Quem me acompanha sabe que sempre uso o humor e o sarcasmo para denunciar os absurdos que vivenciamos todos os dias no Brasil. É a minha maneira de dizer o que penso, de condenar posturas hipócritas e contraditórias, de alertar para comportamentos que considero inaceitáveis. Nunca tive receio de externar minhas opiniões, de ser voz dissonante. Ao mesmo tempo, jamais tive apreço por verdades absolutas. O debate me motiva, as opiniões contrárias me atentam para outras possibilidades, a visão do outro – com frequência – ajusta a minha.
Mas tudo tem limite.
Vejam a celeuma em torno da proibição de cultos e celebrações, em discussão pelo pleno do STF. Quem, em sã consciência, pode ser favorável à liberação de uma atividade evidentemente não essencial no momento mais grave da pandemia? Bolsonaro enviou sua tropa jurídica ao Supremo, seus “jornalistas” e ex-jornalistas-em-atividade à imprensa, sua claque de fanáticos ao Twitter. Todos incumbidos de defender a “liberdade religiosa do brasileiro”.
Tenham santíssima paciência.
A proibição é temporária e se dá por questões sanitárias. Temos mais de 3 mil mortes diárias, o sistema de saúde está em colapso, há filas nos hospitais de todas as regiões do país. Não é possível que as pessoas continuem se recusando a enxergar isso. Nenhuma religião está sendo censurada e nem há campanhas diabólicas para que Deus seja esquecido. O fato é que concentrações de pessoas devem ser evitadas neste momento. “Ah, mas o baile funk da periferia continua” – denuncie, então, toda aglomeração clandestina. “Ah, mas as igrejas respeitam o distanciamento” – algumas tem estrutura e espaço para isso, mas a maioria não. “Ah, mas os ônibus vivem lotados” – sim, e a solução é aumentar o número de passageiros em circulação? “Ah, o presidente só está defendendo o nosso direito de ir e vir” – não, o objetivo de Bolsonaro é atender aos interesses de seus guetos eleitorais. “Ah, mas os fiéis sentem-se melhor quando vão a cultos e missas” – as celebrações online estão aí exatamente para suprir essa carência.
Estamos vivendo tempos complicados. Vamos focar nossas energias em questões realmente importantes, que mereçam ser debatidas. Saibamos reconhecer e condenar as atitudes populistas e demagógicas, as birrinhas ideológicas, as cortinas de fumaça que nos afastam dos verdadeiros problemas. Como dizia minha avó: “muito ajuda quem pouco atrapalha”. Convenhamos, o que não falta neste país é gente disposta a atrapalhar!