Não sou saudosista. Saudosista é uma espécie de coach do tempo com tempo de sobra. Quem em sã consciência sente falta de ficha de telefone, blazer com ombreiras, ou do risco de vida que se corria por uma bala Soft? Com exceção do jogo do bicho e da linguagem neutra, o mundo evoluiu. Não troco a Netflix por uma Sessão da Tarde dublada, muito menos meus reais por um Plano Cruzado II. A impressora colorida não me permite suspirar por nenhuma máquina de datilografia, e o ar-condicionado do meu carro é bem mais eficiente do que a janela aberta do Corcel que me levava para a escola toda manhã. Só tenho saudades de quem o dirigia.
Saudade é contemplar as folhas caídas de um bosque no outono.
As ruas que percorríamos em nosso trajeto diário não são mais as mesmas. Calçamentos transmutaram-se em asfalto, mãos duplas têm agora sentidos obrigatórios, casas e lotes vagos deram lugar a lojas e edifícios. O colégio ainda está lá, até mais bonito graças a uma reforma feita há pouco. As árvores em frente às janelas das salas de aula também continuam de pé. Lembro-me de olhar para o verde daquelas copas, e torcer para que um dia eu fosse menos insignificante do que os insetos que habitavam seus galhos.
Insignificância é um eco que não precisa responder.
O estridente sinal que anunciava a hora de ir para casa soava como o acorde de uma sinfonia. Lembro-me da sensação de alívio aliada ao medo de ser importunado entre as portas da sala e do Corcel. Não sei se andava cabisbaixo por questões de segurança, ou por nunca ter aprendido a levantar meus olhos. Quantas vezes escolhi o percurso mais longo apenas para evitar proximidade com quem pudesse me machucar. Possibilidade que – na minha cabeça – estava aberta a todos, a começar dos muitos que sequer me notavam. Mesmo cercado de gente, acostumei-me a caminhar sozinho.
Solidão é soprar as velas sob as palmas do silêncio.
Aos poucos, aprendi a fazer as pazes com quem mais me detestava. Durante vários anos – mesmo após a trégua –, encará-lo no espelho a cada manhã foi sempre a tarefa mais árdua do dia. Daquele semblante eu jamais consegui me esconder. Ali, frente a frente, não havia disfarce capaz de simular qualquer centelha de altivez. Não saberia dizer qual de nós dois sorriu primeiro. Sei, entretanto, que fui eu o primeiro a querer abraçá-lo.
Abraço é um aperto de mão que perdeu a vergonha.
Não sou saudosista. Saudosista é um para-brisa embaçado que se guia pelo retrovisor. Quero viver o presente, ansiar pelo futuro, agradecer ao passado. Procuro não guardar mágoas. Mágoas são como véus finos que, somados, turvam definitivamente a visão. Tampouco me empolgo a cada obstáculo superado. Empolgação não passa de uma alegria sem memórias. Acredito que, de tanto me esforçar, acabei por gostar até das minhas frequentes dúvidas. Também, pudera, dúvida é só um sonho que tem medo de acordar.