— Para de ficar de olho neste telefone. Nós já estamos na estrada.
— Tô esperando uma mensagem importante.
— Deixa que eu leio pra você.
— Mas…
— Não tem mas nem meio mas. Pode ficar tranquilo, leio só as mensagens que você permitir.
Tranquilo? Nenhum homem – por maior que seja sua vocação para aprendiz de imagem sacra – fica tranquilo ao ver seu celular desbloqueado nas mãos da esposa. Eu não tinha nada a esconder, mas – sabem como é – nessas horas a gente nunca se lembra de ter apagado aqueles vídeos animados com imagens de bate-estacas, picolés de morango, orquídeas em floração, e gêiseres em pleno funcionamento recebidos em um (ou dois, ou três) grupo de WhatsApp. Meu estômago gelava a cada sinal sonoro anunciando uma nova mensagem. O asfalto irregular me sobressaltava bem menos.
O tempo passava e nada da tal mensagem importante chegar. Àquela altura, Daniela já descobrira o apelido maledicente que um de meus amigos usava para se referir à sogra, a antipatia que um arquiteto parceiro tinha em relação ao sócio, os planos para um happy-hour da turma assim que voltássemos de viagem. Eu estava prestes a sugerir que o telefone fosse desligado quando um novo bip chamou sua atenção.
— É da sua turma da engenharia. Posso ler?
Aquele era o mais perigoso dos grupos. A chance de que alguém estivesse falando alguma bobagem (ou coisa bem pior) era gigantesca. Ela sabia disso. Se eu negasse, uma legião de pulgas sem teto montaria acampamento atrás de sua orelha. Resolvi correr o risco. Incorporei um ator laureado com o Oscar, e respondi:
— Claro, amor.
Ao abrir a mensagem, seu semblante empalideceu.
— O que está escrito? – perguntei, à beira de um ataque de pânico.
— “Fernando, me passa a ficha da Anete”. Foi o Sérgio quem mandou.
— Só isso?
— Só isso.
O clima no carro pesou de tal forma que até a algazarra que os meninos faziam no banco de trás cessou. Eu não me atrevi a olhar para a Daniela. Tentei manter minha atenção na estrada, mas só conseguia imaginar as torturas que faria se encontrasse o infeliz do Sérgio naquele momento. Coube a ela quebrar o silêncio sepulcral que se instalara.
— Fernando Augusto – na sua boca, meu nome composto sempre adquiriu ares de apocalipse – eu não sou de fazer o tipo ciumenta, mas você há de convir que isso é muito estranho.
Tentei responder que sim, mas a voz não saiu. Acenei com a cabeça. Era evidente que eu precisava de socorro. Resolvi apelar para o corporativismo masculino.
— Arthur, pelo amor de Deus, me ajuda a achar uma Anete. Eu não conheço ninguém com esse nome.
Ele me olhou com um misto de pena e desapontamento. Não sabia se podia ajudar. Não sabia nem se queria. Quase consegui ouvir seu pensamento: “pai, que merda você andou aprontando?”
— Seu amigo te pediu uma informação, Fernando, e eu também exijo uma resposta. Quem é Anete? – inquiriu Odete Roitman, reencarnada na mulher ao meu lado.
— Dani, eu não conheço nenhuma Anete. Pergunta pro Sérgio. Ele não sabe que você está digitando.
— Posso mesmo?
— Deve – afirmei, fazendo pose de macho, enquanto tentava esconder minhas mãos trêmulas.
— Digitei. E mal posso esperar pela resposta.
— Somos dois, então – reforcei, cada vez mais macho e mais trêmulo.
O sinal sonoro veio, logo em seguida. Desacelerei porque minhas pernas travaram. Minha boca secou, e meu coração parecia seguir o ritmo de um daqueles funks de periferia. Ela leu a resposta, e o ódio em seu olhar deu lugar à incredulidade: “Ué, é amiga da Dani no Facebook. Achei que você conhecesse.”
O carro, de repente, tornou-se minúsculo. Eu não cabia mais ali. Nem nos meus melhores sonhos teria imaginado um desfecho tão perfeito. Estufei o peito, abri um sorriso irônico, e virei-me para a encabulada Maria von Trapp sentada ao meu lado.
— Pois é, Dani, acho que eu também tenho o direito de saber: quem é Anete?
Arthur gargalhou, eufórico. O casamento de seus pais estava salvo. A viagem estava salva. O corporativismo masculino estava salvo.
— É isso mesmo, pai! – aplaudiu, aos berros – Mãe, fala aí: quem é Anete?