Não sei quantas vezes repetimos o mesmo ritual: com o quarto na penumbra, ele se esforçava para capturar o misterioso feixe de luz que ziguezagueava sobre o piso de madeira. Num piscar de olhos, o ponto iluminado pulava de um extremo a outro, e um sorriso denunciava o prazer do desafio. Seu olhar matreiro fingia não notar a pequena lanterna que eu escondia entre os dedos. Buscava, assim, prolongar a magia daquela improvisada caça ao tesouro. Chegada a hora de dormir, apagava-se o foco sob suas mãozinhas unidas em forma de concha.
“Consegui, papai. Eu segurei a luz.”
Dois meses passam rápido. Mas não rápido a ponto de evitar que o convívio se torne rotina, que o quarto vazio há quase quatro anos volte a ter proprietário, não apenas hóspede. De repente, as saudades passam a ser descritas no tempo passado, e as conversas do presente reavivam as trivialidades do dia a dia. É fácil nos acostumar aos “bom dia, papai”, “que filme vamos ver hoje?”, “topa uma pizza?”, “obrigado pelo papo”. A brevidade dos raros encontros dos últimos tempos, entretanto, insiste em nos lembrar de que, às horas, não foi apresentado o descanso. O amanhã parece distante até que o sol desponte no horizonte. Um dia – ante os primeiros sinais da aurora – ele se aproxima. Seu olhar encontra o meu, enquanto suas mãos se unem em forma de concha.
“Queria conseguir segurar o tempo, papai, mas ele escapa pelos meus dedos.”
Caminho pelo saguão repleto de sombras indecifráveis. O painel do aeroporto me lembra que – assim como meu filho jamais foi capaz de segurar a luz – ainda não aprendemos a parar o tempo. No turbilhão de emoções, torço para que um dia esse segredo tão bem guardado possa vir a ser desvendado. Bobagem. Os momentos perderiam seu propósito se pudéssemos escolher ficar presos a apenas um deles, por mais especial que fosse. A vida é feita de agoras tão breves quanto um suspiro, e o que a torna mágica é justamente sua constante renovação. Os agoras de encontros só são especiais porque os agoras de despedidas lhe servem de contraponto.
“É hora de partir novamente, meu filho. Obrigado pelos novos e inesquecíveis agoras. Não ligue para minhas lágrimas. Elas mostram que o agora está sendo bem vivido. E, por favor, perdoe minhas mãos unidas em forma de concha. Um dia elas hão de deixar de tentar…”