Esperança…

A rotina prometia ser a mesma das últimas semanas. O despertador tocou na hora de sempre, acordei meu filho com a dificuldade de sempre, deixei-o na escola com o mau humor de sempre. O trânsito – incomumente fluido – destoava do caos de toda manhã. No escritório, tarefas inacabadas acumulavam-se sobre minha mesa. Pudera, meus horários de trabalho estavam reduzidos à metade desde que ela fora internada pela primeira vez. O que não tivesse sido resolvido até o meio-dia teria de ser protelado. As tardes estavam reservadas às consultas com os diversos especialistas, às visitas ao hospital, à contemplação de um olhar que parecia se esvair a cada instante. Eu e meus irmãos nos revezávamos nas noites assombradas por gemidos que não podíamos exorcizar. A transferência para a UTI fez com que os dias passassem a ser dedicados ao nosso pai, atônito por perceber que a maior de suas certezas não iria se realizar. Portador de uma grave cardiopatia desde os 49 anos de idade, ele nunca teve dúvidas de que seria o primeiro a partir. Aquele era um cenário para o qual ele jamais se preparara.

Liguei o computador mais cedo que o usual. O mostrador no canto direito da tela me lembrou que outubro havia chegado. Era o mês dela. Em anos anteriores, estaríamos planejando o que fazer na comemoração de seu aniversário. Agora, eu quase desejava que ela não estivesse aqui para completar seu 79º ano de vida. Sabia que, de uma forma ou de outra, vela alguma seria soprada dali por diante. Abri a caixa de mensagens. A sequência de e-mails acrescentou preocupações corriqueiras à expectativa que dominava meu cotidiano. A notícia viria através de um telefonema? De uma mensagem? Ou viveria o momento pessoalmente, durante uma das rápidas visitas da tarde? A imagem do desenlace não me trazia lágrimas. Talvez a verdadeira despedida de 10 dias atrás as tivesse exaurido. Talvez meus olhos estivessem se poupando para o turbilhão que se avizinhava. Ou talvez eu apenas soubesse que a exclamação estava bem próxima, enquanto implorava para que o ponto final permanecesse distante.

As obras não estavam paralisadas, tampouco as demandas dos clientes eram menores naquela manhã. Minhas mãos digitavam com firmeza as respostas às pendências mais urgentes do dia. Nem pareciam as mãos trêmulas que se entrelaçaram às dele na noite em que percebemos que um grande ciclo de nossas vidas estava prestes a findar. Pedia-lhe, em prantos, que não se apressasse em acompanhá-la. Rogava-lhe que ficasse, acreditando que ele realmente fosse capaz de postergar sua hora de dizer adeus. Abraçava-o como o garoto inseguro que – ansioso – sempre aguardara a chegada de seu ídolo ao cair da noite. Dizem que só amadurecemos quando percebemos que nossos pais não são super-heróis. Talvez eu jamais tenha crescido…

Os demais funcionários da empresa chegaram. Conversamos amenidades enquanto tomávamos a primeira xícara de café. Falamos das perspectivas de novos projetos, analisamos relatórios de resistência, programamos contratações e pagamentos. E cada um foi cuidar de seus afazeres.

Então o telefone tocou.

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