Ensaio sobre a morte…

Desde que me entendo por gente busco compreender a minha própria existência. Às vezes essa busca ocorre de uma forma mais ativa, propositalmente inundando minha mente com perguntas que eu não sei responder. Em outras, meu sono se perde em meio a tantas respostas para as quais não fiz nenhum questionamento. Seja qual for o momento em que me encontre, cada vez mais percebo o quão longe estou de qualquer conclusão que me satisfaça. E cada vez fico mais certo de que não a encontrarei tão cedo, mesmo quando agonia e alívio se misturam diante de uma quase resignada impotência. Talvez porque não exista uma única resposta para o que se procura. Talvez porque o que realmente conta seja a busca em si, e não seu capítulo derradeiro. E talvez porque a gente só passe a compreender realmente a vida depois de conhecer e entender a morte.

E não é que, de uma hora para outra, a morte passa a ser companhia frequente? Logo eu que sempre a tratei com cerimônia, jamais lhe dando motivos para que se sentisse muito íntima. Durante muitos e muitos anos meus encontros realmente próximos dela vieram através da minha avó materna e de um garoto lindo que me chamava de Nando. Esses dois primeiros encontros não me fizeram ansiar por outros, mesmo reconhecendo que, em ambos, sua face não tenha me assustado. Apesar de terem deixado os meus em lágrimas, seus olhos escuros não conseguiram esconder o amor que havia por trás daquelas tarefas tão difíceis de serem interpretadas.

Desde então, passei a repetir para mim mesmo, numa tentativa de postergar o inevitável, que meu encontro seguinte com ela estaria ainda longe de acontecer. Pura bobagem, afinal, longe ou perto é só uma questão de ponto de vista. Para mim, por maior que tenha sido o intervalo, foi rápido como o dia que se segue a cada noite. E, de repente, eu percebo que a face dela não mudou. Percebo que seus olhos continuam os mesmos, incapazes de esconder o amor, mas, mesmo assim, tão eficazes em inundar os meus. E foram dois encontros furtivos, daqueles que aparentam ser fora de hora, guiados por dois anjos, um pequenino de olhar doce e cabelos encaracolados, e outro maior, de olhos azuis-turquesa tão lindos que fizeram com que o olhar dela parecesse ainda mais sombrio. Uma vez mais, o tempo não significava nada. Uma vez mais, repeti tolamente que o próximo encontro estaria distante.

Acho que só para me contradizer, até por pirraça, veio – logo em seguida – o primeiro dos encontros para os quais eu sabia que precisava ter me preparado. Ao invés disso, dessa vez eu não queria encarar os olhos dela. Não queria perceber o amor que sabia existir ali. Não queria nada que pudesse justificá-la, humanizá-la, resgatá-la do meu pré conceito de tirana impondo sua força. Mas, mesmo tendo esse encontro ocorrido graças àquela que me acalentava quando muitas das minhas próprias perguntas me tiravam o sono, não consegui evitar o seu olhar. Ainda assim, seus olhos escuros me transmitiram um amor tão grande, que nem mesmo as minhas próprias lágrimas puderam deturpar. Eu estava rendido. Ainda estou…

Hoje, ainda que não anseie por novos encontros, tenho plena consciência de que eles virão, e em um tempo que, independentemente de números, será considerado breve. Mas, por mais que eu saiba que vou sempre encontrar o amor nos olhos dela, temo que o próximo encontro venha a ser o mais doloroso de todos até agora. Sei também que ela, embora ciente do seu tempo, é a única que realmente anseia por esse momento, pois o olhar que vai encontrar é tão límpido, que fará com que seus olhos escuros brilhem como poucas vezes ela mesma tenha experimentado. E eu, do alto da minha completa impotência e conformidade, peço humildemente à Vida que postergue ao máximo esse encontro, pois ainda existem aqui muitos olhares, hoje opacos, que precisam do olhar límpido para poder brilhar novamente, antes de estarem prontos para encarar aqueles olhos escuros, repletos de amor, vistos inevitavelmente através de mais uma cortina de lágrimas.

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