Planos para o feriado…

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Sete horas da manhã. Pressa, correria, afobação. Minha reunião iria começar em meia hora, e tudo levava a crer que – assim como eu – o trânsito acordara sem muita paciência. O elevador se abriu:

– Bom dia – saudou um dos meus vizinhos.

– Bom dia. Tudo bem?

– Tudo. Vamos pra batalha, né?

– É o jeito…

A conversa tinha tudo para terminar ali. Eu não estava com essa sorte toda.

– Mas batalha mesmo será no dia 7 – ele continuou.

Fingi-me de ascensorista de prédio comercial, e verifiquei quantos andares ainda restavam. Ele insistiu:

– Você vai na manifestação, não é?

Mordi os lábios. Graças às restrições da pandemia, apenas meus olhos revirados ficaram à mostra. Ele pareceu ter notado. Sua expressão de decepção foi tão evidente que nem sua máscara conseguiu esconder. Voltou-se para o mostrador na esperança de se livrar o mais rapidamente possível daquele discípulo de Marx, Che e Fidel. E nada do andar térreo chegar. Seu olhar de desprezo me irritou. De repente, minha urgência deu lugar à ânsia do debate. A pergunta feita ainda ecoava no ambiente. Eu tinha que respondê-la.

Pensei em lhe dizer que eu iria. Sim, eu iria, mas sob algumas condições.

Eu iria, mas o repúdio às arbitrariedades do STF deveria se repetir diante dos conchavos entre o presidente e o Ministro Dias Toffoli, que resultou no fim da “Lava Toga” e na paralisação das investigações das rachadinhas de Flávio Bolsonaro.

Eu iria, mas a revolta com a parcialidade do judiciário teria que se estender a um procurador geral nomeado (e agora, reconduzido) com o objetivo de desmontar a Operação Lava Jato, e blindar sistematicamente qualquer ameaça ao presidente.

Eu iria, mas as críticas a Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes, Lewandowski e tantos outros não poderiam poupar Nunes Marques, escolhido por Bolsonaro por possuir currículo e diretrizes semelhantes às de Augusto Aras.

Eu iria, se os gritos a favor da liberdade de expressão defendessem também os professores universitários amordaçados pela Controladoria-Geral da União, após terem cometido o “crime” de criticar o governo federal.

Eu iria, se a democracia exaltada pelos manifestantes repudiasse, com a mesma veemência, qualquer tentativa de golpe institucional, qualquer ameaça de cancelamento de eleições, qualquer insinuação de utilização do exército como força aliada na implantação de um governo autocrático.

Eu iria, se a aversão às ditaduras comunistas, tão enaltecidas por vários setores da esquerda, se estendesse a qualquer regime totalitário de direita.

Eu iria, se o asco provocado pela corrupção endêmica do PT se repetisse diante de uma família que desvia recursos públicos há décadas, que movimenta milhões em dinheiro vivo, e que usa a política como fonte de enriquecimento ilícito.

Eu iria, se a revolta contra o declarado controle da imprensa por parte de Lula se manifestasse também diante do financiamento público a órgãos de imprensa, blogueiros e jornalistas que se dispuseram a jogar por terra suas carreiras e reputações, em busca de dinheiro e do posto de ídolos de uma seita.

Eu iria, se a repulsa em relação aos bandidos que fazem parte da CPI da Covid não excluísse a revolta contra os desvios e omissões evidentes, contra o comportamento criminoso de um presidente que desestimula diariamente a vacinação de seu povo e boicota todas as medidas sanitárias preconizadas por seu próprio ministério da saúde.

Eu iria, se meus companheiros manifestantes se lembrassem do tempo em que marchávamos juntos por decência, ética, honestidade e competência. Quando entoávamos gritos contra o corporativismo, o presidencialismo de compadrio, a desinformação, a irresponsabilidade fiscal, a compra de votos disfarçada de bolsas e auxílios. Quando os gritos de “eu autorizo” – proferidos por outras vozes – eram sempre repudiados.

Acabei optando por não mencionar nada disso ao meu vizinho. Não tinha tempo, nem disposição e, principalmente, esperança de que alguns dos argumentos pudessem fazê-lo ter uma visão diferente sobre a atual situação do país. A porta do elevador se abriu e, antes de sair, eu lhe disse:

– Não vou nem a pau!

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