Muros…

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Incansáveis, brasileiros de todas as correntes esforçam-se para aumentar o muro de hipocrisia que nos rodeia. Põem-se de costas para suas obras e se comprazem em denunciar os muros alheios, igualmente altos, igualmente invisíveis aos olhos de seus mentores. Culpam as paredes distantes pela falta de luz, mas ignoram as sombras que seus próprios muros projetam. A cada falácia replicada, a cada absurdo minorado, novos e robustos tijolos aumentam nosso enclausuramento.

Há os que condenam aglomerações em tempos de pandemia, mas não se acanham em glorificar aquelas que defendem seus ideais. Há os que se indignam com o tratamento rude dado a uma mulher, depois de anos seguidos de ofensas dirigidas àquela que não os representava. Há as defensoras que fecham os olhos para o assédio e o machismo quando não concordam com o que a vítima tem a dizer. Há as emissoras de TV que se revoltam apenas com a realização de competições cujos direitos de transmissão não lhe pertencem. Há aqueles que aprovam a vinda de competições em momento inadequado, simplesmente para que a hipocrisia alheia possa ser confrontada. Há aqueles que se opõem ao enriquecimento ilícito dos filhos do governante inimigo, mas não dão a mínima quando os bandidos são filhos de seu político de estimação. Há os que incriminam a idolatria cega, mas aplaudem todas as atitudes do mestre de sua própria seita. Há os que defendem o fechamento de instituições em nome da democracia, os que veneram ditadores em nome da liberdade, os que pensam que “a incoerência do bem” não constrói muros. Tolos hipócritas.

Tenho consciência de que, muitas vezes, somos incoerentes sem que percebamos. “Foi só desta vez”, “todo mundo erra”, “os outros também fazem”, “é por uma boa causa”. Desculpas como essas são comuns quando avaliamos comportamentos condenáveis de afins. A mesma tolerância é inexistente quando analisamos os díspares. Mas o problema maior acontece quando deixamos de refletir sobre nossas próprias digressões e, assim, permitimos que se insiram no nosso caráter. Nada mais perigoso para que o muro de hipocrisia continue a crescer.

Chegou a hora de nos comprometermos com a coerência. Que possamos opinar com base apenas em ações, independente de seus autores. Que não permitamos que nossos valores possam ser subjugados ou contextualizados. Que saibamos separar nossas ideologias de nossa capacidade de discernimento. Que fiquemos, portanto, atentos aos muros que construímos.

Não é por nada não… mas está ficando cada vez mais escuro por aqui.

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