
– Tá vendo? Você não entende nada, PG. Essa cobrança é absurda. Vou acabar com ela.
– Como quiser, Majestade.
– Outra coisa, você sabia que tem lei proibindo crianças de andarem soltas nas carroças?
– Mas a lei não foi feita pra proteger as crianças?
– Claro que não. Foi feita pelos vermelhuxus pra patrocinar a roubalheira e a pouca vergonha. Vou acabar com ela também.
– Como quiser, Majestade.
– E também vou aprovar uma lei que deixa o súdito comum, o trabalhador, o homem de bem andar com sua própria espada e até sua própria lança.
– Majestade, mas uma lei como essa não deveria ser aprovada pelo Parlamento?
– O Parlamento tá cheio de vermelhuxus disfarçados e enrustidos, PG. Eu decido e pronto.
– A escolha é sua, Majestade.
– Por último, PG, mande chamar meu filho.
– Qual deles? O que está sumido?
– Que estava sumido, você quer dizer. Graças ao Grão Toffolus, ele não tem mais nenhum motivo pra se esconder. Mas quero falar com o meu filho poliglota.
– Agora eu fiquei na dúvida, Majestade.
– O mais novo, PG. Não é possível. O garoto fala cinco idiomas. Vou inclusive nomeá-lo nosso arauto no reino anglo-saxão vizinho.
– Vossa Majestade acha que ele tem qualificações suficientes? É um cargo muito importante.
– Claro que tem, PG. Além de poliglota, ele já caçou e cozinhou muito javali por aquelas bandas. E ainda é amigo dos filhos do Rei Orangeus. Não tem ninguém melhor.
– Vossa Majestade tem consciência de que essa decisão vai provocar muitas críticas, não é?
– Quando recebo críticas dos vermelhuxus é porque estou no caminho certo.
– Mais alguma coisa, Majestade?
– Não, PG. Pode voltar a cuidar das finanças do reino. Deixa que o que é importante eu resolvo.
– Sua percepção de prioridades é realmente assombrosa, Majestade. Volto para comunicá-lo das próximas votações.
– Mas avisa antes, PG. Não posso perder tempo com bobagens, talquei?