As pontes de amor e seus legados…

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Os tempos eram outros. As formas de comunicação praticamente se restringiam às cartas e aos telefones fixos e seus custos astronômicos. Não havia ligação gratuita e imediata para qualquer parte do planeta. Também não havia tecnologia que permitisse às pessoas ficarem “online” e as redes de televisão pagavam verdadeiras fortunas para que suas transmissões pudessem ostentar a tarja “ao vivo” na parte inferior da tela. Assim, o mundo acabara de testemunhar a queda de um muro em Berlim. Assim, a última seleção alemã acrescida de um ponto cardeal fora vista erguendo a Copa de 1990. Assim, acompanhávamos a poderosa União Soviética se desintegrando diante dos nossos olhos. Tempos em que meros mortais não podiam ser rastreados. Tempos, portanto, bem mais propícios para que uma viagem surpresa pudesse ser feita com a devida discrição.

Dirigindo meu carro em direção a Ouro Preto, custava-me acreditar que partira de Londres apenas algumas horas antes. Minha volta ao Brasil só deveria acontecer dali a dois meses e ninguém poderia imaginar que o desejo de passar o ano novo em família seria capaz de me fazer cruzar o oceano duas vezes em um intervalo de quatro dias. Aquela com quem me casaria 7 anos depois foi a primeira “vítima” da minha aparição, tão improvável que a deixara em dúvida se o autor da surpresa era alguém de carne e osso ou uma alma penada que dela se despedia, ao som da trilha sonora de “Ghost”.

O hotel em Ouro Preto possuía chalés espalhados pela propriedade e, poucos minutos após a minha chegada, já me encontrava escondido no andar superior de um deles. Lembro-me perfeitamente do meu coração palpitar ao ouvir as vozes dos meus pais se aproximando da porta de entrada. Com meus pais e meus irmãos no andar térreo – entre eles, o que fora meu cúmplice em toda a história – meu plano começava a ser colocado em prática.

Minha futura esposa os chamara com o argumento de que leria uma carta minha, recebida naquele dia, com instruções expressas para que fosse entregue a eles antes do ano novo. A carta era breve e falava basicamente do amor que nos unia e do quanto sempre foi importante estarmos juntos nas festas de fim de ano. Falava também de um sonho. O sonho de que uma ponte de amor entre Londres e o Brasil iria me permitir estar com eles na noite daquele Réveillon.

Desta vez, entretanto, minha aparição não deveria ser tão dramática. Eu não poderia correr o risco de ser confundido com um fantasma por alguém cujo coração já inspirava cuidados. Por isso, encerrei a carta com uma dica que me pareceu definitiva. Ao ouvi-la, meus pais certamente entenderiam que eu estava por perto. E assim aguardei, ansioso, que as últimas frases escritas naquele papel fossem pronunciadas: “…mas foi só um sonho… ou será que não foi? Só há uma maneira de vocês descobrirem: me chamem! Quem sabe eu não estou aí? Quem sabe eu não estou no andar de cima?”

Praticamente não houve intervalo de tempo até que eu ouvisse a voz da minha mãe, embargada pela emoção, gritar a plenos pulmões:
– Fernaandooo!
Ela sabe – pensei eu – todos eles sabem. Então gritei de volta:
– Ooiêêê – e desci rapidamente aqueles degraus.

As expressões que encontrei ali embaixo, entretanto, foram muito diferentes das que imaginara. Estavam todos estupefatos. Não, eles não tinham a menor ideia de que eu voltara. Minha dica infalível não valera de nada. Meu pai se aproximou de mim e parou por um momento, como se certificasse de que aquela pessoa era realmente eu, antes de mergulhar nos meus braços. Minha mãe, quase em choque, repetia frases desconexas e me abraçava em prantos. Meus irmãos se juntaram a eles naquele abraço, e aquele Réveillon se tornou o mais especial que trago na lembrança. Mais tarde, quis saber da minha mãe o porquê do seu grito, mesmo estando certa de que eu me encontrava a milhares de quilômetros dali. Sua resposta, desde então, faz parte da minha alma:
– Ora, filho, porque você me pediu.

Como filho, aqueles foram alguns dos momentos mais marcantes e mais gratificantes de toda a minha vida. E hoje, como pai, percebo o quanto a minha surpresa deixou marcas profundas nos corações daqueles que passaram suas vidas ensinando ao mundo a arte de construir pontes de amor. Queria tanto que eles fossem capazes de construir mais uma agora…

Hoje, é a minha vez de fazer o papel de cúmplice, para que meu filho possa vivenciar a emoção indescritível que experimentei há quase vinte e nove anos. Hoje, é a vez da minha esposa gritar o nome dele e chorar de alegria pela sua volta inesperada. E hoje, em algum lugar deste universo, sei que dois dos maiores construtores de pontes de amor que por aqui passaram estão sorrindo, felizes com o legado que deixaram!

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