A curiosidade humana é capaz de nos levar a experiências das quais nos arrependeremos pelo resto dos tempos. Sabe aquele mergulho totalmente seguro com tubarões? “Eu falei que era pra ficar parado se ele chegasse perto”. Aquele voo de asa delta em que nada pode dar errado? “Essas torções de tornozelo são tão comuns nas aterrissagens”. Aquele salto do alto de uma cachoeira? “Esse tronco não estava aí ontem”. Aquele passeio de ultraleve ao longo do litoral? “Você não disse que essa coisa planava mesmo se o motor pifasse?”
Escapei – mais por sorte do que prudência – da maior parte dessas armadilhas do destino. Não consegui, entretanto, evitar a pior delas.
“É coisa rápida: vocês vão tomar um café da manhã 5 estrelas, assistir a uma apresentação de meia hora, e ainda terão 80% de desconto nas entradas do parque”. Eu poderia ter dito não, inventado compromissos previamente agendados, ou me lembrado de exagerar nos espirros tão comuns para quem tem rinite alérgica. Mas os ingressos para o parque custavam boa grana, e uma hora a mais ou a menos não faria tanta diferença na nossa programação de férias.
A decepção começou já no café da manhã, cujas estrelas só foram lembradas graças ao formato das batatas que nadavam na gordura. O café era frio e ralo, ao contrário dos ovos mexidos, ralos e frios. Depois de intermináveis 90 minutos de apresentação, perguntei sobre os vouchers dos descontos. “Aurora já vem atendê-los”. Àquela altura da vida, tinha passado algumas noites em claro à espera de uma alvorada especial. Em nenhuma delas, entretanto, a Aurora me pareceu demorar tanto. Lá fora, o sol a pino parecia debochar da minha malfadada decisão. Reclamei com um dos funcionários, que me pediu que aguardasse mais 10 minutos. “Aurora está finalizando um atendimento”.
Meia hora depois, o ódio estampado em meu semblante contrastava com o sorriso insuportável de Aurora. “Perdoe-me pela demora, querida família” – poucas vezes um “querida” me irritou tanto – “vou mostrar a vocês todas as opções de contratação de nossos planos de viagens”. Argumentei que estávamos exaustos e queríamos apenas os descontos, mas Aurora foi categórica: “a cereja do bolo vem sempre no final”. Com a fome apertando, quase sugeri trocar a cereja pela azeitona de uma empada.
Após ter recusado os cinco primeiros planos apresentados (sempre em ordem decrescente de valor), Aurora finalmente percebeu que não iria fechar negócio algum comigo. Seu sorriso se desfez de tal forma que passei a me questionar se seu nome era real ou artístico. “Pode me dar as entradas agora?” – perguntei. “Na última sala antes da saída” – ela resmungou, sem levantar os olhos.
Levei outra eternidade para conseguir receber os ingressos. Os demais dias das férias foram de chuva. Minha família só voltou a falar comigo depois de uma semana em casa. Ainda tenho sonhos recorrentes em que vejo Aurora ardendo no fogo do inferno.