– Tem certeza de que é uma boa idéia?
– Claro. A gente não pode dar bobeira.
– Mas a mensagem tem que ser clara.
– Não clara demais, senão aqueles canalhas vão derrubar, principalmente o Xan…
– Não fale o nome dele.
– Foi mal.
– Todo cuidado é pouco. Estamos numa ditadura.
– Verdade. Bom, pensei em começar com essa aqui: “caminhando contra o vento, sem lenço e sem documento, no sol de quase dezembro, eu vou”.
– Isso é piada, né? Não tem mensagem nenhuma aí.
– Como não? Caminhar contra o vento é uma metáfora da nossa marcha de resistência.
– Nem eu nem ninguém ali sabe o que é metáfora.
– Tá bom, vou tentar ser mais claro. O que acha dessa? “Pai, afasta de mim esse cálice de vinho tinto de sangue”.
– Que diabos o alcoolismo tem a ver com a nossa luta?
– Não tem alcoolismo nenh… ah, deixa pra lá.
– Olha só, vamos simplificar. Os homens gritam “SOS”, e as mulheres gritam “forças armadas”. Não fica bom?
– Pobre e explícito demais. Você acha que o… ops, que ele deixa passar?
– Só sei que a gente precisa mobilizar aqueles patriotas. Nunca vi tantas pessoas de bem reunidas.
– Essa aqui é perfeita. É animada, e a mensagem é mais clara ainda: “apesar de você amanhã há de ser outro dia. Eu pergunto a você onde vai se esconder da enorme euforia. Como vai proibir quando o galo insistir em cantar?”
– Ah, para com isso. Quero lá saber de galo cantando? Quero mais é metralhadora cuspindo fogo e pondo ditador de toga pra correr.
– O galo não é literal. Representa um novo dia, uma nova esperança…
– Quer saber? Acho que a gente devia fazer um jogral só de mulheres. Cada uma fala uma frase curta. Tudo bem direto, sem… como é mesmo a palavra?… metáforas, né?
– Um jogral?
– Isso. E deixa que eu mesmo escrevo. Já vi que você não leva o menor jeito pra comunicação com as massas.