– Próximo!
– Puxa, finalmente. Já não aguentava mais essa fila. Não sabia que seria tão demorado.
– O senhor trouxe os documentos?
– Sim. Achei até a carteira de sócio do fã-clube da Cher.
– Excelente. Cópia autenticada de tudo?
– Também. Duas vias de cada. Tô autorizado?
– Calma. A documentação tem que ser analisada. E ainda falta a entrevista.
– Que entrevista?
– Ué, há muitos pontos que precisam ser esclarecidos. Achou que seria fácil assim?
– Fácil? Passei três horas numa fila. E a lista de exigências só cresce.
– Temos que ser cuidadosos, senhor. Somos os únicos com credenciamento válido pra essa autorização.
– Preciso agendar uma nova data?
– Não. Posso fazer as perguntas agora mesmo.
– Ótimo. Quero ficar livre disso o quanto antes.
– O senhor pode começar me mostrando todas as tatuagens do Che Guevara que já fez.
– Que bobagem é essa? Nunca fiz tatuagens.
– Prefere um pôster na parede da sala, né?
– Não tenho pôster de ninguém.
– Nem de Lênin ou Stalin?
– Claro que não. Vê se eu ia ser fã de genocidas!
– Devo alertá-lo que suas respostas não vão por um bom caminho, senhor. Qual é a sua filiação partidária?
– Não sou filiado a partido algum.
– Não precisa ser oficial. Basta a carteirinha de militante do PT ou do PSOL.
– Detesto política.
– Veja bem, senhor. Vou lhe dar uma última chance. Ou me mostra foto sua vestido de “Lula livre”, ou nada feito.
– É mais fácil eu vestir uma camisa escrito “Lula na cadeia”.
– Chega. Pedido indeferido.
– Que absurdo. Eu já apresentei todas as provas de que sou gay.
– Não me interessa. Vai ter que continuar enrustido pro resto da vida. A esquerda decidiu que o senhor não está autorizado a se assumir.
– Não preciso de vocês pra isso.
– Precisa sim. Sem nosso reconhecimento, o senhor terá credibilidade zero. A não ser com os babacas da direita.
– Já estive lá. Também não me deram autorização.
– Ué, por que não?
– Porque a direita só autoriza os gays que consideram Bolsonaro um mito (ou aqueles que se chamam Clodovil).
– Que vergonha, heim? Rejeitado pela esquerda e pela direita. Bem feito. Como o senhor está se sentindo agora?
– Feliz pra caramba…