Alguém me disse hoje que os motoristas de Uber dão notas aos passageiros.
– Você se confundiu – disse-lhe eu. Nós é que damos notas aos motoristas ao final da viagem.
– Sim – ele concordou. Mas o motorista também avalia e dá nota a cada solicitante. A média das suas notas fica disponível no perfil do seu aplicativo.
Meu coração gelou. Aquilo me parecia inconcebível. Recusei-me a acreditar que tivesse andado sub judice por anos a fio. Como não me dei conta? Por que não fui comunicado? Não posso concordar com uma avaliação imposta, antidemocrática, quase fascista, sem que eu esteja a par dos termos do julgamento. Se tivessem me informado devidamente, teria tido a chance de, pelo menos, tomar um banho antes de entrar nos domínios do avaliador ou, quem sabe, levar alguns copinhos de água gelada como cortesia, ou me inteirar das propostas de leis restritivas aos aplicativos e criticá-las com maior veemência nas conversas ao longo dos diversos itinerários. Quantos pontos preciosos deixei de ganhar.
Tentei me lembrar de cada uma de minhas viagens. Impossível, eu sei. Será que fiquei em silêncio na maior parte do tempo, dando a chance ao meu antagonista de me julgar orgulhoso ou prepotente? Ou, quem sabe, será que falei demais ao celular, dando todas as oportunidades do mundo para que ele me avaliasse pelo meu tom de voz, minha gargalhada muito alta, ou meu olhar de impaciência ao atender uma ligação? O fato é que eu não estava preparado. Todo mundo tem o direito de se preparar antes de se submeter a qualquer avaliação. Não gostava de provas surpresas nem quando estava na escola. Um pesadelo como esse não poderia se repetir na vida adulta.
Não, não é justo que eu sofra toda esta angústia. Não é justo que a situação não tenha ficado clara para ambas as partes. Eu e o motorista estivemos, durante todo esse tempo, em posições flagrantemente desiguais. Afinal, ele sempre soube que estava sob a minha avaliação. Ele teve a chance de limpar o carro, de escolher a trilha musical que iria ser tocada, de se atualizar sobre os assuntos mais comentados no dia, de esconder embaixo do banco a flâmula do seu time de futebol para não correr o risco de ofender um rival logo de cara. Eu não sabia de nada. E agora começo a me martirizar tentando me lembrar se já peguei um Uber vestindo a camisa do meu time. Minha nota pode ter despencado por conta disso…
Bom, não adianta mais lamentar. As notas foram dadas e só posso chorar pelas oportunidades perdidas. Por todas as chances que tive de não ser eu mesmo. E a vida passa tão rápido…
Abro o aplicativo com as mãos trêmulas. Leio a tradicional pergunta “para onde” e penso: “para o diabo que o carregue”. Busco me acalmar e abro o menu no canto superior esquerdo da tela. Vejo meu nome em letras grandes. A nota está logo abaixo mas tento desviar o meu olhar. Tarde demais, lá está ela: 4,9.
Não consigo conter uma lágrima de alívio. Foram muitas emoções para um só dia. Abro a geladeira e pego uma cerveja para tentar relaxar. Antes de fechá-la, entretanto, coloco dez garrafinhas de água mineral para gelar…