Alguns fãs de Bolsonaro vieram me cobrar uma análise mais imparcial do governo. “Não é possível que você feche os olhos pra tantos pontos positivos” – disseram eles. Pediram-me que discorresse sobre a ausência de escândalos de corrupção, as reformas, as privatizações, os avanços na economia.
Não poderia me furtar a atender uma solicitação vinda de gente tão especial. Sim, dou o braço a torcer, realmente há pontos positivos a serem ressaltados. Descrevê-los-ei adiante (o uso das mesóclises voltou mesmo à moda, não é?).
Permitam-me, entretanto, fazer alguns ajustes na lista de qualidades. Não escreverei a respeito da ausência de escândalos de corrupção, mesmo porque há controvérsias – também conhecidas como rachadinhas e propinas – sobre o assunto. Também pularei os tópicos “reformas” (houve alguma além da previdenciária?) e “privatizações” (falar dos jabutis tomaria linhas demais). Já o item “avanços na economia” é autoexplicativo – os avanços da inflação, dos juros, do desemprego e do dólar falam por si.
Mas há outros pontos – desta vez verdadeiros – a serem destacados. Pontos pelos quais muito tenho a agradecer ao nosso presidente.
Obrigado, Bolsonaro.
Não fosse pela sua grosseria, jamais teria observado quantos brasileiros dão pouca – ou nenhuma – importância ao diálogo.
Não fosse pela sua insistência em desestimular a vacinação, não teria notado o quanto nossa população confia nas vacinas. Mesmo entre seus seguidores, só uma pequena parte tem sido estúpida o bastante para recusá-las. E olha que você tem se empenhado na tarefa de convencê-los a ficar só com a cloroquina.
Não fosse pelos seus preconceitos, talvez não tivesse reparado no número de pessoas que aguardavam, ansiosas, o momento em que não mais precisariam reprimir suas noções toscas de sociedade.
Não fosse pelo seu populismo pobre, rasteiro, escancarado, jamais teria observado o quanto tantas pessoas são hipócritas. Afinal, o que elas dizem admirar em você é o comportamento que mais criticam no líder da seita contrária.
Não fosse pelas suas mentiras, provavelmente não teria notado como muitas pessoas não se importam com a verdade, principalmente quando são justamente as inverdades que lhes convêm.
Não fosse pelo seu autoritarismo e desapreço às instituições, jamais teria dado a devida atenção aos amigos e conhecidos dispostos a apoiar uma intervenção militar, com o fechamento do STF e do Congresso.
Ao se recusar a usar máscaras, Bolsonaro, você ajudou a desmascarar a índole e o caráter de muita gente que sempre tentou disfarçar seus reais conceitos de democracia, justiça e liberdade.
Muito obrigado, presidente. Por sua causa, hoje conhecemos melhor os nossos compatriotas. Será mais fácil, daqui por diante, reconhecer quais deles buscam realmente um país melhor para todos – mesmo que discordemos inteiramente de como esse objetivo deva ser alcançado -, daqueles que nos sorriem enquanto nos imaginam, finalmente, pendurados em um pau de arara.
Suas boas ações já foram feitas, Bolsonaro. Mas a maior delas ainda está por vir: o dia em que você deixará essa cadeira para nunca mais voltar.