Romaria…

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Minha rua começava em um bosque. Árvores frondosas protegiam-me do sol e da chuva leve. Embalavam-me, mesmo quando o vento inclemente as faziam vergar. Ainda sou capaz de sentir o perfume das flores com as quais uma delas se enfeitava. Outra – ainda mais robusta – cativava-me pelo aconchego de suas copas, onde pássaros das mais diversas cores ensaiavam acordes e sinfonias. A brisa espalhava sementes pela via afora, e assobiava ao roçar os galhos mais altos. E a luz, filtrada por folhas e ramos, criava imagens de caleidoscópio no chão à minha frente.

Após a primeira esquina, minha rua ficava mais sombria. Como se as árvores tivessem perdido a capacidade de barrar o frio que escoltava o entardecer. As construções ao longo do caminho pareciam inacessíveis, com suas janelas cerradas e portas invisíveis. Lembro-me dos semblantes sisudos que acompanhavam minha passagem. A ânsia de correr para vencer aquele trecho encontrava resistência na corrente de ar que me empurrava na direção contrária. A inércia me assustava.

Apenas um quarteirão depois, os comércios de bairro deixavam minha rua ainda mais desafiadora. As fachadas agora tinham portas abertas para os passeios, mas poucas se mostravam realmente convidativas. Entrei em muitas delas para tentar fugir dos calafrios que insistiam em me fazer companhia. Buscava o acolhimento das árvores, bem distantes dali. O aclive se acentuava lá fora. O pavimento, cada vez mais deteriorado, transformava em esforço cada um de meus passos. Ali aprendi a caminhar.

A praça no alto da encosta prometia lenitivo para a marcha sem tréguas. Bancos de madeira convidavam para um momento de contemplação, e uma bica de água cristalina quase me fez diminuir o ritmo. Crianças corriam à sombra dos arbustos, encenando uma pressa que ainda desconheciam. Uma delas sorriu ao me ver passar.

Muitas curvas e esquinas se seguiram até que minha rua se tornasse síntese de toda sua extensão. Suas quadras estão agora repletas de casas, edifícios, lojas, restaurantes e todo tipo de edificações. Seu canteiro central conta com uma pista de cooper, a qual percorro cada vez com maior vagar. Há árvores, muitas árvores, e as imagens de caleidoscópio continuam a surgir de tempos em tempos. Os semblantes fechados me assustam menos, e passei a chamar de conselheiros os frequentes calafrios. Ainda tenho sede de sorrisos.

Não sei qual é o tamanho da minha rua, nem aonde vai dar, mas, se tivesse que apostar, diria que ela termina em um bosque…

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