Silogismos e sofismas…

Ainda restavam mais de três séculos para que Jesus Cristo viesse ao mundo quando o filósofo grego Aristóteles desenvolveu um modelo de raciocínio baseado na ideia da dedução. O modelo, que ficou conhecido por silogismo, é composto em sua forma mais simples de duas premissas que, interligadas, geram uma conclusão lógica. “Os homens são mortais. João é homem. Logo, João é mortal” é o mais básico dos exemplos.

Desde os tempos de Aristóteles, o silogismo tem sido usado com cada vez maior frequência. Entretanto, nos conturbados dias atuais, o modelo aristotélico tem perdido justamente o seu componente mais importante: a lógica. Como não poderia deixar de ser, alijado de lógica, não cabe mais no modelo o conceito de raciocínio e suas deduções variam livremente de acordo com a ideologia de quem o propuser. Entretanto, quando a ausência de lógica é proposital e visa apenas atender aos interesses e narrativas de seus porta-vozes, o silogismo se transforma definitivamente em sofisma.

O exemplo mais recente vem do Chile. De repente, o país mais desenvolvido da América Latina, o que detém o maior PIB per capita, o maior IDH, o maior índice de liberdade econômica, inflação controlada, dívida pública na faixa de 25% do PIB (enquanto a nossa está em 80%), crescimento anual na casa dos 4% e muitos outros índices de primeiro mundo passou a ser tratado pelos atuais sofistas brasileiros como amostra do que não se deve almejar. Segundo eles, as manifestações populares estão desnudando a “verdadeira face” do Chile e os números ruins que o país ainda apresenta – principalmente relacionados à desigualdade social e aos baixos valores de aposentadoria – passaram a ser os únicos repetidamente alardeados, sempre com indisfarçável cinismo.

É evidente que o Chile tem problemas. Qual país não os tem? É também evidente que esses problemas devem ser analisados para que não se repitam os mesmos erros. Mas condenar uma trajetória construída ao longo de décadas com a ajuda de muitos governos de centro, de direita e de esquerda é, no mínimo, tratar um assunto complexo com uma superficialidade digna de juntos e shallow now.

Muitos fatores têm provocado as grandes e legítimas manifestações populares: baixos valores de aposentadoria (decorrentes muito mais das alíquotas inferiores às mínimas necessárias do que da forma de capitalização em si), altos valores cobrados por serviços que, na minha visão, deveriam ser providos pelo Estado (dar condições para se gerar riquezas é apenas o primeiro passo do processo), manutenção de privilégios em diversas classes e corporações, inabilidade e truculência do governo para lidar com as reivindicações da população, além de muitos outros.

Para os nossos sofistas de plantão, entretanto, o culpado é apenas um: o liberalismo. O Chile está caminhando para o precipício graças à mesma filosofia que o atual governo brasileiro quer implantar por aqui. Cuidado! O Chile é o Brasil de amanhã. Meu Deus, só posso torcer para que estejam certos. Afinal, foi o liberalismo que permitiu ao Chile alcançar os invejáveis índices atuais mesmo inserido em um continente dominado pela irresponsabilidade fiscal, pelo populismo, pelo corporativismo, pelo assistencialismo e pela corrupção.

Assim, nossos sofistas de ocasião seguem repetindo suas teorias vazias de lógica e cheias de intenções espúrias:

“O povo chileno está revoltado. O Chile é um país liberal. Logo, não há nada pior do que o liberalismo na face da Terra.”

ou

“Protestos são formas de se demonstrar insatisfações. O povo chileno está protestando. Logo, quero ver alguém reclamar da Venezuela agora.”

Quanta honestidade intelectual. O Chile é a bola da vez mas quem dera os nossos sofistas se limitassem a filosofar sobre os problemas chilenos. Infelizmente somos um país muito rico em conclusões desconexas. Temos sofistas ministros, por exemplo, que acham lógico vir a público insinuar que o navio de uma organização que defende causas ambientais não passa de um petroleiro disfarçado cuja missão é despejar milhares de toneladas de óleo nos mares e praias de seus adversários políticos.

Outros dos nossos sofistas ministros conseguem passar horas apresentando razões para justificar posições contrárias às defendidas por eles mesmos em recentes casos absolutamente idênticos.

Temos sofistas governantes que consideram razoável e coerente a desmoralização, o isolamento e o linchamento público de todos aqueles que têm visões, mesmo que pontuais, diferentes das deles.

Temos, enfim, sofistas pais e sofistas filhos, sofistas presos e sofistas soltos, sofistas de imprensa e sofistas de Twitter, sofistas de direita e sofistas de esquerda. Temos, acima de tudo, sofistas que usam seu limitado poder de persuasão para recrutarem suas claques de seguidores e, pelo menos por algum tempo, verem seus silogismos sofísticos reverberados nos cérebros daqueles que, insofismavelmente, não conseguem filosofar por conta própria.

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