Nasci na época em que o pai só descobria o sexo de seu bebê quando a primeira enfermeira era convidada a deixar a sala de parto. Àquela altura, a emocionada e exaurida mãe tinha encontrado forças para – tão logo tivesse dado à luz – afirmar em alto e bom som: eu sabia! Não tenho lugar de fala para avaliar intuições maternas, mas sei que muitas lançaram mão de métodos de detecção cujos índices de acerto alcançavam impressionantes 50% (com margem de erro de 50 pontos para mais ou para menos). Minha mãe, por exemplo, sempre consultou um pêndulo feito com sua aliança e um fio de cabelo. Meninos provocariam oscilações laterais, enquanto meninas fariam o conjunto girar. Os bebês que decidissem não se manifestar provavelmente são os que hoje gostam de ser chamados de “todes”. Mesmo amparados pelo sexto sentido e pela ciência, meus pais decidiram manter o azul e o rosa distantes de meu enxoval.
Os tempos eram outros quando minha esposa engravidou. Soubemos o sexo de nosso primeiro filho com 15 semanas de gestação, o que nos permitiu planejar decorações e enxovais que teriam deixado Damares orgulhosa. O segundo – também homem – herdou quase tudo do mais velho e, pelo menos até hoje, nunca se queixou de ser estepe do primogênito. Ainda bem, já temos problemas reais o bastante.
Como o mundo continua evoluind… quero dizer, girando, os casais do século XXI resolveram criar um ritual público para que fossem informados sobre o sexo de seus bebês. Quando ouvi falar pela primeira vez dessa, digamos, modernidade, pensei que o primeiro convidado de um chá de revelação teria que ser o ultrassonografista. Recusava-me a imaginar a mãe em uma consulta de rotina com os olhos vendados e música nos ouvidos, enquanto médico e cúmplice sussurravam como dois amantes que planejam um crime passional. Mas a nova realidade se impôs, e os cerimoniais passaram a cobrar rios de dinheiro para que desaguassem em cascatas rosas ou azuis.
O novo calendário de eventos gestacionais tem desagradado a muita gente, não pela exposição de um momento que sempre foi de intimidade, mas sim pela ditadura da cor imposta ao indefeso bebê. “O coitadinho vai crescer traumatizado, carregando o fardo de se tornar aquilo que a sociedade determinou”, afirmam os sempre atentos fiscais do comportamento alheio. Como qualquer argumentação de que o “fardo” tinha sido imposto pela Natureza não costuma ser bem recebida, prevejo que os chás de revelação estejam com seus dias contados. Afinal, não fará sentido algum tanto trabalho se serão permitidos apenas balões, fogos, bolos e cascatas que contemplem toda a paleta Pantone. Pelo menos assim os pais poderão afirmar com certeza no final: “eu sabia”.