Um país elitizado…

20230306_210111

Um youtuber que ficou milionário aos 8 anos de idade. Uma influencer fitness que recebe rios de dinheiro dos fabricantes dos produtos divulgados em seu Instagram. Um coach de vida que desafia seus inúmeros seguidores a acordar de madrugada para se diferenciar de seus pares. Um adulto que passa os dias jogando dardos, cartas, e bolas de pingue-pongue em alvos móveis mirabolantes. Vídeos como esses se multiplicam nas telas dos celulares pelo país afora.

Josilene não chega em casa antes das 9 da noite. Vai à geladeira, pega um pedaço do pão da véspera, abre o pote de manteiga, e torce para que tenha sobrado um pouco de leite. Alimenta-se ali mesmo, em pé, como se lhe coubesse a opção de sentar-se à mesa. O pão não basta à fome, mas é o bastante para animá-la a abrir a porta do quarto. Luan – o filho mais velho – a recebe com a arrogância dos adolescentes, e mal tira os olhos do celular. Cauã, o mais novo, dorme encolhido no canto da cama que divide com a mãe. Exausta, ela adormece rapidamente, enquanto finge não notar o olhar de desaprovação iluminado pelo brilho da tela. Dali a poucas horas, Josilene irá se levantar, tomar um banho rápido, e caminhar muitas quadras no escuro até o primeiro dos muitos pontos de ônibus do dia.

O entrevistado do jornal da manhã é um conhecido homem de negócios. Suas empresas têm faturamentos expressivos desde que foram fundadas por seu avô. Como neto mais velho, foi o primeiro a estudar no exterior, onde acabou se formando. Quando jovem, chegou a sonhar em ser fisioterapeuta, mas a tradição empresarial da família se impôs. Para auxiliá-lo na tarefa de comandar o império herdado, ele não abre mão de assessores que conhecem a fundo o dia a dia das empresas. Dá mais entrevistas do que opiniões, e assim encontrou o equilíbrio para viver relativamente em paz consigo mesmo. Sua maior preocupação atual é com a filha, e sua irritante tendência de se relacionar com quem não tem nem berço nem futuro.

Rodney nasceu em uma família com poucos recursos. Como feirantes, seus pais trataram de garantir ao filho tempo suficiente para se dedicar aos estudos. O esforço da família rendeu frutos. Rodney desenvolveu um método de aprendizado que o fez ser aprovado na universidade mais disputada da época. Professor nato, fundou uma pequena escola que, poucos anos depois, tornou-se um dos maiores conglomerados de ensino do país. Hoje, Rodney participa de inúmeros projetos sociais em prol da educação em favelas e comunidades carentes de sua cidade natal.

Pobres de nós que nos deixamos inspirar pelo conceito contemporâneo de meritocracia. Pobres de nós que – muitas vezes sem perceber – julgamos fracos os milhões de anônimos que não conseguiram romper os grilhões que os impediam de dar o primeiro passo. Pobres de nós que nos permitimos acreditar que os raros exemplos de ascensão social podem ser divulgados como receitas de um sucesso acessível a todos. Pobres de nós que valorizamos apenas os que pertencem a uma elite que aparenta ignorar a limitação intelectual de seus membros cativos, que incentiva os Luans a terem vergonha de suas mães, que equipara os méritos dos atiradores de bolinhas aos dos Rodneys que melhoram o mundo à sua volta, que jamais permitiria que as Josilenes da vida fossem reverenciadas pela fé, pela força e pela coragem com as quais se armam para sobreviver.

Quão pobres somos nós?

Esta entrada foi publicada em Sem categoria. Adicione o link permanente aos seus favoritos.

Deixe um comentário