Houve um tempo em que eu aguardava – ansioso – pela sua chegada. Seu colo era fonte de aconchego, suas mãos eram guias para meus passos trôpegos, nossos sorrisos revelavam a cumplicidade que insistíamos em compartilhar.
Houve um tempo em que seus ombros eram minha melhor brincadeira. Neles, eu me sentia mais alto, mais forte, quase invencível. Muitos dos gols históricos que presenciei foram vistos lá de cima. Foi ali também que aprendi a afagar seus cabelos, ainda livres dos primeiros fios brancos. Afagos que se repetiram pela vida afora.
Houve um tempo em que nossas mãos sobrepostas prometiam amizade eterna; em que suas palavras suscitavam reflexões e questionamentos; em que sua confiança em mim era a única esperança de que, um dia, eu não mais duvidaria da minha própria capacidade.
Houve um tempo em que o medo de perdê-lo me dominou; em que amaldiçoei a criptonita que machucava o coração do meu herói imbatível; em que sua presença, tão rotineira, transformou-se em bênção a ser celebrada a cada dia.
Houve um tempo em que me emocionei ao vê-lo sentado no chão da minha sala, ensinando outra criança a brincar; em que admirei sua mão voltar a ser esteio de novos e indecisos passos; em que testemunhei – comovido – seus conselhos lhe abrindo caminhos que eu jamais seria capaz de apontar.
Houve um tempo em que nos acostumamos a ouvir juntos o som do silêncio; em que nossas taças teimavam em se encontrar; em que mergulhar nos seus braços era prenúncio de longas conversas noite adentro; em que o amor era tão explícito que nos bastava um olhar.
Houve um tempo em que você não tinha mais forças para retribuir meus abraços; em que entendeu ter dito todas as palavras que eu precisava ouvir; em que o adeus tornou-se inevitável; em que eu jurei fazer tudo que estivesse ao meu alcance para me aproximar da sua grandeza, da sua clarividência, da naturalidade com a qual você tocava os corações das pessoas, do seu dom de ser – tão e simplesmente – inesquecível.
Sei que ainda estou longe de tudo isso, pai. Mas você também me ensinou a não ter pressa, lembra-se? “Um passo de cada vez, filho” – quantas vezes me disse. Pois é assim – a passos bem lentos – que sigo em busca do grande objetivo da minha vida: conseguir me tornar uma fração do ser humano extraordinário que você foi, é, e sempre será.
E hoje, meu querido, meu ídolo, meu pai, um pequeno novo passo foi dado…