A vida parece passar devagar aqui em cima. O silêncio é abissal, e a primeira aurora do dia prepara suas cores. O brilho do sol ofusca meus olhos, mas estou imune a seu calor. Sou inalcançável. Vivi o bastante para me ver desafiar o tempo, a matéria e as leis da física que sempre limitaram minha existência. Sinto-me como se nadasse em um oceano sem água. Meus mares estão lá fora e parecem mais azuis à medida em que os primeiros raios despontam no horizonte convexo. Um só instante e percebo que valeram a pena todos os sacrifícios que fiz para estar aqui. O mundo se ilumina diante da minha janela e, maravilhada, vejo que não faço parte dele. Estou livre.
Poucos minutos depois, o ocaso já se faz presente. O sol brinca de pique-esconde com as demais estrelas. Lamento não ter trazido meus disfarces. Agora são as luzes das cidades que dão forma aos continentes entre as sombras. Já estive em todos eles em busca da paz que experimento agora. Cada mala feita carregava uma nova esperança de escapar da solidão que insistia em me receber na volta. Bocas, corpos e suores jamais me saciaram. Não os culpo. Nenhum deles tinha aquele sabor.
A lua se aproxima e seu lume clareia o pequeno compartimento em que me encontro. Lembro-me da noite escura em que corria a esmo em seu encalço. Quisera eu que o luar o tivesse iluminado assim. Estou certa de que não o teria perdido de vista, que o teria obrigado a ficar. Ele sempre me obedecia. Amaldiçoei a lua naquela madrugada. Tantos anos depois, venho até ela para lhe pedir sua bênção final.
O próximo alvorecer deixa claro que a vida se repete, mesmo na estratosfera. Minhas férias do mundo são tão efêmeras quanto quaisquer outras. Quero férias da vida. Um meteoro se inflama ao penetrar a atmosfera à minha frente. Não tenho mais idade para crer em estrelas cadentes, mas meu pedido acompanha o rastro de fogo que desaparece no infinito. Sei que não serei atendida. É tarde demais.
Cresci com a certeza de que o mundo estaria ao meu alcance. Quando se tem dinheiro para comprar até uma viagem pelo espaço, a vida deveria ser bem mais fácil. Por que não foi? Todos os meus bens me parecem agora tão pequenos. Não sei se tenho forças para consumar o que me trouxe até aqui. Quero abrir a escotilha e vagar sem rumo no vazio, com a galáxia a me fitar. Hesito. Sou fraca, afinal. A imagem poderosa e dominadora que adotei sob a gravidade de nada me serve agora. Não há ninguém para temê-la. A hora do retorno está próxima. Sei bem o que me espera lá embaixo.
Outro meteoro se aproxima. Um novo rastro de fogo está prestes a cortar os céus da Terra.