No pronto-socorro…
– Um médico! Um médico, por favor!
– Calma senhora, qual é a urgência?
– Minha sogra caiu e está com o pulso inchado. Acho que pode ter torcido ou até fraturado.
– Tente se acalmar. Nossa equipe de ortopedia está entre as melhores da cidade. Sua sogra está no carro?
– Não, ela está em casa ainda.
– Ela está com dificuldades para andar? Podemos mandar uma ambulância buscá-la.
– Não precisa. Ela pode andar sim e eu mesma posso buscá-la. Mas preciso falar com o médico que vai atendê-la primeiro.
– Falar com ele agora? Quando a sua sogra estiver sendo atendida a senhora poderá acompanhar a consulta.
– Mas aí poderá ser tarde demais. Quero falar com ele antes disso.
– Ela sofre de alguma demência? Alguma alergia grave? Requer algum cuidado especial?
– Não, não é nada disso. Só preciso saber se o médico é de esquerda ou de direita.
– Desculpe-me, senhora. Acho que não entendi.
– Olha só, já fui a vários pronto-atendimentos ao longo do dia. E é sempre essa dificuldade. Qual é o problema de se querer saber qual é a orientação política do médico?
– Orientação política? A senhora enlouqueceu? Que importância tem isso? Eu lhe garanto que ele é competente. É isso que importa, não?
– Competência também é importante, mas a orientação política é muito mais.
– Como assim?
– Minha filha, médicos de esquerda deixam seus pacientes morrerem por falta de Cloroquina. Todo mundo sabe disso.
– Cloroquina? A sua sogra sofre de Malária? Está com sintomas de Covid? Achei que ela tivesse machucado o pulso.
– Sim, foi só o pulso mesmo. Mas, se o médico for de esquerda, ele vai interná-la, vai deixá-la morrer sem direito a Cloroquina e ainda vai colocar no laudo que a causa foi o vírus chinês só para aumentar as estatísticas. Não sou boba, minha filha. Sei como as coisas funcionam.
– Senhora, sua sogra não vai morrer. Ela muito provavelmente vai fazer um raio-x do pulso, ter o braço imobilizado ou engessado e voltar pra casa.
– Mas o médico vai receitar Cloroquina pra dor?
– Meu Deus, desde quando Cloroquina serve pra aliviar a dor? Ele vai receitar um analgésico, um anti-inflamatório, e o que mais ele achar necessário. Mas essas são decisões que cabem exclusivamente a ele.
– Eu não trago a minha sogra aqui até que eu tenha certeza de que ele é a favor da Cloroquina.
– Minha senhora, ninguém é a favor ou contra um determinado medicamento. A única coisa que deve ser levada em conta é a sua eficácia. E, como eu disse, essa decisão cabe exclusivamente ao médico.
– Eu quero que minha sogra seja tratada com Cloroquina. Mal não vai fazer. Há dois meses nem precisava de receita pra compra.
– A senhora é médica?
– Não, sou advogada.
– E desde quando acha que tem competência para receitar medicamentos?
– Desde que o Brasil passou a sofrer uma ameaça comunista disfarçada de pandemia. Sou patriota, minha filha. Não vou deixar que meu país vire uma Venezuela. Vai chamar o médico ou não?
– Veja bem, se houvesse um motivo justificável, eu até poderia interromper a consulta do nosso ortopedista e chamá-lo para conversar com a senhora. Mas, pelas razões expostas, só me disponho a chamar um psiquiatra. E com direito a uma camisa de força.
– Já vi que você é de esquerda. Reconheço uma petralhazinha de longe. Não trago a minha sogra aqui de jeito nenhum. Passar bem!
– Só me esclareça antes uma pequena dúvida: quantos hospitais a senhora visitou até agora?
– Mais de dez.
– Nesta época e sem máscara? Bom, já que gosta tanto de Cloroquina, se eu fosse a senhora começava a tomar uns comprimidos por conta própria.
– Tá louca, minha filha? Sou cardíaca…