Muitos dão importância apenas ao autor, ao assunto, ao conteúdo. Outros tantos consideram tato e olfato tão importantes quanto a visão. Estou entre os que acreditam que o livro é o templo onde as palavras se reúnem para contar sua história. Ela pode ser divulgada em qualquer lugar, mas apenas o livro é capaz de consagrá-la.
Assim como os templos, há os livros simples e rebuscados, leves e densos, despretensiosos e sofisticados. O que importa é estar sempre atento aos afrescos que adornam as paredes, abrir as portinholas que dão acesso a pequenos cômodos e pátios, ouvir o silêncio que ecoa pela nave. O que importa é sentir a textura das capas e lombadas, encontrar o elo entre gravuras e sentenças, desvendar os segredos por detrás das dedicatórias. O que importa é a cerimônia.
“Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver dedico como saudosa lembrança estas memórias póstumas.”
A dedicatória de Brás Cubas talvez tenha sido a primeira a me chamar a atenção. Àquela altura, o autodeclarado defunto ainda não havia se unido a Capitu e Helena no hall de meus personagens inesquecíveis de Machado de Assis. Descobri, logo em seguida, que muitos de meus autores favoritos haviam usado as dedicatórias de seus livros para prestar as mais diversas homenagens. Victor Hugo ofertou um de seus romances ao povo da pequena ilha de Guernsey, onde se exilara. Guimarães Rosa, por sua vez, homenageou sua companheira Aracy em “Grande Sertão: Veredas”. “Cem Anos de Solidão” foi oferecido a um casal de amigos de Gabriel Garcia Márquez. E Saramago dedicou à sua esposa quase a totalidade de suas obras. Pilar eternizou-se como a casa, a que tardou a chegar, a que não permitiu que ele morresse, a que está presente todos os dias. Há sempre uma história pedindo para ser contada em cada uma dessas homenagens.
Meu fascínio pelas dedicatórias, entretanto, somente alcançou seu ápice muito tempo depois, quando entendi a importância de ser reconhecido por alguém que tanto tem a dizer. Tornei-me protagonista de duas delas. A primeira, de pai para filho:
“A quatro bênçãos, frutos de um amor sublime, que ao tempo de iniciarem sua formação como homens já sabiam ensinar e construir – Fernando, Sílvio, Flávio e Cris”.
A segunda, de filho para pai:
“Às pessoas que me guiaram e me amaram apesar de minhas imperfeições, e fazem da minha vida, para sempre, a melhor – Mamãe, Papai e Gui”.
Por falar em templo, eis o meu altar.