Eu era um jovem de 22 anos quando votei para presidente pela primeira vez. Tive sorte. Muitos eleitores de primeira viagem tinham 45 anos ou mais naquele mesmo pleito. A sensação que compartilhávamos também era inédita. Havia uma textura quase palpável no ar. Sons eram saboreados, como se a língua fosse capaz de identificar o amargor das palavras, o sal dos brados, o doce das promessas. Ainda consigo sentir o cheiro das ruas, incrédulas diante de tantos rostos fantasiados de esperança. As sacadas – acostumadas a contemplar outro tipo de marcha – ecoavam vozes que, um dia, tinham sido condenadas ao silêncio.
Dei àquela sensação o nome de liberdade. Nela mergulhei. Meu primeiro voto foi uma prece, e a imagem da democracia passou a adornar o meu altar. Nem a difícil escolha feita naquele segundo turno conseguiu atenuar a minha nova fé.
Escolhas difíceis repetiram-se na maioria das eleições seguintes, cada vez mais contaminadas pela cegueira e pelo populismo. Com o tempo, os cheiros, as texturas e os sabores que me arrebatavam foram substituídos pelo desânimo de ter que – no fim – escolher o “mal menor”.
Daqui a pouco o Brasil acorda para a mais desoladora eleição de sua história. Pela primeira vez, a disputa não acontece entre candidatos, partidos ou propostas. Vamos eleger um dos líderes de uma seita de fanáticos. Nos próximos quatro anos – independentemente de quem vença -, chamaremos de presidente um político corrupto, retrógrado, corporativista, populista e desagregador, que trará consigo o apoio irrestrito e incondicional de uma massa incapaz de pensar por si própria.
Sozinhas, entretanto, as seitas seriam incapazes de eleger alguém. Ambas recorrem ao medo para conseguir arregimentar os votos que lhes faltam. O mesmo medo que impede que outras candidaturas – muito melhor preparadas – tornem-se viáveis. O mesmo medo que se disfarça de “voto útil”, que se esconde no fundamentalismo rasteiro, que rotula a sagrada liberdade de escolha como divina ou diabólica. O medo é, sem dúvida alguma, o grande vencedor deste pleito.
Também pela primeira vez, estou longe do Brasil em uma eleição presidencial. Estaria distante, mesmo que lá estivesse. Distante das boas sensações que ajudaram a moldar minha fé na democracia. Distante dos 90% dos brasileiros que já decidiram fazer do primeiro, o segundo turno. Sim, a eleição pode terminar hoje, com a volta daquele que permitiu o maior assalto aos cofres públicos de que se tem notícia. Fiéis aos devaneios do presidente, os bolsonaristas mais radicais afirmam que o único resultado aceitável é a reeleição de seu mito. É o que se espera de quem acredita em cloroquina e mamadeira de piroca.
Bom domingo de eleição a todos. Não preciso aguardar o resultado para afirmar que o grande perdedor será o Brasil.