Gosto de trigonometria desde a época da escola. Muita gente chama isso de transtorno psicótico, mas prefiro creditar meus desvios comportamentais à minha vocação precoce para as ciências exatas. Agudos, obtusos, retos, rasos ou nulos, os ângulos sempre me fascinaram. Jamais escondi, entretanto, minha predileção pelo ângulo reto. Noventa graus são um bálsamo para quem sofre de TOC cartesiano, e, no fundo, todo mundo sabe que Pitágoras nunca teria alcançado o mesmo reconhecimento se tivesse baseado seus estudos em ângulos tão aleatórios quanto as alianças partidárias de um país como o Brasil.
Mas o tempo – e, principalmente, a política – vieram me mostrar que os graus que separam vetores perpendiculares são insuficientes para alterar nossos rumos. Pior ainda é perceber que estamos cada vez mais limitados às possibilidades de um único ângulo, ignorando alternativas evidentes até para aqueles que não mais se lembram de ter usado um transferidor alguma vez na vida. Eleição após eleição, parte significativa da população brasileira se orgulha de seu gesto-símbolo, enquanto desdenham daqueles que fazem – com igual orgulho – o sinal representativo de um suposto antagonista. Embora apresentem-se como opostos, os gestos são idênticos. Os noventa graus que os separam não conseguem esconder sequer as semelhanças daqueles que os ostentam. Gente arrogante a ponto de se considerar detentora de todas as virtudes. Gente que se autonomeia “pessoas de bem” de um lado, “defensores da democracia” do outro, mas que, na verdade, não passam de hipócritas dispostos a referendar qualquer atitude maléfica ou antidemocrática por parte dos bandidos que idolatram. Gente que se esforça para evitar que a política seja vista por novos e auspiciosos ângulos.
Não há nada mais pobre e ineficaz do que continuarmos alternando indefinidamente o “L” de ladrão e larápio, com sua variação torpe em forma de arminha. Trata-se de um ângulo obtuso por definição, mesmo que a geometria insista em chamá-lo de reto. Busquemos o oposto. Busquemos um ângulo que verdadeiramente possa se contrapor à podridão com a qual nos acostumamos nos últimos tempos. Se conseguirmos alcançá-lo um dia, o nome “raso” terá que ser revisto, pois estaremos diante de uma das mais profundas e necessárias mudanças da sociedade brasileira. Tomara que ela aconteça em breve. Ando cansado de – no fim – acabar me identificando com o ângulo nulo.