No sonho mais recorrente que tive na infância, eu era capaz de voar. Às vezes sozinho, como os super-heróis que admirava, outras com o auxílio de uma prancha que sustentava meu corpo. Já não me recordo dos contextos, mas, mesmo depois de tanto tempo, ainda consigo sentir o vento a tocar meu rosto e impulsionar meu voo. Perceber-me menos denso que o ar representava meu desejo de estar acima dos medos, das angústias, dos problemas. Mirava o horizonte entre as nuvens, e pedia por uma vida mais leve ao acordar.
Não saberia dizer o que o assustava mais a cada manhã: o som alto da válvula que liberava o gás, ou o clarão das labaredas que inflavam a imensa lona que dava forma ao seu corpo. Ciente de sua missão, aguardava por aqueles que vinham em busca de um pouco mais de levidão.
Cresci. Diferentemente do que imaginara, os desafios que encontrei pela frente me pareciam cada vez mais pesados. Superá-los, por consequência, tornava-se sucessivamente mais difícil. Muitas vezes sonhava acordado, e esforçava-me para relembrar as sensações dos voos da infância. Tinha saudades de uma suavidade que jamais chegara a experimentar.
A grande lâmpada multicolorida estava formada. O momento de zarpar se aproximava. Como de praxe, uma pequena fila de ansiedade formou-se à sua frente. Os sorrisos não eram capazes de esconder os fardos que pesavam em cada um dos ombros. Ele os sentia.
Foi em uma sala de aula que a vi pela primeira vez. Seus olhos fitaram os meus, e me senti levitar. Afastei-me, receoso. O medo de altura dizia que apenas nos sonhos eu poderia alçar voo. Lançara muitas âncoras pelo caminho. Curiosa por saber que altitude alcançaríamos juntos, pôs-se a me ensinar os segredos da levitação. Bastaria que eu rompesse as amarras que me prendiam ao solo. Acomodado, não tive coragem de fazer o pouco que me cabia.
Os primeiros instantes de cada subida são sempre os mais desafiadores. É quando percebem que lhes falta o chão, e nada os impede de mergulhar no vazio. Seguram-se nas bordas da cesta, como se estas fossem capazes de suportar o peso que carregam. Apenas ao atingirem o ápice é que entendem que grandes voos só se tornam possíveis com as mãos soltas e os braços abertos.
Sua levidade me fazia falta. A vontade de voar aumentava a cada amarra cortada. Corri ao seu alcance, disposto a ser um bom aluno. Sua condição foi de que aprendêssemos juntos. E assim fizemos. Voamos bem alto muitas vezes, caímos outras tantas. Erguemo-nos dispostos a manter uma boa altura de cruzeiro. Já são 25 anos de um voo a dois. Há 25 anos, experimento uma leveza que nem os meus melhores sonhos conseguiram proporcionar. Quero voar bem mais. Quero voar eternamente. Com ela, sempre com ela.
O sol desponta no horizonte, e os balões – convidados para o baile das bodas – percebem que ainda têm muito a aprender sobre a arte da flutuação…