Reflexos…

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Deitado de bruços sobre o granito que reveste o banco da sauna a vapor do edifício onde moro, abro os olhos lentamente. Na lâmina d’água que se forma sobre a pedra, observo o reflexo distorcido do meu próprio rosto. Distorcido pela água que se movimenta a cada respiração. Distorcido porque a imagem que contemplo em quase nada se parece com aquela que costumava ver quando deitado junto à piscina que marcou a minha infância…

Era uma piscina simples, retângulo perfeito que se posicionava à frente da sede do sítio do meu padrinho. Seu deque, coberto de pedras São Tomé irregulares, tinha um caimento pequeno. Quando eu saía da piscina e me deitava sob o sol para me aquecer gostava de ver meu reflexo na lâmina d’água que se formava a partir das gotas que caíam do meu próprio rosto. O céu azul atrás deixava meus olhos na penumbra, mesmo assim eu conseguia perceber o quanto brilhavam. E eu admirava o caminho que a água percorria através dos rejuntes de cimento em torno das pedras, como pequenos rios que contornavam continentes disformes de areia batida. Muitas viagens fiz naqueles breves minutos de contemplação. Olhando para trás, acredito aqueles terem sido meus primeiros momentos de meditação. Uma meditação involuntária e natural, quando simples gotas d’água conseguiam me levar a mundos e tempos distantes. Quando o reflexo da minha própria imagem era capaz de esvaziar a minha mente. Relembro meus problemas e preocupações da época: as provas escolares tão difíceis, o relacionamento conflituoso com colegas com quem não tinha afinidade, a minha autocobrança por me sentir exemplo para meus irmãos menores. Desafios que, na época, pareciam-me quase intransponíveis. Deitado hoje, ainda consigo ouvir ao longe as conversas alegres do meu padrinho Hélio, minha tia Flávia, minha avó Bili, meus primos e irmãos, meu pai e minha mãe. É impressionante como uma simples postura pode ativar tão vividamente memórias cada vez mais longínquas. Chego a sentir a paz daquele lugar, a brisa leve sobre o meu corpo. Se levantar os olhos, sou capaz de apostar que verei as palmeiras e o caminho sinuoso que levava à entrada do sítio. É um lugar que vive dentro de mim a todo instante…

Como num piscar de olhos, vejo-me deitado à beira da piscina que testemunhou as maiores mudanças na minha vida. O revestimento agora é de cerâmica e a água preenche rejuntes retos e perpendiculares entre si. O caimento é um pouco maior e, em função disso, os rios recém formados tornam-se velozes e caudalosos, embora breves e efêmeros. Também parecem ser mais rápidos os acontecimentos vividos em torno daquele lugar. Desde o seu planejamento e sua construção, aquele passou a ser meu porto seguro, o local perfeito de encontro com a minha família. As vozes que escuto estão mais próximas e ainda mais vívidas. Meus pais, meus irmãos, minha esposa, minhas cunhadas e meus amigos. Com o tempo, somaram-se a essas os sons emitidos por inúmeras crianças. E, por muitos e muitos anos, aquele lugar acompanhou o crescimento constante do número de vozes, na mesma medida em que cresciam os primeiros cabelos brancos no reflexo visto na lâmina d’água. Aquele oásis de harmonia acompanhou a transformação de crianças em adolescentes, adolescentes em adultos, adultos em idosos, solteiros em casados, casados em pais. Acompanhou, acima de tudo, a transformação da felicidade individual em felicidade coletiva, uma vez que todos se sentiam plenos naquele lugar repleto de verde, de sol e de água. Também cresceram as árvores, dentro e em volta daquele Canto de paz. Cresceram tanto que quase interrompem a visão do lago e da trilha. Deitado hoje, no granito da sauna, ainda consigo ouvir o som de pessoas correndo e bolas sendo chutadas em direção ao gol. Gritos alegres, sorrisos e gargalhadas abertas, a começar da mais constante delas. A mais forte, a mais verdadeira, a mais contagiante. Ouço o som do pequeno sino que anunciava que o almoço estava servido, e o burburinho das conversas em torno da mesa da varanda, junto à piscina. Ouço os inevitáveis elogios ao sabor da comida que minha mãe preparara e o tilintar dos copos em um dos vários brindes do dia. As minhas preocupações e problemas não eram mais os mesmos, nem tão simples. Entretanto, assim como as provas escolares de outrora, foram sendo superados um a um, com maior ou menor dificuldade, com maior ou menor sofrimento, mas sempre com uma imensa dose de gratidão. Este lugar não apenas vive em mim. Sou eu quem vai viver nele para sempre…

De repente, volto a contemplar meu reflexo no granito da sauna. Percebo, então, que as minhas lágrimas também alimentam a lâmina d’água que reflete meu olhar. Deixo-as rolar, pois sei que as lágrimas mais valiosas são aquelas que derramo ao me perceber vivenciando o eterno. Não tenho como prever os acontecimentos, mas acredito que ainda virei a me lembrar deste exato momento em um futuro que, mesmo que seja distante, me parecerá próximo. As preocupações, os problemas, as dificuldades continuam presentes. Talvez a vida fosse sem graça sem eles. E, talvez, eles venham a me parecer, em breve, tão insignificantes quanto aqueles tantos já superados. Mas é gratificante perceber que também continuam presentes a alegria, a harmonia e a felicidade. Por isso, agradeço a Deus pelo privilégio de ainda me sentir protegido pela aura abençoada dos lugares e das pessoas que me guiaram até aqui, que ajudaram na formação da minha índole, que me indicaram uma direção a ser seguida…

Ainda contemplo meu próprio olhar na lâmina d’água sobre o granito. Não há rejuntes e, portanto, não há rios recém-formados desta vez. E a pequena lâmina d’água sob o meu rosto me remete apenas ao mar…

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