Yustrich era uma figura controversa. Técnico de sucesso (chegou a ser bicampeão português pelo Porto no final dos anos 50), dirigiu grandes times do futebol brasileiro. Seu estilo truculento e autoritário, entretanto, impediu que ele tivesse uma longa sequência de trabalho nos clubes por onde passou. Não sabia ser gentil, e seus pedidos sempre vinham em tom de ordem. Assim ele abordou uma das funcionárias da Diretoria de Esportes do Estado de Minas Gerais, numa das salas do subsolo do Mineirão. Ela virou-lhe as costas, deixando claro que não iria atender quem a tratasse com grosseria. Os demais funcionários da autarquia entreolharam-se, estupefatos. Todos temiam aquele homem de quase dois metros de altura, famoso por ter saído no tapa com um sem-número de jogadores. Irritado, o “homão” – alcunha da qual se orgulhava – segurou o braço da funcionária, puxando-a de volta para si.
– O senhor não encoste a mão em mim.
– Você sabe com quem está falando?
– Sei muito bem. E isso não faz a menor diferença. Eu exijo respeito.
– Moça, você está brincando com fogo. Se eu perder a cabeça a coisa vai ficar feia.
– O senhor está me ameaçando? Pois venha se tiver coragem, venha se for homem.
Furioso, Yustrich desistiu do embate e deixou a sala. A funcionária manteve o semblante altivo até ter certeza de que o treinador estava longe. Então caiu em prantos.
Nilda fazia parte da Diretoria de Esportes desde antes da construção do estádio. Exímia datilógrafa, começou a trabalhar bem cedo. Aos 13 anos de idade, viu-se obrigada a largar o ensino fundamental para ajudar a sustentar a própria mãe. Ocupada em sobreviver, acabou casando-se tarde para os padrões da época. Tornou-se esposa aos 30, mãe aos 31. Aos 38, tinha 4 filhos, todos homens. Foi quando decidiu largar o emprego para dedicar-se à família. Acostumada a pagar suas próprias contas, assumiu as finanças da casa com a mesma rigidez com a qual cobrava bom desempenho escolar dos filhos. Como ex-jogadora de vôlei do América, exigiu que todos praticassem esportes. A palavra final era sempre dela.
Aprendeu a dirigir com a mesma facilidade com que aprendera a se defender. Tornou-se motorista, professora, enfermeira, advogada de defesa e acusação, e até psicóloga – embora seus métodos pudessem ser descritos como pouco convencionais. Chineladas e carinhos apareciam com a mesma frequência, broncas homéricas contrastavam com dramas e caras emburradas que demoravam dias para desaparecer. Por fim, Nilda acabou por criar modo próprio de gerir os conflitos de sua família.
Com o crescimento dos filhos, mostrou sabedoria ao buscar ser a melhor anfitriã para os amigos e namoradas de cada um deles. Com a casa constantemente cheia, Nilda permitiu-se finalmente relaxar, ciente de que a privação enfrentada na infância e adolescência não voltaria a lhe fazer companhia. A maturidade foi o período mais suave e feliz de sua vida, talvez pela consciência de ter sempre procurado agir com justiça e coerência. Quando tornou-se avó, a doçura passou a ser sua característica mais marcante. Mas a personalidade forte, capaz de enfrentar preconceitos e dificuldades com brio e coragem, jamais a abandonou.
Entre alegrias e tristezas, conquistas e decepções, erros e acertos, não há dúvidas de que Nilda foi uma mulher de fibra. Hoje, no dia em que completaria 88 anos de idade, muitos ainda se emocionam ao relembrar sua trajetória, suas histórias, seu sorriso, e – especialmente – seu olhar. Eu sempre serei um deles.