Um dia, o exército de um hipotético grande país europeu invadiu um de seus vizinhos. Além da fronteira, ambos compartilhavam identidades históricas e culturais. Nenhum tiro foi disparado, e o próprio povo do hipotético país invadido aprovou, por ampla maioria, sua submissão ao invasor. Os demais hipotéticos países europeus deram de ombros, julgando que a anexação era pontual e não lhes dizia respeito. Mas aquele exército não se deu por satisfeito. Pouco tempo depois, marchava sobre outro hipotético país limítrofe, sob a alegação de recuperar territórios cujas populações também compartilhavam afinidades culturais. Apesar da agressão, seus hipotéticos vizinhos europeus evitaram – mais uma vez – contestar com veemência a evidente política expansionista.
Fora da Europa, hipotéticos pensadores da história mundial manifestaram-se sobre aquele momento. Em um hipotético país da América do Sul, por exemplo, grandes cérebros deram suas opiniões. Seu líder – famoso naqueles tempos pela rara habilidade de comer frango com farofa sem o uso de talheres – afirmou que não via problema algum nos conflitos, uma vez que invasores e invadidos falavam a mesma língua. Questionado sobre um possível massacre, respondeu: “Falei por duas horas com o líder do hipotético país europeu, e ele me garantiu que não vai ter nenhum massacre, talquei? Manterei neutralidade no tocante a isso daí.”
Uma ex-governante do hipotético país tupiniquim concordou: “a culpa de tudo isso é do imperialismo internacional, que impôs um tratado humilhante, injusto e desigual ao povo do hipotético país europeu. Eles estão apenas se defendendo”.
Grandes jornalistas e filósofos de todas as ideologias se uniram na contemporização do conflito: o velho Janio escreveu que os imperialistas fecharam ao hipotético país europeu as vias de saída sem guerra. O jovem Jones foi ainda mais enfático ao afirmar que o hipotético país invadido tinha um governo neofascista e estava apenas colhendo o que plantou. Já o quase centenário Alexandre questionou o porquê da vigência do tal tratado, e afirmou que não se deve acuar uma hipotética grande potência.
Parte da opinião pública, influenciada por seus hipotéticos políticos de estimação, passou a tentar se colocar no lugar do líder do hipotético país invasor e entender suas motivações. Os que preferiram se colocar no lugar do hipotético povo invadido foram chamados de ingênuos, alienados e ignorantes em geopolítica. Assim, o líder do hipotético país europeu sentiu-se à vontade para continuar conquistando novos hipotéticos países e aniquilando seus povos. Sua derrota acabou ocorrendo, mas apenas às custas de um imenso sofrimento de toda aquela hipotética humanidade.
Talvez não tenhamos aprendido nada com a história. Mas isso é só uma hipótese…