Uma tarde de fim de semana em um barzinho, daqueles em que as mesas estão tão próximas umas das outras que o responsável pela contratação dos garçons corre o sério risco de ser acusado de gordofobia, pode ser extremamente educativa nos dias de hoje. Não há melhor lugar para se obter a retrospectiva da semana. Retrospectiva dos acontecimentos? Claro que não, isso seria enfadonho demais. Lá se ouve, em primeiríssima mão, a retrospectiva das interpretações ideológicas dos fatos, das variações dos fatos e das variações imaginárias baseadas nas variações dos fatos. Esqueça os memes recebidos nos seus grupos de WhatsApp, as notícias tomadas como verdadeiras por um leitor menos atento do Sensacionalista ou os vídeos nos quais, dependendo do editor, ambos interlocutores ostentam no final os ambicionados óculos escuros da vitória. O resumo que recebemos nessas mesas é muito mais completo e abrangente, e sua audição ainda vem acompanhada de cervejas geladas e porções de picanha com batatas fritas. Nenhum jornal pode ser páreo para uma concorrência tão desleal.
Minha experiência de hoje foi absolutamente enriquecedora. À minha esquerda, um grupo de jovens começou condenando energicamente o grande responsável pelo incêndio da Notre Dame: o capitalismo.
– Essa ganância da elite católico-branca-burguesa-patriarcal só poderia resultar em um desastre como esse, disse um deles.
Um segundo concordou:
– Sabem quanto custava a entrada para a igreja? Pra onde ia todo aquele dinheiro?
Enquanto isso, à minha direita, dois amigos também já haviam encontrado os culpados pelo mesmo desastre.
– Os muçulmanos colocaram fogo na Notre Dame e vão colocar fogo em todos os símbolos cristãos de Paris e do mundo, disse energicamente o primeiro.
O segundo ficou curioso:
– Já prenderam os culpados?
– Ainda não, mas não adianta prender. Os muçulmanos devem ser todos crucificados em praça pública. A única solução é a gente acabar com esse povo violento que só quer destruir o Ocidente.
– Também acho, concordou o pacífico amigo.
A censura imposta pelo STF foi o próximo tópico da retrospectiva.
– Sou totalmente a favor da liberdade de expressão, mas aquele site golpista cansou de espalhar notícias falsas nos últimos anos e ninguém fez nada. Acho que eles tinham que fechar aquele antro, disse ao grupo um dos jovens.
– Sem contar as mentiras que espalharam para que Lula fosse preso, completou um outro. Canalhas!
– Liberdade de expressão é sagrada, disse por sua vez um dos amigos na outra mesa. Temos que convocar o soldado e o cabo e fechar de vez aquela joça.
– Bons tempos eram aqueles em que esses imbecis não podiam abrir a boca sem prestar continência antes, completou o segundo.
E assim, atento às acuradas informações de um lado e de outro, mais uma agradável tarde se passou. Muitos outros assuntos foram abordados. Fiquei sabendo, por exemplo, que Bolsonaro demitiu o ministro da educação com razão porque este havia se recusado a mandar embora treze mil militantes petistas disfarçados de professores. Que Maduro escreveu uma carta histórica para o presidente do senado, mostrando a grandeza de sua luta pela manutenção da democracia na América Latina. Que a intervenção de Bolsonaro na Petrobrás é altamente benéfica à empresa e ao país, ao contrário das intervenções da Dilma. Que Danilo Gentili merece apodrecer na prisão por mentiras e calúnias, ao contrário de Gregório Duvivier que só fala verdades. Ufa, quanta informação relevante que a Globo não mostrou.
Antes de sair do bar, já deixei reservado meu lugar para a próxima semana. É muito importante me manter bem informado nesses dias turbulentos e fontes confiáveis são cada vez mais difíceis de serem encontradas. Ainda bem que os tempos são outros e todo mundo já sabe que não se pode confiar em tevês, revistas e jornais. Eles só sabem espalhar fake news…