Revoluções pós-pandemia…

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Sim, eu sei, você não aguenta mais ler textos sobre como será a vida pós-pandemia, não é? Afinal, ninguém realmente sabe o que irá mudar, qual será o nosso novo normal. Eu tampouco, mas não resisto a fazer algumas especulações a respeito.

Imagino, por exemplo, que alguns donos de restaurantes desistam de seus negócios ao perceberem que ganham mais – além de terem custos e preocupações infinitamente menores – divulgando suas receitas no Instagram. Talvez chefes de escritórios de consultoria, telemarketing, informática e até advocacia optem por incentivar muitos de seus colaboradores a trabalharem em casa. Escolas de idiomas certamente se verão forçadas a abrir aulas online para atender à demanda daqueles que se adaptaram muito bem ao sistema emergencial adotado hoje. Redatores e jornalistas também poderão perfeitamente continuar escrevendo suas matérias do conforto de suas casas. E até sessões de psicanálise poderão ser feitas à distância na maioria das vezes.

As possibilidades são muitas. As certezas, pouquíssimas.

A única certeza que eu tenho é de que haverá uma revolução na escrita brasileira. Na verdade, essa revolução não é consequência direta da pandemia, mas certamente foi antecipada em virtude de suas repercussões.

Repare, não há um único texto escrito hoje cuja mensagem esteja realmente clara a todos. Alguns escritores imputavam esse fato à falta de instrução do nosso povo, ao péssimo ensino público do nosso país. Mas essa possibilidade foi descartada quando se constatou que, entre os que apresentavam a maior incapacidade de compreensão, estavam justamente os mais instruídos. Aqueles que frequentaram as melhores escolas, que se graduaram e que sempre tiveram acesso a uma vasta cultura. Se pessoas tão esclarecidas não conseguem interpretar artigos corriqueiros, certamente a responsabilidade está nas mãos dos autores, não dos leitores. Não há outro caminho, os textos têm que evoluir.

O grau de adaptação a que os novos textos deverão ser submetidos é a grande incógnita do momento. A equipe de especialistas que se debruça diuturnamente sobre o assunto planeja lançar em breve um app que auxilie os leitores a interpretarem textos de forma correta. Basta que o usuário clique na frase mal compreendida para que uma nova janela se abra com longas listas de explanações.

Os especialistas cogitam, inclusive, a possibilidade da contratação de artistas plásticos para que desenhos artísticos ou esquemáticos venham a facilitar a compreensão dos leitores, digamos, menos privilegiados intelectualmente.

Diante do grande sucesso verificado em uma recente reunião ministerial, já se fala também em uma função opcional que transforma expressões sofisticadas em palavrões, bem mais fáceis de serem absorvidos e compreendidos por boa parte do público. Naturalmente, essa função mais avançada do app deverá ser paga à parte.

Cada autor será responsável por fazer as observações que considerar convenientes em suas obras. Assim, textos meus com críticas ao Bolsonaro, por exemplo, terão avisos do tipo:

“não, o autor deste texto não é comunista”;
“não, o autor deste texto não quer de volta as roubalheiras do PT”;
“não, o autor deste texto não acha que apontar os erros do governo vai fazer a esquerda voltar ao poder”;
“não, o autor deste texto não é contra a cloroquina. Ele só é contra um presidente exigir a liberação de um medicamento que não foi aprovado pela sociedade médica de nenhum país do mundo”;
“não, o autor deste texto não vai assinar um documento afirmando que, se contaminado, não aceita ser tratado com cloroquina porque quem define formas de tratamento são os médicos”;
“não, o autor deste texto não vê motivos para moderar seu linguajar pois nunca o fez nos tempos em que o PT estava no governo”;
“sim, o autor deste texto acha no mínimo estranho que o leitor demonstre indignação com ofensas ao presidente depois de aplaudir cada palavra dita na reunião ministerial”;
além de outros mais específicos aos contextos.

A equipe de especialistas promete não parar por aí. A segunda geração do app trará uma função muito mais refinada: o detector de ironias. Mas não se empolgue, em um país como o Brasil, tem que ser um passo de cada vez…

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