“Eu vejo a vida melhor no futuro,
eu vejo isso por cima de um muro
de hipocrisia que insiste em nos rodear…”
O muro de hipocrisia que insiste em nos rodear está cada vez mais alto. E, à medida em que ganha altura, mais escassas se tornam as chances de que possamos vislumbrar as nossas vidas melhores no futuro. A cada dia, as pessoas embasam suas interpretações dos fatos unicamente pelos seus autores. Como se todos aqueles com quem não simpatizamos fossem literalmente incapazes de proferir sequer uma opinião correta. Como se todos aqueles que admiramos fossem incapazes de errar. Estamos atingindo o limite da irracionalidade. Não podemos fechar os olhos para as atitudes dos nossos ao mesmo tempo em que condenamos comportamentos idênticos dos outros. Assim, quem perde a moral somos nós mesmos. E aqui me incluo. Sei que, muitas vezes, somos hipócritas sem que percebamos. “Foi só desta vez”, “todo mundo erra”, “os outros também fazem”, “é por uma boa causa”. Desculpas como essas são comuns quando avaliamos comportamentos condenáveis de afins. A mesma tolerância é absolutamente inexistente quando analisamos os díspares. Mas o problema maior acontece quando deixamos de refletir sobre as nossas próprias digressões e, assim, passamos a correr o sério risco de que elas se insiram definitivamente no nosso caráter. Nada mais perigoso para que o muro de hipocrisia continue a crescer.
Em tempos de extremismo como o que vivemos hoje, é cada vez mais difícil nos mantermos atentos aos nossos próprios comportamentos. Eu mesmo, embora não me veja representado por nenhuma das duas opções deste segundo turno, tenho que me esforçar para tentar fazer uma análise imparcial da denúncia apresentada pela Folha de São Paulo contra a campanha de Jair Bolsonaro. Não apenas pela falta de evidências contidas na reportagem, mas principalmente pela reação que provocou na campanha adversária. Acho, entretanto, que toda denúncia merece investigações e punições contundentes, caso realmente se comprove o envolvimento dos investigados. Mas não se pode inocentar ou acusar de antemão quem quer que seja e entendo que qualquer postura diferente disso mereça atenção redobrada daquele que se propuser a garantir sua visão límpida acima do famigerado muro da hipocrisia.
Por falar em hipocrisia, a candidatura petista já chegou ao seu veredito: Jair Bolsonaro cometeu crime de caixa 2 e deve ser imediatamente retirado do pleito. Mais ainda, o segundo turno deverá ser disputado entre Haddad e Ciro Gomes porque o candidato antidemocrático e simpático à ditadura só liderou o primeiro turno graças às notícias falsas espalhadas via Whatsapp. Bom, chegamos aqui naquele ponto em que o muro se torna completamente intransponível.
Afinal, pede a inelegibilidade de um candidato o mesmo partido que se recusa a aceitar a inelegibilidade de um político investigado durante anos, condenado em primeira e segunda instâncias, preso e réu em outras cinco ações ainda não julgadas.
Pede a condenação de um candidato com base em uma única reportagem o mesmo partido que não consegue ver provas em mais de duzentas e cinquenta mil páginas de um processo criminal repleto de documentos, de fotos, de testemunhos e de evidências.
Reclama de ser vítima de fake news o mesmo partido que, nas últimas eleições, destruiu as candidaturas adversárias com mentiras mirabolantes elaboradas por marqueteiros pagos com uma fortuna em dinheiro roubado. O mesmo partido que já é alvo de investigação pelo Ministério Público pela criação de uma rede de ativistas digitais, pagos para fazer campanha na internet. O único partido que se recusou a assinar um acordo contra notícias falsas poucos meses antes das eleições.
Cobra a condenação por caixa 2 de um candidato o mesmo partido que, comprovadamente, escondeu bilhões de reais dos gastos de todas as campanhas eleitorais das quais participou, inclusive da última campanha do atual candidato à presidência pelo partido, e pela qual ele também já é investigado.
Chama uma candidatura de antidemocrática e ditatorial o mesmo partido que apoiou, incentivou e financiou ilicitamente, durante mais de uma década, ditaduras consolidadas e diversos governos antidemocráticos pelo mundo afora.
Recusa-se a aceitar o resultado praticamente certo de uma eleição o mesmo partido que coloca a responsabilidade da maior crise da história do Brasil única e exclusivamente nas mãos de uma oposição, igualmente hipócrita, exatamente por esta não ter aceitado o resultado das urnas há quatro anos.
E completando a aula de hipocrisia, comportam-se como indignados, como vítimas, como ultrajados e como puros os membros do mesmo partido que mentiu, que roubou, que destruiu a economia do país, que promoveu a divisão da sociedade brasileira e que até hoje foi incapaz de admitir qualquer erro, qualquer incompetência ou qualquer responsabilidade no caos em que nos encontramos.
Por tudo isso, apesar de estar ciente que um muro de hipocrisia circunda de uma forma geral toda a nossa sociedade, entendo que o hipócrita muro petista impede terminantemente qualquer possibilidade de visão exterior. É o mais opressor de todos os muros, o mais contaminado, o mais arrogante e o mais retrógrado. É o muro onde a hipocrisia já criou raízes, já se inseriu no caráter de seus membros e de sua seita. É o muro que, se não for derrubado desta vez, fará com que este país provavelmente nunca mais consiga enxergar além das imagens de igualdade, de justiça, de prosperidade que, infelizmente, não passarão de cenas fantasiosas projetadas em um muro tão alto, mas tão alto, que até a luz do sol terá dificuldade de suplantar!