“Tostines vende mais porque é fresquinho ou é fresquinho porque vende mais?”
Ninguém jamais conseguiu decifrar um dos maiores mistérios da minha adolescência. Bons tempos em que minhas indagações filosóficas se restringiam ao universo dos biscoitos, dos ovos e das galinhas. Cresci, e a realidade do país se impôs com a sutileza de um rolo compressor, minando minhas esperanças de um futuro menos atribulado e – quem sabe – um pouco mais lúdico. O Brasil consegue desanimar até seus cidadãos mais otimistas. Faz tempo que estamos presos a um círculo vicioso que se retroalimenta indefinidamente, e os enigmas a serem desvendados agora são bem mais complexos.
A filosofia não foi a única a buscar argumentos que pudessem elucidar as razões de nosso carma social. Não é de hoje que a física nos ensina que para toda ação existe uma reação contrária de mesma intensidade. Aqui estamos, mais de três séculos depois, servindo de cobaias para as leis de Newton. A ideologia contrária à do presidente de plantão é sempre apontada como a solução para as mazelas do país. Assim, criminosos de direita e esquerda alternam-se no poder como se fossem contrapontos uns aos outros. Não são. Divergem apenas em questões rasas e pontuais. Unem-se no messianismo, no autoritarismo, no desapreço à democracia, no populismo que atiça a massa de fanáticos que os cultuam.
Hoje no poder, a esquerda posa de detentora de todas as virtudes. Não se trata exatamente de uma novidade. Desta vez, entretanto, a tarefa foi facilitada por um antecessor que desprezou a ciência, atacou as instituições democráticas, criou uma rede de desinformação sem precedentes, e fez o que pôde para instaurar uma ditadura militar no país. O atual governante, por sua vez, despreza os pilares básicos da ciência econômica, ataca as instituições independentes que se recusam a seguir sua cartilha, repete inverdades absurdas a cada discurso, e não esconde sua admiração pelas ditaduras perpetradas por seus aliados. Tudo isso depois de ter protagonizado um assalto sem precedentes aos cofres públicos. Até quando vamos nos contentar com opostos tão semelhantes? Até quando continuaremos apostando nos extremos, se nossa própria vivência já nos mostrou que o meio é o caminho mais viável?
Enquanto parte dos brasileiros se degladia para definir qual das duas seitas ocupará o executivo na próxima eleição, legislativo e judiciário mostram quem é que realmente manda no país. Estamos assistindo a um dos maiores movimentos de anistia à corrupção da história brasileira. Provas incontestáveis anuladas por detalhes técnicos. Réus confessos absolvidos e tratados como vítimas. Decisões arbitrárias que escancaram – sem nenhum pudor – o revanchismo pelo qual foram guiadas. Um dos raros avanços de nossa legislação eleitoral, a Lei da Ficha Limpa acaba de ser vergonhosamente distorcida para que um deputado que ousou ameaçar o sistema vigente tivesse seu mandato cassado. Ao mesmo tempo, liminares permitem que dezenas de políticos condenados em segunda instância – entre eles o todo-poderoso presidente da Câmara – exerçam seus cargos sem restrições.
O Brasil de hoje é, infelizmente, o retrato das escolhas desastrosas que temos feito ao longo das últimas décadas. A lei de ação e reação é mesmo implacável. O tempo passa, a luz no fim do túnel não dá sinal de vida, e a grande questão filosófica da atualidade permanece sem resposta: afinal, o brasileiro só elege bandido populista porque é burro ou é burro porque só elege bandido populista?