Diante de uma situação política, econômica e social cada vez mais caótica no país, tenho buscado ler e ouvir as mais diversas opiniões, vindas dos representantes das mais diversas linhas de pensamento, a respeito das causas, das perspectivas, das soluções e dos sonhos que cada um imagina para o Brasil. Quanto mais eu leio e ouço, mais me intriga e surpreende a forma como o ser humano se comporta. Entretanto, mais surpreendente ainda, é a imagem que cada um faz de si próprio. É óbvio que, a partir do instante em que alguém tem uma convicção, e que a expõe, é a verdade dessa pessoa que entra em discussão. E, sendo uma verdade para quem a coloca, é natural que o autor se veja compelido a defendê-la, a lutar por ela, a mantê-la viva e intacta, como alguém que procura preservar um bem precioso de um larápio disposto a levá-lo e a destruí-lo. Esse bem, no caso, muitas vezes é a ideologia de toda uma vida, construída ao longo de décadas e presa a conceitos, há muito, distantes da realidade atual.
Hoje em dia, com a internet, com as redes sociais, essa exposição de opiniões se tornou muito mais rápida e profusa. Todo mundo comenta sobre todos os assuntos. Hoje, conheço opiniões de amigos distantes com muito maior propriedade do que sabia como pensavam, anos atrás, inúmeros membros da minha própria família. As pessoas estão mais expostas e isso, naturalmente, exige maior coragem e disposição para que elas possam argumentar continuamente, que possam lidar com opiniões contrárias, muitas vezes agressivas. Como se qualquer opinião divergente fosse inaceitável, doente ou até criminosa. Como se cada argumento antagônico representasse a imagem do ladrão de ideias e de ideais, do usurpador de sonhos.
Nos debates do dia a dia, o maior dos problemas que enfrentamos hoje são os rótulos. É impossível emitir uma opinião e não ser rotulado. Eu mesmo já perdi a conta dos nomes (publicáveis) a mim imputados. Já fui chamado de coxinha e fascista por uns e de esquerdista por outros. Alguns me disseram que sou retrógrado. Outros, progressista em demasia. Partindo para um exemplo prático e até banal, quando disse que não vou apoiar o impeachment da atual presidente enquanto não houver implicações legais que justifiquem tal ato, fui chamado até de petralha. Mas quando, na mesma discussão, disse não entender como uma manifestação popular pedindo a renúncia da presidente pode ser qualificada como golpe, enquanto que as mesmas manifestações feitas no passado, e direcionadas ao Collor e ao FHC, eram vistas como democráticas e legítimas, fui chamado de fascista, golpista e coisas muito piores. Será que existem incoerências tão grandes assim na minha visão, na minha verdade?
Nos vários debates que tenho feito, principalmente com pessoas cujas ideologias diferem inteiramente das minhas, busco ser sempre comedido, fornecendo apenas argumentos, e evitando rotular quem quer que seja, mesmo quando alguns deles já se autorotulam. Essa foi a forma que encontrei para poder ter real acesso às diversas linhas de pensamento, e escapar da superficialidade reinante na maioria das discussões vistas nas redes sociais a cada dia. Foi a maneira que me permitiu conversar sem ser visto como o usurpador de bens, o que afastaria imediatamente qualquer possibilidade de interação. Essas experiências têm sido extremamente gratificantes pois, ainda que me depare com radicais de todos os lados, sempre existe alguém querendo, realmente, compartilhar a sua verdade, sem medo de vê-la subtraída indevidamente. E, quando essa liberdade mútua acontece, na grande maioria das vezes, percebo que temos muito mais em comum do que eu poderia ter imaginado a princípio.
Em virtude de debates como esses, já mudei meus pontos de vista em relação a diversos assuntos. Em outras ocasiões, os argumentos contrários até reforçaram a minha forma de pensar. Creio, e espero, ter provocado o mesmo impacto junto àqueles com quem debati. Alguns até chegaram a me provar isso, seja falando diretamente, ou simplesmente apagando meus comentários por não terem mais como contra-argumentar. Muitos amigos dizem que sou muito paciente, por manter a calma mesmo quando estou sendo ofendido. Ao contrário, acho que sou, na verdade, extremamente impaciente, uma vez que não consigo me conter quando leio ou escuto opiniões que considero absurdas, ou outras que me mostram uma faceta da questão em pauta que eu jamais havia considerado.
Aprendi a separar a ofensa escrita, muitas vezes involuntária e frequentemente oriunda de uma reação natural de autodefesa, da ofensa moral, baixa e quase sempre decorrente da completa falta de conhecimento do que está sendo discutido. Aprendi também a não permitir que um sentimento de carinho e admiração pudesse vir a ser afetado por discussões envolvendo opiniões e ideologias diametralmente opostas às minhas. Mas aprendi, acima de tudo, a me considerar sempre, e cada vez mais, o dono da verdade! Porque uma verdade única a todos não existe e nunca existirá. Cada um tem a sua. Até mesmo quando alguém me convence de alguma coisa, essa nova verdade passa, imediatamente, a me pertencer também. É uma verdade rígida e imutável, mas só até que o meu próximo tenha a generosidade de compartilhar a verdade dele comigo. É uma verdade que convive bem com todas as outras verdades. Mas é uma verdade que, de verdade, só existe porque é minha. E ninguém tasca!