Sem açúcar e sem afeto…

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Chico Buarque afirmou que não vai mais cantar “Com açúcar e com afeto”, música composta a pedido de Nara Leão em 1967. O motivo? A letra fala de uma mulher submissa, permissiva, capaz de perdoar com facilidade as traições e o descaso do companheiro. Assim como a Amélia de Mário Lago (aquela que era mulher de verdade), a personagem imaginada por Chico carece de amor próprio. Sim – pasmem – na década de 60 havia mulheres que viviam relacionamentos abusivos. Ainda bem que elas não existem mais, não é mesmo?

O fato é que a letra – genial e repleta de ironias – levanta uma questão que, infelizmente, nos é corriqueira desde aqueles tempos. Mas não há apologia alguma à submissão feminina. Ao contrário, há críticas. Mesmo assim, Chico Buarque resolveu ceder à pressão do politicamente correto. “As feministas têm razão, vou sempre dar razão às feministas” – afirmou. Dessa forma, Chico mostrou – mais uma vez – que a voz corajosa que ludibriou os censores na ditadura militar não existe mais. Afinal, a mesma voz forte e altiva capaz de desafiar a opressão, o autoritarismo e a censura praticados pela direita é mais submissa que a personagem da canção quando se depara com a opressão, o autoritarismo e a censura oriundos da esquerda. É uma voz seletiva, e vozes seletivas perdem muito – muito mesmo – de sua força, de seu encanto e de sua credibilidade.

Mas eu, que ainda sou fã do artista (não do ser humano), quero me antecipar aos próximos cancelamentos de suas músicas. Se a coitada de “Com açúcar e com afeto” não pode ter vez, o que dizer das “Mulheres de Atenas”? Portanto, aqui vai a minha sugestão para que Chico não deixe de cantar essa obra-prima, agora com a devida correção que os novos tempos merecem:

“Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas
Livres de todo homem, machismo tóxico de Atenas
Cortejadas, não se conformam
Agridem, xingam, imploram
Por duras penas
Desprezadas, não se assustam
Gargalham, bebem, degustam
Farras terrenas, obscenas”

“Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas
Alheias a quaisquer homens, burros de carga de Atenas
Quando eles embarcam, aflitos
Elas celebram aos gritos
Sorriem apenas
E quando eles voltam sedentos
Em busca de seus alentos
Recusas plenas, serenas”

“Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas
Imunes a todo homem, sombras do orgulho de Atenas
São donas de seus narizes
E pintam de quaisquer matizes
Suas melenas
E quem pensa em persuadi-las
A depilar suas axilas
Terá problemas, centenas.”

Caso o autor aprove a minha sugestão – certamente bem mais adequada ao comportamento das pessoas que menstruam de hoje em dia -, segue também uma pequena amostra do que pode ser feito no caso da outra coitadinha que – em pleno século XXI – ainda rasteja por um homem (argh). Tenho certeza de que “Atrás da porta” ficaria também muito mais digna com as seguintes alterações:

“Quando olhaste bem nos olhos meus
E o teu olhar era de adeus
Juro que não acreditei
Eu te estranhei, e duvidei
Me levantei, me afastei
Comemorei, e me encontrei
E arrumei os meus cabelos
Pra te mostrar que já foste tarde
Até provar que já foste tarde”

Sim, sei que é muita pretensão da minha parte dar sugestões a um dos maiores gênios da MPB. Por isso vou ficando por aqui, antes que comece a pensar sobre qual tipo de flor devemos jogar na empoderada da Geni.

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