– Mandou me chamar, presidente?
– Mandei, ministro. Você acabou de entrar pro time, e já preciso da sua ajuda.
– Pois não. Do que se trata?
– Teve gente que ficou decepcionada com a minha live de ontem. Disseram que eu não apresentei provas das fraudes nas eleições.
– É, eu vi a repercussão…
– Tudo culpa dessa imprensa esquerdista que ignora as evidências incontestáveis que eu apresentei.
– E como eu poderia ajudá-lo, presidente?
– Quero elaborar um projeto de lei determinando que indícios podem ser usados como provas.
– Presidente, o código penal brasileiro já contempla essa possibilidade.
– Então por que quase ninguém levou a sério o que eu disse ontem?
– Acho que foi porque o senhor fez só uma coletânea de vídeos de whatsapp.
– E quem disse que vídeos de whatsapp não são confiáveis? Aliás, esse vai ser o primeiro item da minha lei, talquei?
– Primeiro item?
– Isso. Vídeos espontâneos da população têm que ser aceitos.
– A lei também já prevê isso.
– Menos para os vídeos dos meus seguidores, né?
– É que todo indício tem que ser periciado antes de ser considerado válido.
– Bobagem. Quero acabar com essa palhaçada. Anota aí o segundo item: as perícias estão dispensadas.
– Mas, presidente, não vai ser fácil aprovar uma lei dessas…
– Claro que vai. Tô dando credibilidade e voz ao povo.
– Mas a lei valeria também pros seus adversários, não?
– Bem lembrado. Terceiro item: comunistas são inimigos do povo. Vídeos de comunistas jamais serão aceitos.
– Comunistas?
– Sim. Pode colocar no quarto item: no tocante ao item anterior, comunistas são aqueles que não me chamam de mito. Acho que assim fica claro e democrático.
– Presidente, isso não vai dar certo. Vídeos, testemunhos, evidências, essas coisas só têm valor se fizerem parte de um processo, de uma investigação.
– E não foi o que eu fiz? Coloquei um analista de inteligência pra esclarecer tudo, um PHD em informática pra desvendar o programa fraudulento, um estudioso político pra mostrar os absurdos da apuração. Quer mais o quê?
– Com todo respeito, presidente, mas o seu ”analista” é um coronel pau-mandado, o “PHD” é um analfabeto que tava brincando com o computador da casa dele, e o “estudioso” é um astrólogo especialista em fazer acupuntura em árvores.
– Nessas horas ninguém liga pro meio-ambiente, né?
– Vai por mim. Não perde tempo com isso.
– Tá bom. Posso pelo menos fazer uma lei que impeça meu impeachment?
– Ah, essa é fácil. É pra isso que eu tô aqui… mito!