Dizem que o planeta Terra jamais será o mesmo depois que esta pandemia estiver superada. Os mais otimistas falam de um mundo mais humano e solidário. Os pessimistas apostam em sociedades ainda mais segregacionistas. Outros esperam apenas que a nossa comprovada impotência diante de variáveis que pensávamos controlar nos torne menos arrogantes. Sinceramente, não sei o que esperar.
Não tenho dúvidas, entretanto, de que a arte jamais será vista da mesma forma. Não somente pela importância adquirida nestas semanas de isolamento – nas quais assumiu seu papel de língua universal – mas principalmente pela oportunidade de que cada um possa se colocar no lugar do artista.
Desde que Fernando Brant revelou que todo artista tem de ir aonde o povo está, jamais a arte esteve tão presente na rotina das pessoas. Nunca houve tão fácil acesso a livros, poesias e crônicas. Acervos de quase todos os museus do mundo estão liberados para visitação virtual. Peças de teatro inéditas podem agora ser assistidas de casa. E as apresentações de cantores, concertos, óperas e musicais encontram-se disponíveis a todos. Pela primeira vez, a humanidade entende a arte como intérprete de suas próprias angústias, alegrias e incertezas. Pela primeira vez, a humanidade enxerga a arte como um fiel reflexo de si mesma.
Estávamos todos unidos quando Andrea Bocelli interpretou “Amazing Grace” em frente à Duomo de Milão. Juntos, nos rendemos às palavras de um lindo poema que fala sobre redenção. Juntos, assistimos também às imagens de uma cidade deserta cuja quietude não se alterou ao final daquela performance memorável. O mundo inteiro aplaudia, mas ninguém era capaz de ver. E, assim, Andrea Bocelli nos pareceu bem mais próximo.
A humanidade também se uniu aos músicos da Orquestra Filarmônica de Roterdã na apresentação via web da Nona Sinfonia de Beethoven. Depois de uma revigorante Ode à Alegria, todos ouvimos o profundo silêncio que sucedeu ao último acorde de uma das maiores obras-primas da história da música. O mundo inteiro aplaudia, mas ninguém era capaz de ouvir. E, assim, Beethoven nos pareceu bem mais próximo.
O mesmo silêncio seguiu as performances dos músicos da Orquestra Sinfônica de Minas Gerais, dos artistas internacionais que têm se apresentado para o mundo de suas casas, dos corais líricos e populares cujos naipes foram unidos pela tecnologia, dos solitários cantores que deram voz aos nossos mais diversos sentimentos. O silêncio não importava pois nós os aplaudíamos. E, assim, o artista nos pareceu bem mais próximo.
Ao longo destas últimas semanas, estivemos bem mais próximos de artistas famosos e desconhecidos, profissionais e amadores, capazes de levar sua arte aos quatro cantos do mundo ou somente aos seus vizinhos de porta, sempre de forma generosa e abnegada. Quando o mundo mais necessita de união e solidariedade, é na arte que encontra seu mais seguro refúgio. Porque a essência do artista é se doar, sem compensações, sem dívidas, sem contrapartidas. Porque os verdadeiros artistas seguem, pelo amor à arte, em busca do caminho que vai dar no sol, sem se darem conta de que, a cada dia, mais pessoas os reverenciam e os aplaudem de pé!