Na fila do caixa do supermercado, pai e filha aguardam sua vez…
– Papai, olha só que moça alta e forte ali de costas no outro caixa.
– Já lhe disse que é feio ficar falando dos outros.
– Mas, pai, ela é muito grande.
– Filha, com certeza aquela moça é, na verdade, um rapaz.
– Um rapaz? Ele está fantasiado de mulher?
– Não é fantasia. É que ele não quer mais ser um rapaz. Ele quer ser uma mulher.
Neste momento, uma jovem que ouvia a conversa não se contém e diz:
– O senhor não tem vergonha de dar uma explicação machista e misógina como essa para sua própria filha?
– Machista e misógina? Que bobagem é essa?
– O que é misógina, papai?
– Depois, filhinha.
– Ela não é um rapaz. Ela nunca foi um rapaz. E também não “quer” ser uma mulher. Ela sempre foi uma mulher guerreira e empoderada que nasceu no corpo errado.
– Pois, que eu saiba, esse corpo errado é masculino, não?
– O que é empoderada, papai?
– Mais tarde, filha.
– Eu tenho nojo de homens como você. Aliás, eu tenho nojo dos homens.
– Olha aqui seu projeto de dirigente da UNE, eu acho que todo mundo deve buscar ser feliz da forma que quiser. Não me interessa se ela é trans, cis ou o escambau. Só respondi a pergunta da minha filha.
– O que é trans, cis e escambau, papai?
– Agora não, querida.
– Nada disso, seu retrógrado filhote da ditadura. Você está tentando implantar no cérebro desta pobre menina conceitos deturpados oriundos de uma sociedade branca, ultrapassada, conservadora, oligarca e patriarcal.
– Pai, o que é oligarca e patr…
– Agora não, já disse!
– Muito pelo contrário, ô cruzamento de Márcia Tiburi com Gleisi Hoffmann. Estou dando à minha filha o direito de pensar por si própria, e não se ater a conceitos ditados pela cartilha do politicamente correto insuportável que tira a liberdade individual de cada um e a coloca nas mãos de um grupinho que dita regras com a mesma facilidade com que defeca em praça pública.
– Discurso de bolsominion, como sempre. Eu sabia. Sei reconhecer um fascista a quilômetros de distância.
– O que é fascista, papai?
– Filha, quantas vezes tenho que diz…
– Rubens? – interrompe a moça grande e forte aproximando-se do incrédulo trio – há quantos anos. Você está ótimo. Que bom te rever. Até a próxima.
A discussão termina e todos se entreolham estupefatos.
– Você conhece o rapaz, papai?
– Verônica – balbucia o pálido pai – minha primeira namorada na adolescência. Ela cresceu, né?