Brasilino acostumou-se às mudanças desde cedo. Avessos às raízes, seus pais estavam sempre dispostos a colocar o pé na estrada, na busca incessante do lugar ideal para se viver. Brasilino sabia que, por mais que estivessem felizes, e por melhor que fossem suas condições de vida, o desejo de morar em uma cidade ainda mais próspera e acolhedora os motivaria eternamente.
Nascido na segunda metade da década de 80, em um pacato vilarejo chamado Sarnéya, Brasilino não sabia o que era carestia. Os preços congelados dos produtos e os sorrisos estampados nos rostos das donas de casa – finalmente livres de uma inflação galopante – faziam parte de sua rotina. Sarnéya era um exemplo de engajamento comunitário, de espírito cívico, de união da população contra os malignos empresários que só pensavam em aumentar preços, numa afronta à harmonia vigente. Apesar de tudo, preços e harmonia se mantiveram, com bravura. As prateleiras ficaram vazias, é verdade, mas o povo – feliz – fez valer sua vontade.
Depois de rápidas passagens pelas vilas de Elba Collorida (lugar bem à frente de seu tempo, onde não existiam mais carroças e as pessoas não usavam mais dinheiro), e Topete Franco (em que o uso das roupas de baixo era facultativo), Brasilino e sua família viveram longos anos em duas cidades próximas. Em Formoso Horizonte do Cerrado, os pais de Brasilino começaram a empreender, animados com a estabilidade das moedas estrangeiras frente à local. Abriram uma pequena loja de equipamentos importados, mas não deram atenção aos alertas do prefeito sobre o iminente aumento do dólar. Os lucros cessaram. Mudaram-se, então, para o município vizinho: Cefalópolis. Arrojados, montaram ali uma empresa de limpezas residenciais. O negócio ia de vento em popa até que uma terrível escassez de mão de obra os desestabilizou. De um dia para o outro, as empregadas desapareceram. Soube-se depois que todas estavam de férias na Disney, mas, a essa altura, Brasilino já havia largado os estudos para socorrer seus pais. Em pouco tempo, deixaram tudo para trás e partiram, antes mesmo de verem concretizadas as melhorias prometidas pela companhia petrolífera da cidade, administrada como nunca antes na história daquela região.
Sem dúvida, o momento mais auspicioso de toda a família foi vivido em Sant’anta do Mandiocal. O lugarejo fervilhava com as inúmeras oportunidades, pleno emprego, inflação quase inexistente. Não faltava comida na mesa de ninguém, e as cooperativas regionais eram geridas com seriedade e competência. Àquela altura, Brasilino se virava sozinho e – apesar de ter herdado de seus pais a sede por novos desafios – chegou a pensar que viveria ali para sempre. Mas a região tornou-se destino de trilheiros de bicicross e, logo depois, apelidada de Meca das Pedaladas. A paz deu lugar à confusão. Entristecido, Brasilino partiu novamente. Sem rumo, ficou hospedado por um tempo na casa de parentes distantes, todos imigrantes da Transilvânia.
Há quase três anos, finalmente, Brasilino encontrou o que tanto procurava. Mora hoje na próspera e feliz cidadezinha de Mito do Ipiranga. Um local tão privilegiado, que passou incólume por uma epidemia devastadora. Talvez reflexo das medicações precoces só ali ministradas, que praticamente dispensaram o uso das onerosas vacinas que por pouco não comprometeram o orçamento municipal. Um lugar que cresce a olhos vistos, com inflação controlada, oportunidades de novos empregos a cada esquina, e cesta básica tão barata quanto qualquer fuzil na barraca da quermesse. Resultado da administração séria de um prefeito brilhante, democrático, conciliador, aberto ao diálogo e que pensa, única e exclusivamente, na liberdade de seu povo. De um secretário de economia que privatizou quase todas as empresas municipais, cortou verbas, acabou com os subsídios e encerrou o tempo das compras de voto disfarçadas de auxílios. Brasilino não poderia estar mais contente. Nada poderá abalar o progresso de Mito do Ipiranga.
Talvez seja só trauma, mas Brasilino parece preocupado com o número cada vez maior de trilheiros que andam circulando pela cidade…